"A redução da jornada de trabalho será a transformação mais importante dos próximos 10 anos"​

"A redução da jornada de trabalho será a transformação mais importante dos próximos 10 anos"

A frase título deste artigo é do sociólogo italiano Domenico de Masi, autor do icônico livro "O Ócio Criativo", de 1995, onde estabelece conceitos fundamentais para o exercício da criatividade nos dias de hoje.

Em sua entrevista ao jornalista Roberto d'Ávila, na Globo News, ele fez uma comparação entre a situação atual da Alemanha e da Itália, para demonstrar os impactos das mudanças na redução - ou não - da jornada de trabalho nos dois países (chequei alguns números para complementar a informação).

Na Alemanha, onde a jornada anual diminuiu de 1.800 para 1.400 horas - 28 horas por semana - os trabalhadores tiveram um aumento médio na renda de 4,2% e a situação atual é uma taxa de desemprego de 3,4% e 78% da população empregada.

Na Itália, onde a jornada permanece 40 horas por semana (com média de 36), a taxa de desemprego é de 9,7, apenas 58% da população está empregada, o salário e a produtividade são 20% menores.

A entrevista me lembrou de um período em que morei em Portugal e, certa vez, fui chamado à atenção por parte de um colega, que, diante de minha jornada de trabalho média de 10 horas por dia, me alertou que eu "trabalhava demais".

Segundo ele, em Portugal existe uma cultura estabelecendo que as pessoas devem trabalhar menos para que todos possam trabalhar.

Naquela época (2001) isso me pareceu meio absurdo, mas os índices de desemprego e o estilo de vida das pessoas me mostrava que aquilo fazia muito sentido. O problema, no caso de Portugal, eram os salários baixos quando comparados ao restante da Europa, mas havia uma certa compensação pelo também mais baixo custo de vida.

Voltando ao presente, duas das maiores preocupações da economia global no momento e para o futuro é com o inevitável aumento da taxa de desocupação da população em idade produtiva e, adicionalmente, com a diminuição da renda média do trabalhador em todo o mundo.

Na prática, o que está acontecendo é que com a substituição da mão de obra humana por máquinas e robôs - físicos ou digitais - tem aumentado o fosso entre os maiores e os menores salários no âmbito das corporações, porque, diferente do que aconteceu nas três primeiras ondas da revolução industrial, quando, de maneira geral, as máquinas substituíam a mão de obra pesada, menos especializada, mais repetitiva e mais barata, agora, via de regra, os novos sistemas substituem o empregado médio, que tem funções que exigem competências que agora podem ser realizadas por algoritmos e Inteligência Artificial.

Se antes o crescimento de uma empresa significava aumento de sua estrutura física e operacional, com a contratação de mais mão de obra humana, hoje o crescimento significa a automação da empresa, com robôs e sistemas digitais substituindo a mão de obra humana que antes realizava as mesmas tarefas em pequena escala.

Assim, quando a empresa cresce a empresa diminui e os postos de trabalho que sobram estão no alto escalão, com salários altos, mas poucos trabalhadores, e na base da empresa, nas funções com menor remuneração, ou pela simplicidade do trabalho executado ou pelo esvaziamento das atribuições. Um profissional que antes fazia o trabalho agora é apenas o "vigilante" das máquinas que fazem o mesmo trabalho em volume, rapidez e precisão muito maior.

E aí caminhamos para um cenário em que você terá menos empregados e, desses, a maioria com rendimentos menores do que a média atual.

Ótimo para as empresas, não é?

De jeito nenhum!

E quem vai comprar os produtos e contratar os serviços dessas empresas?

Esse é o grande nó a ser desatado. Fazer com que as pessoas continuem trabalhando, mesmo que seja durante menos tempo, e sendo bem remuneradas, para que possam consumir.

Mas o que fazer com o tempo livre?

Aí está o segundo maior problema - e talvez uma grande solução -, pois é preciso garantir que o tempo em que as pessoas não estão trabalhando seja ocupado por atividades que sejam positivas para elas e para a sociedade.

Como disse de Masi, "É preciso preparar as pessoas para o tempo livre."

Nesse aspecto, é possível discutir a maior participação das pessoas na política e na gestão pública, dedicando seu tempo fora do trabalho para planejar, executar e fiscalizar as ações inerentes aos governos; nas questões sociais, através da assistência a pessoas e comunidades carentes, particularmente ou através das organizações do terceiro setor - incluindo igrejas; ou simplesmente ocupando a vida pessoal com arte, cultura, turismo e conhecimento, em suas infinitas possibilidades.

Essa preocupação sobre o que fazer nas horas "vagas" é extremamente pertinente diante dos riscos ocasionados por questões como o aumento da criminalidade e da violência e o consumo de produtos maléficos para a saúde, como alimentos, bebidas e drogas.

É certo que nos próximos 10 anos a humanidade deverá mudar mais do que em qualquer um dos séculos anteriores e entender a profundidade e a velocidade dessas mudanças será primordial para empresas, governos e pessoas, já que não temos qualquer guia ou referência teórica, moral ou ideológica que possa nos fazer entender onde queremos ir e se chegaremos a algum lugar ou se a humanidade alcançou o estágio em que, de fato, a única constante é a mudança.

O mais importante é entender que, como bem definiu o filósofo romano Lúcio Aneu Sêneca, "Nenhum vento é favorável para o marinheiro que não sabe aonde ir."

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