Responsabilidades
Não vejo um fim próximo para a discussão a respeito das redes (e de seu poder). São muitos interesses envolvidos. Interesses interesseiros.
A solução é óbvia (mas é óbvia para mim, obviamente): rede social tem que controlar, sim, o que as pessoas publicam. Infelizmente. Mas tem.
Isso não é censura? Vejo a coisa sob outra perspectiva: se uma rede social consegue até ouvir o que falamos, qualquer omissão poderia ser caracterizada como cumplicidade.
A meu ver, o controle das redes é uma questão de autorresponsabilidade: criei um serviço bacana; tão bacana que, agora, você depende de mim. Se chegamos a tal ponto, tornei-me responsável por você – por seu conforto, segurança, bem-estar. Não deixa de ser uma prisão, mas o padrão é cinco estrelas.
Da nuvem à terra: no último fim de semana, fui conhecer um restaurante no Mercado de Peixes de Santos. Normalmente, fujo desses lugares da moda, mas, quando vi, já tinha sido fisgado. Ali estando, a solução era pedir alguma coisa.
A proposta do lugar é bem legal: ambiente simpático, bonito, especializado em peixes e frutos do mar. Você faz o pedido e espera a chamada. Pedido pronto, você o retira no balcão e leva o prato para a mesa. “Comida de rua do mar” verdadeiramente saborosa. O investimento vale a pena.
Qual o problema de um lugar assim?
Comida de rua se come na rua. Bancos e mesinhas desmontáveis já são luxo. Ali, o luxo é extremo: há várias mesas e um grande balcão com vista para as bancas do mercado, no andar térreo. Entre as bebidas, vinhos e espumantes. Comida de rua só no slogan, mesmo.
É um lugar de gente cool.
Que, normalmente, esconde um lobo sob a pele de cordeiro.
O propósito do restaurante é servir boa comida. Só. Então não existe controle de chegada (a não ser pela ordenação dos pedidos feitos), não há limitação de entrada ou qualquer tipo de orientação ao cliente. Comprem, comprem, comprem.
E as pessoas compram. Eu comprei. Esperei o prato por horas, o que já era previsto. O que eu não previa era o salve-se-quem-puder no salão do estabelecimento. A lógica de uma operação como essa me parece simples: quem chega antes, senta-se antes. Só que, neste caso, a ordem de chegada não era um indicador: valia a esperteza do lobo.
A animação do ambiente escondia um clima hostil: quem ocupará as cadeiras, depois que aquela mesa vagar? Chispas nos olhos. Tocaias. E carteiradas: é a grávida, é o idoso, é a criança que merecem prioridade (mesmo chegando agora e tendo uma senha vinte números mais alta do que a sua).
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A atenção recai sobre o prato de quem foi atendido. Especificamente, sobre a quantidade de comida no prato. Está acabando, está acabando. A refeição se transforma num Big Brother e deixa de ser agradável.
Em partes.
Porque Hobbes estava certo e Rousseau, errado: algumas pessoas não se importam com os olhares sobre si. Parecem até gostar disso. Aboletadas em suas cadeiras, pratos e copos vazios sobre a mesa, não veem motivo para se levantar. Chegaram antes, não chegaram? Quem quisesse um lugar, que tivesse se apressado. E conversam, riem, se divertem após o almoço feliz – mesmo que grávidas, idosos ou crianças esperem. Se eu acreditasse em pragas, teria medo de ser uma dessas pessoas.
Por Deus! Onde é que você quer chegar com essas divagações, Jeferson?
Tudo se resume a prestação de serviços.
Acho que, se a rede social sabe tudo sobre mim, tem que prestar um serviço a mim focado. Se o restaurante se propõe oferecer a melhor comida de rua do mar a mim, tem que tornar toda a minha experiência prazerosa.
O marketing de serviços é, muitas vezes, (comum e erroneamente) confundido com “bom atendimento”. Só que atender bem é parte de um processo muito mais complexo.
Não basta abrir a porteira e deixar qualquer imbecil publicar suas idiotices porque não-se-deve-compactuar-com-a-censura-e-todos-têm-liberdade-de-expressão se a expressão incita ódio, violência ou desrespeito. Não adianta servir boa comida em um ambiente instagramável se as pessoas são abandonadas, com seus pratos, à própria sorte (e aos seus piores instintos).
Toda oferta de serviço que envolve comportamento humano torna o prestador corresponsável por esse comportamento.
Viriam, agora, as redes e o restaurante dizer: mas eu ofereço o serviço; você usa se quiser.
Sim. Posso não usar o serviço. Mas, se deixo de usá-lo, resolvo o meu problema. Um cliente a menos em milhões? Nem cócegas! E você continuará instigando o pior das (outras) pessoas.
Quando uso e reclamo (ou discuto, sugiro, proponho, exijo), contribuo para que o benefício se expanda. E que alguma ideia de cooperação floresça.
Trata-se, realmente, de responsabilidade.
Estrategista em Linguagem Corporal e Oratória de Marcas Pessoais | 12k de alunos - 21 países | Palestrante | Mentora | Campeã Prêmio CONRERP - Professora de Relações Publicas 2023 | Docente no Senac
1 aUma discussão muito necessária sobre corresponsabilidade! Adorei! 😍