Rir nem sempre é o melhor remédio
Conhece aquela do papagaio? E a da loira? Do gago? Do Fanho? Do Caipira? Do judeu? Do negro? Do careca? Do cabeludo? Do maconheiro? Do cheirador? Do bêbado? Do velho? Do Juquinha? Do hipster? Do GenZ? Do Boomer? Do garnizé? Do gordo? Do magrelo? Do cara que senta no fundo da sala? E a do cara que senta bem na frente? Da professora gostosa? Do professor ignorante? E a da ninfetinha? Da prostituta? Do gay? E a do gaúcho? Do mineiro? Do paraibano? Do baiano? Do português? Do cara que dirige mal? Da mulher que não sabe dirigir? Do Campinense? Do Pelotense? Do bem-dotado? Do pouco dotado? Do pé grande? Do pé pequeno? E a do sem braço? Do manco? Do homem-tronco? Do cadeirante? Do surdo? Do cego? Do louco? Do cara que usa ozempik? Do influenciador? De quem se vangloria de seus feitos no LinkeDisney? Da palestrante? Do marombeiro? Do viciado em anfetamina? Da sapatona? Do retardado? Do gênio? Da menina do cabelo ruim? Do cara de cabelo lambido? Do chorão? Do porco? Do corinthiano? Do colorado? Do são-paulino? Do palmeirense? Do carioca? Do cara com TOC? Do bronco? Do pessoal que acorda cedo para correr? Do pessoal que dorme demais? Do preguiçoso? De quem procrastina? Da viciada em trabalho? Dos estudantes daquela escola menos prestigiada? Dos estudantes daquela escola refinada? Dos cotistas? Do amigo da onça? Do sacana? Do ladrão? Do político? Do advogado? Do engenheiro? Do arquiteto? Do médico? Do barbeiro? Do jornalista? Do garçom? Do barista? Do pobre? Do miserável? Do rico? Do velho? Do cara que pinta o cabelo? Da loira falsa? Do índio? Do pele-vermelha? Do japonês, chinês, coreano? Do indiano? Do aborígene? Do africano? Do russo? Do francês? Da senhora que se queimou com o café do McDonalds? Do leproso? Do padre? Da freira? Do monge budista? Do muçulmano? Do macumbeiro? Do evangélico? Do católico? Da pessoa que tem marcas de suor embaixo dos braços? Da pessoa com as mãos úmidas? Da pessoa que cheira mal? De quem toma banho demais? De quem usa perfume demais? Do canceriano? Do virginiano? Do rato? Do sapo? Da cobra? Do zelador? Da faxineira? Do americano bonzinho? Do boliviano? Do argentino? Faltou alguém?
É impossível não refletir sobre o que isso diz sobre a humanidade, sobre o ser humano. E sobre o que era aceitável moralmente não muito tempo atrás. Todos estes temas acima estavam em piadas que se escutava e se propagava, eu sei – e algumas seguem rolando por aí. Mas à medida que fomos crescendo e conhecendo pessoas destas “minorias”, sim minorias, pois são eles e não nós, um processo de humanização vai ocorrendo. E quando estes adjetivos cômicos se encaixam em pessoas que conhecemos, a graça vai diminuindo. Mas a mudança precisava acontecer mais rápido. Daí surgiram os documentários, os cursos, os livros, os estudos e dinâmicas, nos ajudando a refletir, a enxergar, a desenvolver a empatia, a ser menos broncos. A evoluir.
Lembro da palestra de um antropólogo (mas não do nome dele, que feio) que questionava a visão romântica de que a infância é pura. Qualquer um que tenha escutado as barbaridades vindas da boca de uma criança para outra como implicância ou ofensa sabe do que ele estava falando. Como jovens precisamos ser treinados, socializados, a assim vamos aprendendo a viver em comunidade. Feito gato que precisa conviver com o carinho humano para ser menos arisco. Aprender a conviver com pessoas diferentes pode seguir pelo mesmo caminho. Humanizar, respeitar, aceitar, admirar. Para ajudar, leis, multas, cobranças públicas. E o cancelamento? Resolve?
Sei que a pauta de diversidade, equidade e inclusão parece ter saído da moda, quase que uma reação física à intensidade aplicada. Empresas pegando mais leve, desmobilizando estruturas e orçamentos. Algumas pesquisas de consultorias fundamentam essa percepção de que nos RHs outras prioridades passaram à frente. Hmm. A física ensina que toda força aplicada resulta em reação. Assim como sabemos que o poder não é dado, é conquistado.
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Chega de PC, o politicamente correto é um câncer. Hmm. “Ah, o mundo é tão chato hoje”. Não dá nem para fazer uma piadinha. Bons os tempos em que se podia fazer uma piada sobre um cadeirante, não é? Não. Não dá mesmo. E ainda bem. Não é porque fazíamos estas coisas no passado que era bacana. Basta você se enquadrar em uma das infames categorias acima para sentir na pele. E aprender. Ampliar sua consciência. Evoluir.
Pode ser importante rir de si mesmo, eu sei. Mas e se isso é só uma manifestação da pele grossa que desenvolvemos como estratégia de sobrevivência? Melhor fazermos a auto piada antes que alguém faça, não é? Não, não é. Rárárá? Não consigo deixar de pensar na expressão em inglês, the joke is on us. A piada somos nós?
Na empresa que trabalhei por muitos anos tive a valiosa oportunidade de atuar como facilitador de dinâmicas do Diversidade, Equidade e Inclusão. O discurso racional e não confrontador, cheio de exemplos que nos fazem refletir e ponderar sempre foi bem recebido. Foram centenas de colegas. Mas no final eu chamava a atenção de todos sobre a verdadeira dificuldade que surgiria quando um amigo, um parente, um chefe que admiramos praticasse o racismo, o preconceito, fosse abusivo. E que isso exigiria de nós um posicionamento, o oposto do silêncio que perpetua e fortalece. Não é fácil. Mas é imprescindível. Torço sempre para que se consiga fazer isso com assertividade e candura, sempre que possível. Não dá para silenciar.
Caro Luis, como sempre profundas percepções do mundo que nos rodeia. Realmente vivemos por décadas com estas manifestações infames onde alguém próximo, ou a metros de distância, podia de uma hora para outra virar a fonte de um prazer distorcido onde a graca so era vista por algumas mentes “brilhantes”. E o incrível era que isto soava tão natural. Concordo contigo que este tema ainda esta muito presente e nao podemos nos calar. Parabéns pela abordagem.