Saiba como o DNA de sua empresa pode interferir no desenvolvimento do seu negócio
maio 18, 2024
Elemento fundamental para a formação e desenvolvimento civilizatório, a ética também tem papel essencial no campo empresarial. Com seu caráter norteador do “certo e errado”, a ética funciona como uma bússola social daquilo que é aceitável, justo e honesto, sendo, inclusive, elemento definidor de leis.
Antes de aprofundar sobre a ética nas organizações, é preciso conceituá-la e diferenciá-la de outros dois elementos também fundamentais, mas diferentes: a moral e o direito.
Conceitos
Como supramencionado, a ética se refere ao estudo dos princípios que orientam o comportamento humano em termos do que é certo e errado. No contexto empresarial, a ética envolve a aplicação desses princípios para garantir que as práticas da empresa sejam justas, transparentes e respeitem todas as partes interessadas. A ética organizacional pode abranger temas como responsabilidade social corporativa, sustentabilidade, transparência e governança corporativa.
Por sua vez, a moral atua no campo dos valores, normas e crenças que guiam o comportamento, seja no espectro individual ou coletivo. No campo empresarial, a moral pode influenciar decisões de empregados e líderes, pode transformar a cultura de uma organização e guiá-la a novos caminhos. A moral tem caráter subjetivo, mas geralmente associada à ética.
Já o Direito pode ser entendido como a materialização da ética em forma de leis. Mas de maneira mais abrangente, é o conjunto de normas e regulamentos estabelecidos por uma sociedade ou governo para ordenar o comportamento das pessoas e organizações. No contexto empresarial, o direito abrange leis que regulam desde a constituição e funcionamento de empresas até normas trabalhistas, ambientais e de proteção ao consumidor. O cumprimento das leis é essencial para a legitimidade e operação contínua de qualquer negócio.
Vale destacar que todos os três conceitos acima estão umbilicalmente relacionados à cultura de uma sociedade, mas têm influência direta e indireta de valores, normas e regulamentações internacionais, a exemplo da Organização Mundial do Comércio e seus tratados (OMC)
Aplicações no setor empresarial
Para além das conceituações, a ética, a moral e, sobretudo, o direito, tem aplicações nas empresas, instituições e corporações.
Quanto à ética, destaco aqui sua importância para a criação de códigos de conduta que definem comportamentos aceitáveis; a Implementação de programas de conformidade e ética para orientar os empregados; e o desenvolvimento de práticas de responsabilidade social corporativa voltadas à comunidade e ao meio ambiente.
A moral tem aplicações na cultura organizacional que reflete os valores morais dos fundadores e líderes da empresa, assim como na sua visão e valores. Também tem espaço na tomada de decisões que levam em conta a legalidade e a própria moralidade das ações. Pode ainda ter papel importante para o estabelecimento de um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso (pode, mas sabemos que nem sempre é assim).
Por fim, a aplicação do Direito no setor empresarial é universal e objetiva, pois não há escolha legal fora dele. Sua aplicação está nas leis trabalhistas, tributárias, ambientais e de concorrência; na implementação de políticas de proteção de dados e privacidade; nas práticas que evitam corrupção e outras atividades ilícitas; na proteção do consumidor, da saúde coletiva e mesmo na publicidade.
Cultura organizacional: definição, composição e aplicação
É possível dizer que a ética é a base para a cultura organizacional. Esta, entretanto, carrega em si um conjunto de elementos mais objetivos, mas que sempre estão sob o guarda-chuva ético.
Mais do que a “cara” da empresa, a cultura organizacional pode ser entendida como sua personalidade (seu DNA). Ela pode ser definida como o conjunto de valores, crenças, normas e práticas que caracterizam uma empresa e influenciam o comportamento de seus integrantes. A cultura organizacional traça a forma como as pessoas interagem e realizam suas tarefas, tendo efeitos na motivação, engajamento e produtividade. Interações, atitudes, aspirações e assuntos moldam uma cultura organizacional.
Do que é composta
A tríade missão, visão e valores é o que simboliza mais claramente uma cultura organizacional. Entretanto, em um plano mais palpável, há crenças, símbolos, normas e cerimônias que ajudam a visualizar e vivenciar melhor essa cultura. Partindo sempre de um plano mais abstrato para um mais concreto, pode-se dizer que crenças são percepções sobre o que é importante na organização, como a crença na importância da inovação ou no atendimento diferenciado ao cliente.
Os símbolos são parte essencial na linguagem corporativa, assim como na sociedade em geral. Eles carregam representações que ultrapassam o significado de palavras, levando consigo os valores, a visão e a “personalidade” da empresa. O destaque está no logotipo (com alguns icônicos, como Apple, Coca-Cola, Mercedes-Benz, entre outros), mas há ainda slogans, layouts, elementos visuais que compõem a simbologia de uma empresa.
Já as normas são regras informais que governam o comportamento dos integrantes da empresa. Com caráter mais objetivo, elas versam sobre aparência (uniformes, crachás etc.), comunicação (tratamento verbal, formalização da comunicação por e-mails, brindes, reuniões de integração etc.) e outros aspectos do tipo.
Rituais e cerimônias, por sua vez, são atividades que, sejam como caráter principal ou secundário, reforçam a cultura da empresa, como confraternizações, eventos de integração e reuniões regulares. Aqui, há que incluir outras de caráter mais informal e comportamental que fogem ao aspecto essencialmente corporativo, como o momento de oração, de motivação, comemoração de aniversariantes do mês, destaque para os melhores funcionários do mês etc.
Sua aplicação
Aplicar os conceitos, valores e símbolos de uma cultura organizacional requer um trabalho de comunicação consistente com todos seus integrantes, e porque não dizer, stakeholders. Reuniões, treinamentos e materiais de comunicação interna são exemplos de sua aplicação.
Neste sentido, os líderes têm papel importante ao exemplificar e reforçar, sobretudo por meio de suas ações, os comportamentos desejados. O exemplo é a melhor forma de demonstrar engajamento e é sempre uma inspiração a quem vê.
O recrutamento e contratação de pessoas deve avaliar as habilidades técnicas e também a compatibilidade cultural dos valores pessoais em relação aos valores organizacionais. Os componentes da cultura organizacional devem estar sempre presentes nos programas de treinamento e desenvolvimento para novos funcionários e veteranos.
A cultura organizacional é uma vertente que precisa estar sob constante monitoramento, avaliação e retroalimentação. Feedbacks dos empregados ajudam a entender mudanças que possam ocorrer e promover ajustes para manter a cultura relevante e eficaz.
A cultura organizacional no Brasil enfrenta diversos desafios que podem impactar negativamente a eficiência, a inovação e o clima organizacional das empresas. A seguir, apresento alguns dos principais problemas e suas implicações:
Problemas e desafios da Cultura Organizacional no Brasil
A psicologia comportamental e os estudos no campo do trabalho têm feito com que organizações e empresas evoluam suas culturas internas, mas ainda há problemas a serem encarados em grande parte das empresas no Brasil, no que tange suas formas de organização cultural.
O clima organizacional tóxico pode ser considerado o pior fator de uma cultura organizacional e está presente em boa parte das empresas no Brasil. Ambientes de trabalho tóxicos, onde prevalece a competição interna desleal, falta de reconhecimento e práticas de gestão autocráticas implicam em alta rotatividade de empregados, baixa produtividade, adoecimento em função do trabalho e até processos judiciais, além de gerar uma reputação negativa frente a possíveis novos funcionários e aqueles que pela empresa já passaram.
A hierarquia rígida ainda é um fator muito presente, em que as tomadas de decisão são centralizadas, a comunicação é vertical em uma via (de cima para baixo) e há pouca abertura para diálogo. Isso pode levar a uma falta de agilidade na resposta a mudanças do mercado, desmotivação dos empregados e uma sensação de alienação entre os níveis hierárquicos inferiores.
A resistência às mudanças faz com que empregados e líderes tenham dificuldades para adotar novas tecnologias, processos ou formas de trabalho. Isso pode resultar em atraso na inovação, perda de competitividade e dificuldade em se adaptar às demandas do mercado.
Problemas de comunicação, como falta de transparência, comunicação unilateral (de cima para baixo) e ausência de feedback eficaz, geram mal-entendidos, redução da eficiência operacional e baixa moral entre os empregados.
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Muitas organizações pecam pela falta de incentivo à inovação em suas culturas, levando à estagnação e desmotivação de seus colaboradores.
Como mudar isso?
Para enfrentar esses desafios, há estratégias a serem adotadas.
Primeiro, é imprescindível criar um ambiente de trabalho positivo, promovendo práticas de gestão que valorizem o reconhecimento, a colaboração e o bem-estar dos empregados para melhorar o clima organizacional.
Há também estratégias como incentivar a descentralização da tomada de decisões e a adotar estruturas mais horizontais; fomentar programas de incentivo à inovação e ao empreendedorismo interno, com suporte para novas ideias; estabelecer canais de comunicação eficazes, promover a transparência e incentivar o feedback de mão dupla entre todos os níveis hierárquicos.
Os modelos
Como vimos na aula referente a este tema e no material entregue, há seis tipos de mudança organizacional, algo que me chamou a atenção e atraiu bastante meu interesse. Conforme exposto (e aqui bem resumido), há a mudança voluntária (em que a empresa decide que é hora de mudar por vontade própria); a involuntária (em que fatores diversos implicam na mudança da cultura de uma empresa); a transformacional (em que não se acrescenta nada novo, apenas transforma aquilo que já existe); a incremental (quando se decide acrescentar algo à cultura atual); a evolucionária (em que se traça um objetivo para alcançar mudanças na empresa); e a revolucionária (transformação radical que traz mudanças na raiz da cultura e que irradiam para a empresa como um todo).
O papel dos conselheiros
Os conselheiros têm papel crucial na mudança da cultura organizacional das empresas. Com capacidade de influenciar a direção estratégica e os valores centrais da organização, os conselheiros são agentes fundamentais na promoção e implementação de mudanças culturais, pois ajudam a definir e comunicar uma visão clara e inspiradora para o futuro da empresa. Eles devem articular como a mudança cultural se alinha com os objetivos estratégicos da organização.
O conselho de administração é responsável por definir os valores fundamentais da empresa (vimos isso de forma mais aprofundada no artigo sobre fundamentos da governança corporativa). Assim, os conselheiros devem exemplificar os valores e comportamentos desejados. Destaque aqui para a liderança pelo exemplo.
Os conselheiros, atuando como exemplos a serem seguidos, precisam incorporar, de forma autêntica, a cultura da empresa em suas ações. Isso inclui estar presente em iniciativas culturais e promover a importância da cultura em todas as decisões estratégicas.
Esses profissionais também têm a responsabilidade de aprovar políticas e procedimentos que suportem a mudança cultural, como códigos de ética, políticas de diversidade e inclusão, e programas de desenvolvimento de liderança.
Dentro do aspecto de descentralização hierárquica e democratização da tomada de decisões, os conselheiros devem incentivar a criação de comitês e estruturas de governança que focam na cultura organizacional, sejam comitês de ética ou comitês de cultura, pois ajudam a monitorar e reforçar a mudança.
Devem ainda definir métricas claras para medir o progresso da mudança cultural. Indicadores-chave de desempenho (KPIs) relacionados à cultura devem ser estabelecidos e monitorados regularmente, além de realizar avaliações do clima organizacional e da aderência aos valores culturais é crucial (pesquisas de clima, feedback de empregados etc.).
Natura: um exemplo de sucesso
O caso da Natura é um dos exemplos mais notáveis no Brasil no que tange ao desenvolvimento e aplicação de uma cultura organizacional. Deixando de lado suas virtudes na produção de cosméticos e produtos de beleza, nosso foco aqui é pontuar aquilo que faz a Natura ser reconhecida por sua forte cultura organizacional centrada em valores de sustentabilidade, responsabilidade social e bem-estar.
A Natura é pioneira na incorporação de práticas sustentáveis em sua operação, desde o uso de ingredientes naturais até a redução do impacto ambiental. Com este ativo, soube trabalhar sua imagem frente à sociedade, capitalizando a aceitação e reconhecimento do consumidor em relação à filosofia de bem-estar que a empresa carrega consigo.
A empresa incentiva a inovação constante, seja nos produtos, seja nos processos. A Natura se tornou conhecida por seu compromisso com a responsabilidade social, investindo em projetos comunitários e promovendo o desenvolvimento sustentável das regiões onde opera.
Seu modelo de vendas diretas é outra marca forte da cultura da Natura, ao valorizar o contato pessoal e a criação de uma rede de consultoras. Essas consultoras recebem apoio, incentivo e treinamento por meio de encontros, eventos de motivação e alinhamento com os valores da empresa. Também soube como reconhecer e destacar as consultoras e empregados que personificam os valores da empresa.
Voltando à questão simbólica abordada no início deste artigo, a Natura tem forte apelo à sustentabilidade, e isso se reforça por meio da utilização de materiais recicláveis e a comunicação clara sobre os benefícios ambientais dos produtos reforçam os seus valores. Na publicidade, a Natura se volta para temas como bem-estar, naturalidade e sustentabilidade, sempre alinhados aos valores centrais da empresa.
Ultrapassando fronteiras
A cultura organizacional da Natura irradiou e a empresa desenvolveu uma cadeia de fornecimento sustentável, utilizando ingredientes naturais e promovendo práticas agrícolas sustentáveis. A empresa é uma das pioneiras na utilização de refis para seus produtos, reduzindo significativamente o uso de plástico.
A Natura criou um senso de pertencimento e alinhamento cultural com suas mais de 1,7 milhão de consultoras, treinadas e capacitadas também para promover os valores da empresa.
Ela investe continuamente em pesquisa e desenvolvimento para criar produtos inovadores que respeitem o meio ambiente e promovam o bem-estar. Em 2014, a empresa tornou-se a primeira companhia de capital aberto a receber a certificação B Corp, que atesta elevados padrões de desempenho social e ambiental, responsabilidade e transparência. Em 2020, anunciou uma meta ambiciosa de atingir emissões líquidas zero de carbono até 2030.
Bibliografia
COELHO, Fábio Ulhoa. "Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa." 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
ALMEIDA, José Elias Feres. "Governança Corporativa e Ética Empresarial". São Paulo: Atlas, 2012.
CARVALHO, Ana Paula Paes. "Compliance: Aspectos Relevantes e as Normas Anticorrupção no Brasil." São Paulo: Saraiva, 2015.
PASSOS, P; LEAL, G; SEABRA, L. “Natura: Histórias e Visões de Uma Empresa Que Fez História". São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.
SEIXAS, Sonia Regina da Cal. “Cultura Organizacional e Cultura Brasileira." São Paulo: Atlas, 2011.
Artigo: Ética, Cultura e Propósito das empresas - Parte do PFCC - Programa de Formação e Certificação de Conselheiros da Board Academy Br