Resiliência planejada no agronegócio brasileiro: as lições de três economistas
Riscos sistêmicos
A estabilidade do agronegócio brasileiro é fator chave para a sustentabilidade econômica do país, cabendo considerar o grau de vulnerabilidade dos agentes deste setor, especialmente grande no caso dos pequenos produtores. A adaptação das ideias de Ben Bernanke sobre riscos sistêmicos e crises financeiras ao contexto do agronegócio pode fornecer insights valiosos sobre como proteger esse segmento fundamental da economia.
Ben Bernanke, em suas pesquisas, enfatizou a importância de compreender e gerenciar riscos sistêmicos para evitar crises. No contexto do agronegócio brasileiro, esses riscos sistêmicos podem incluir flutuações nos preços das commodities, instabilidade climática e variações nas taxas de câmbio. Esses fatores podem impactar diretamente a renda e a estabilidade financeira dos pequenos produtores.
Assim como Bernanke destaca a necessidade de regulamentações e políticas para mitigar riscos sistêmicos no setor financeiro, o agronegócio brasileiro pode se beneficiar de medidas governamentais proativas. Implementar políticas agrícolas estáveis, como subsídios em épocas de preços baixos e mecanismos de seguro agrícola, seria análogo a regulamentações financeiras que visam a prevenir crises bancárias.
Ben Bernanke ressalta a importância de evitar crises e, quando inevitáveis, responder rapidamente para limitar os danos. Analogamente, no contexto do agronegócio brasileiro, medidas preventivas, como programas de educação financeira para os pequenos produtores, podem aumentar a resiliência contra choques externos. Além disso, a implementação ágil de políticas de socorro em situações de crise, como a flexibilização de linhas de crédito, pode ser crucial para evitar a quebra generalizada dos pequenos produtores.
Adotar uma abordagem análoga à das recomendações de Bernanke, implementando medidas preventivas e respondendo de forma rápida e eficaz às crises, pode ajudar a fortalecer a resiliência do agronegócio brasileiro e contribuir para promover a estabilidade econômica e o desenvolvimento sustentável.
Identificação de pontos de falha sistêmica
Duas características justificam políticas e atenção permanente para com os pequenos agentes do agronegócio brasileiro: o papel do agronegócio para a estabilidade da economia e o fato de ser composto em grande parte por pequenos produtores rurais. Tanto quanto em outros sistemas, é possível e útil identificar potenciais pontos de falha sistêmica que podem impactar negativamente não apenas esses produtores, mas também a estabilidade geral do setor.
Flutuações nos preços
A dependência significativa dos pequenos produtores em relação aos preços de commodities expõe o agronegócio a riscos consideráveis. Variações nos mercados globais podem resultar em quedas abruptas nos preços, afetando diretamente a receita dos produtores e gerando instabilidade financeira.
Vulnerabilidade climática
O agronegócio está intrinsecamente ligado às condições climáticas. Eventos extremos, como secas ou enchentes, representam ameaças sérias para os pequenos produtores, comprometendo safras e resultando em perdas substanciais.
Limitações de acesso a recursos financeiros
Muitos pequenos produtores enfrentam dificuldades no acesso a financiamento adequado. A carência de capital — e a sujeição à autogeração de recursos sem apoio — para investir em tecnologias modernas, equipamentos e técnicas agrícolas pode criar ciclos de baixa produtividade, limitando o crescimento sustentável.
Precariedade da infraestrutura
A infraestrutura precária, como estradas e armazenamento inadequado, pode levar a perdas pós-colheita e aumentar os custos de transporte. Isso não apenas impacta a eficiência operacional, mas também contribui para a insegurança alimentar e econômica.
Desconexão tecnológica
A falta de acesso e familiaridade com tecnologias modernas pode deixar os pequenos produtores em desvantagem competitiva. A ausência de soluções tecnológicas eficientes para gerenciamento agrícola e marketing pode resultar em menor eficiência e rentabilidade.
Pontos de falha sistêmica como estes têm sido responsáveis por boa parte dos desafios enfrentados pelos pequenos produtores rurais no agronegócio brasileiro. Estratégias integradas e políticas governamentais focadas em mitigar esses riscos são importantes para fortalecer a resiliência do setor como um todo. Ao abordar esses desafios de maneira abrangente, é possível promover um ambiente mais estável e sustentável para os pequenos produtores, de maneira a contribuir para que o agronegócio cresça de forma estável.
Prevenção e mitigação de crises: as reflexões de Douglas Diamond
O agronegócio brasileiro enfrenta desafios complexos que demandam estratégias sólidas para evitar crises. Ao explorar as propostas do economista Douglas Diamond relacionadas com colapsos financeiros podemos adaptar suas recomendações para fortalecer a resiliência dos pequenos produtores.
Diversificação de fontes de financiamento: uma das principais estratégias propostas por Diamond para evitar crises bancárias é a diversificação das fontes de financiamento. No contexto do agronegócio brasileiro, isso implicaria que os pequenos produtores devem buscar fontes alternativas de investimento além dos tradicionais empréstimos bancários. Incentivar parcerias público-privadas, buscar financiamento coletivo e explorar linhas de crédito específicas para o setor agrícola são medidas que podem reduzir a dependência das fontes tradicionais de recursos.
Implementação de mecanismos de garantia: Diamond destaca a importância de mecanismos de garantia para prevenir crises. Adaptando essa ideia para os pequenos produtores do agronegócio brasileiro, é crucial explorar soluções como seguros agrícolas e fundos de garantia específicos para o setor. Esses mecanismos podem oferecer proteção contra eventos climáticos adversos, variações de preços e outros fatores que impactam diretamente a estabilidade financeira dos agricultores.
Acesso a informações e educação financeira: A falta de conhecimento financeiro é um obstáculo para muitos dos pequenos produtores. Diamond ressalta a importância do entendimento claro dos riscos. Nesse contexto, investir em programas de educação financeira para agentes do agronegócio, proporcionando acesso a informações relevantes sobre gestão de riscos e planejamento financeiro, pode ser crucial. Isso capacitará os produtores a tomar decisões mais bem fundamentadas e estrategicamente melhores.
Fortalecimento da rede de apoio: Diamond aborda a interconexão entre instituições como um fator determinante na prevenção de crises sistêmicas. Para os pequenos produtores do agronegócio brasileiro, fortalecer uma rede de apoio significa promover a colaboração entre produtores, cooperativas e instituições governamentais. Iniciativas de compartilhamento de conhecimento, recursos e boas práticas podem criar uma comunidade mais resiliente e capaz de enfrentar desafios comuns.
A analogia com estratégias propostas por Diamond para evitar crises bancárias nos ajuda a conceber meios de fortalecer a capacidade dos pequenos produtores rurais de enfrentar desafios. Diversificação, mecanismos de garantia, educação financeira e fortalecimento da rede de apoio são pilares fundamentais para construir uma base sólida de resiliência, com reflexo para pequenos agentes e também para o agronegócio brasileiro como um todo.
Políticas de governo
Diante da complexidade inerente às atividades agrícolas, a implementação de políticas governamentais preventivas e de mitigação de crises se revela crucial para assegurar a estabilidade desses produtores, promovendo um ambiente propício ao crescimento sustentável.
Prevenção de crises
Políticas governamentais preventivas desempenham um papel crucial na proteção dos pequenos produtores rurais contra eventos imprevistos. A criação de programas que incentivem a diversificação de culturas, por exemplo, pode reduzir a vulnerabilidade dos agricultores a flutuações nos preços das commodities, fornecendo uma rede de segurança em momentos de crise. Além disso, o desenvolvimento e a promoção de práticas agrícolas sustentáveis não apenas fortalecem a resiliência dos produtores a longo prazo, mas também contribuem para a preservação do meio ambiente.
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Mecanismos de mitigação
Diante de crises inevitáveis, a existência de mecanismos de mitigação é essencial para evitar que adversidades pontuais se transformem em desastres generalizados. O estabelecimento de linhas de crédito específicas, com condições flexíveis durante períodos de dificuldade, proporciona aos pequenos produtores a capacidade de superar obstáculos financeiros temporários. Adicionalmente, a implementação de seguros agrícolas acessíveis oferece uma camada adicional de proteção, permitindo que os agricultores recuperem parte de suas perdas em situações adversas, minimizando impactos econômicos.
Educação e capacitação
Políticas preventivas não se limitam apenas a medidas financeiras; a promoção da educação e capacitação é um componente crucial. Programas governamentais voltados para o desenvolvimento de habilidades agrícolas, gestão financeira e o acesso à tecnologia podem capacitar os pequenos produtores a tomar decisões informadas, aumentando sua resiliência e adaptabilidade diante das mudanças no ambiente de negócios.
Incentivo à inovação
O apoio governamental à inovação tecnológica no agronegócio é vital para manter a competitividade dos pequenos produtores. Incentivos fiscais para a adoção de práticas agrícolas modernas, como agricultura de precisão e automação, não apenas aumentam a eficiência, mas também fortalecem a capacidade dos produtores de enfrentar desafios em um mercado em constante evolução.
A importância de políticas governamentais preventivas e de mitigação de crises para a estabilidade dos pequenos produtores rurais no agronegócio brasileiro é inegável; tais políticas não apenas protegem os agricultores de eventos adversos, mas também promovem um ambiente propício ao crescimento em bases sólidas e à resiliência a longo prazo. Ao investir na segurança e no desenvolvimento dos pequenos produtores, o governo desempenha um papel vital na construção de um setor agrícola robusto e sustentável.
O papel dos bancos de desenvolvimento e das instituições governamentais é fundamental para garantir o suporte financeiro necessário aos agentes do agronegócio, fazendo com que possam crescer mais e se tornar resistentes a crises.
Facilitando o acesso ao crédito: Os pequenos produtores muitas vezes enfrentam obstáculos ao acessar crédito em instituições financeiras tradicionais. Os bancos de desenvolvimento, alinhados com as políticas governamentais, desempenham um papel crucial na criação de linhas de crédito específicas para o agronegócio. Essas iniciativas visam a oferecer condições mais favoráveis, taxas de juros acessíveis e prazos flexíveis, possibilitando que os produtores invistam em tecnologias modernas, insumos e melhorias estruturais em suas propriedades.
Promoção da inclusão financeira: Instituições governamentais, em parceria com os bancos de desenvolvimento, têm a responsabilidade de promover a inclusão financeira dos pequenos produtores. Programas que incentivam a abertura de contas bancárias, o uso de serviços financeiros digitais e a educação financeira desempenham um papel crucial nesse processo. Ao facilitar o acesso a instrumentos financeiros, essas instituições contribuem para a melhoria da gestão financeira dos agricultores.
Desenvolvimento de programas específicos: A criação de programas específicos para atender às necessidades dos pequenos produtores é uma estratégia eficaz. Bancos de desenvolvimento, muitas vezes sob orientação governamental, podem desenvolver programas que abordem desafios específicos enfrentados pelos agricultores, como seguro agrícola, financiamento para aquisição de maquinário e implementação de práticas sustentáveis. Essas medidas direcionadas têm o potencial de impulsionar a produtividade e a competitividade dos pequenos produtores.
Fomento à inovação tecnológica: A modernização do agronegócio é essencial para a competitividade global. Bancos de desenvolvimento, com o apoio do governo, podem oferecer linhas de crédito voltadas para a adoção de tecnologias inovadoras. Desde sistemas de irrigação eficientes até práticas de agricultura de precisão, o suporte financeiro é um catalisador para que os pequenos produtores abracem a inovação, tornando-se mais eficientes e sustentáveis.
O papel dos bancos de desenvolvimento e agências governamentais no suporte financeiro aos pequenos produtores rurais do agronegócio brasileiro é essencial para o fortalecimento deste segmento. Ao manter e aprimorar mecanismos de acesso ao crédito, promover a inclusão financeira, desenvolver programas específicos e fomentar a inovação, essas entidades desempenham um papel significativo na construção de uma base sólida para o crescimento sustentável. O compromisso permanente dessas instituições é crucial para garantir que os pequenos produtores possam prosperar, contribuindo assim para a prosperidade do agronegócio brasileiro como um todo.
Combatendo efeitos cascata
O agronegócio brasileiro enfrenta constantes desafios que podem desencadear efeitos cascata prejudiciais se não forem tratados a tempo, o que sugere a importância de intervenções eficazes para lidar com eles. A necessidade de intervenção em momentos de crise é crucial para preservar a estabilidade do agronegócio, assegurando que os pequenos agricultores não enfrentem repercussões devastadoras e possam retornar rapidamente à normalidade de suas operações.
Eventos climáticos extremos, como secas ou inundações, podem desencadear crises generalizadas no setor agrícola. A intervenção eficaz nesses momentos é essencial para fornecer suporte imediato aos pequenos produtores, incluindo assistência financeira para reconstrução de infraestruturas danificadas e programas de seguro agrícola que reduzam os prejuízos econômicos causados por eventos climáticos adversos.
O economista Philip Dybvig salientou em seus trabalhos a necessidade de abordagens que reconheçam problemas de consistência temporal dos sistemas bancários e a importância de mecanismos como o seguro para evitar crises. Agentes, como bancos e outros, podem operar com descompasso entre suas disponibilidades de fundos e as necessidades das pessoas que usam estes mesmos fundos. Transposto para a situação de produtores rurais, o conceito assume a forma de descompasso entre a necessidade de recursos provocada por fatores incertos e a efetiva disponibilidade deles, notadamente em momentos nos quais a demanda de recursos é especialmente intensa.
O problema pode ser mitigado com o uso de seguros (de depósito, no caso dos bancos; ou as modalidades de seguro rural, no caso dos agentes do agronegócio). O governo desempenha um papel crucial na gestão de crises causadas por este fator, não só por meio de seguros mas também por meio de linhas de financiamento e regulamentações que promovem a estabilidade. Em situações de crise, o acesso rápido a linhas de crédito emergenciais é vital para que os pequenos produtores possam manter suas operações. Intervenções governamentais eficazes devem garantir que essas linhas de crédito estejam disponíveis prontamente, com condições favoráveis que permitam aos agricultores superar os desafios temporários sem comprometer sua estabilidade financeira a longo prazo.
Crises no setor agrícola muitas vezes estão associadas a flutuações nos preços das commodities. A diversificação de culturas é uma estratégia eficaz para mitigar esses impactos. Intervenções governamentais podem incluir incentivos financeiros para que os pequenos produtores diversifiquem suas atividades, reduzindo assim a vulnerabilidade a choques específicos de mercado.
Intervenções eficazes devem ir além do aspecto financeiro, incluindo programas de capacitação e assistência técnica. Fornecer treinamento sobre práticas agrícolas resilientes, gestão de crises e utilização de tecnologias inovadoras pode fortalecer a capacidade dos pequenos produtores para enfrentar e se recuperar de situações adversas.
Em momentos de crise, a coordenação eficaz entre diferentes entidades é essencial. Intervenções governamentais devem facilitar a colaboração entre agências governamentais, organizações não governamentais e instituições financeiras para garantir uma resposta integrada e eficiente aos desafios enfrentados pelos pequenos produtores rurais.
Ao fornecer suporte financeiro imediato, acesso a recursos emergenciais, incentivos à diversificação e programas de capacitação, o governo desempenha um papel crucial na manutenção da resiliência do setor agrícola. Esta abordagem proativa é vital para garantir que os pequenos produtores possam superar desafios temporários e contribuir continuamente para a estabilidade e o crescimento sustentável do agronegócio brasileiro.
Conclusão
Evitar crises é um trabalho sério e frequentemente discreto, a ser desenvolvido em diversas frentes por pessoas que conheçam aspectos estruturais dos sistemas envolvidos e sejam capazes de entender a extensão de anormalidades que possam prejudicar o funcionamento do conjunto.
Preparar um sistema complexo para enfrentar crises não é o tipo de atividade que invariavelmente gerará frutos para as autoridades em termos de prestígio ou exposição pública positiva e ampla. Por vezes ações preventivas têm de se adotadas quando o cenário é estável, o que pode reduzir a inclinação dos agentes a apoiá-las ou defendê-las por não parecerem prementes, mesmo que o cenário futuro seja de gravidade e ainda que tendências negativas estejam claras. Apesar disso, providências para fortalecer e tornar mais resilientes agentes produtivos têm sua razão de ser; seu custo, comparado com o benefício que podem gerar quando bem direcionadas, é menor quando adotadas no tempo certo e costuma ter uma dimensão que justifica seu estudo, avaliação e implementação.
A aplicação de ideias como as dos economistas Bernanke, Diamond e Dybvig ao contexto do agronegócio brasileiro nos convida a atentar para a importância de ações governamentais proativas e de suporte financeiro que possam prevenir e mitigar crises. Ao evitar colapsos no setor, o governo pode assegurar a estabilidade econômica e promover o crescimento sustentável do agronegócio brasileiro e das cadeias que dele dependem. Sem estas providências, a sociedade deixaria ao acaso a resolução de situações cuja falta de controle poderá tornar incertos e maiores os custos de resolver problemas.
Tanto do ponto de vista econômico quanto do social, o esforço de evitar e mitigar crises poderá não ser percebido com clareza pelo público ou pelos agentes que acabarão sendo beneficiados. Ainda assim, para um gestor racional de uma economia interessado em obter os melhores resultados possíveis a médio e longo prazo, a possibilidade de gerar tais benefícios é o tipo de elemento que deve funcionar como princípio norteador, critério de avaliação e parâmetro de decisão.
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José Luís Neves é profissional da área de controladoria e planejamento. Economista e administrador com mestrado em Administração pela USP, possui mais de 25 anos de experiência em empresas de consultoria e serviços, onde tem sido responsável por atividades de gestão financeira, orçamentação, contabilidade e custos. Reside em São Paulo (SP).