Saudável por sorte ou por opção?
Estes têm sido dias de intenso estudo e pesquisa direcionada para a promoção da saúde e bem-estar no local de trabalho. Tenho encontrado artigos muito interessantes e um particularmente acutilante. É um artigo de 2008 que estudou os estilos de vida da população dos EUA tendo por base a premissa de que os nossos estilos de vida, os nossos hábitos, provêm das nossas decisões pessoais. Assim sendo, o estudo pretendeu quantificar as mortes que podem ser atribuídas a essas decisões pessoais.
A questão não é nova, apenas foi aqui colocada de uma forma crua e direta. Sim, a responsabilidade individual sobre a nossa saúde é um facto. Os determinantes da saúde, que são os fatores que condicionam positiva ou negativamente a saúde das pessoas, incluem causas que dependem do próprio e outras que não dependem, tais como genéticas ou ambientais. Estes determinantes da saúde podem ser divididos da seguinte forma:
- Biológicos (ex: idade, sexo, genética)
- Sociais e económicos (ex: emprego, posição socioeconómica, rede social de apoio)
- Ambientais (ex: qualidade do ar, qualidade da água)
- Estilos de vida/comportamentais (ex: alimentação, atividade física, tabagismo, álcool)
- Acesso aos serviços (ex: educação, saúde, serviços sociais)
Na equação da saúde-doença, os estilos de vida têm um papel importantíssimo. É também esta a conclusão de um estudo recente, muito comentado, publicado na revista The Lancet, que sugere que a alimentação equilibrada poderá prevenir 1 em 5 mortes.
De acordo com o Global Burden of Disease, em 2016, em Portugal, poderiam ter sido evitados 41% do total de anos de vida saudável perdidos por morte prematura (aquela que acontece antes dos 70 anos) se fossem eliminados os principais fatores de risco modificáveis. O mesmo relatório do ano de 2015 determinou que as 4 principais causas de anos de vida saudável perdidos são:
- Hábitos alimentares inadequados (15,8%)
- Hipertensão arterial (13,0%)
- Fumo de tabaco (12,2%)
- Índice de massa corporal elevado (11,5%)
As doenças cardiovasculares são, de alguns anos a esta parte, a principal causa de morte em Portugal e os quatro fatores referidos acima estão no topo dos fatores de risco para as doenças cardiovasculares. É importante sublinhar que estes são modificáveis com melhores estilos de vida.
Ainda por estes dias falava com uma enfermeira de um serviço de cardiologia que me contava sobre um doente que entrou de manhã no hospital com um enfarte, fez cateterismo e na tarde do mesmo dia perguntou quando é que podia comer leitão. Isto não revela apenas falta de responsabilidade, mas também falta de informação, falta de literacia em saúde.
Falta muita intervenção ao nível da promoção de saúde. O que está a ser feito é importante, mas não é suficiente. O Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física são exemplos que devemos aplaudir e multiplicar. Precisamos dar mais ferramentas e conhecimento às pessoas para que tomem melhores decisões. Há que construir uma cultura de saúde! Com uma sociedade de pessoas saudáveis, cheias de energia, otimistas e equilibradas certamente ganharemos todos: as pessoas, as famílias, as empresas e o país.
A educação para a saúde é necessária em todas as idades e todas as faixas sociais. A título de exemplo, os eventos cardiovasculares em pessoas na casa dos 30 anos estão a aumentar. Muitas dessas pessoas têm excesso de peso ou fumam. Outras têm altos cargos de gestão, elevada pressão no trabalho e estilos de vida acelerados. O burnout dos millennials tem sido alvo de estudos recentes e o trabalho tem sido indicado como a sua principal causa. Qual o contributo (e responsabilidade) das empresas a este nível?
Organizações como a OMS (Organização Mundial de Saúde), NICE (The National Institute for Health and Care Excellence, UK) ou CDC (Center for Disease Control, USA) têm orientações publicadas para a implementação de programas da promoção de saúde e bem-estar no local de trabalho. Estes programas não são feitos apenas de responsabilidades para as empresas, mas também de benefícios.
Diversos estudos demonstram que estas iniciativas aumentam a produtividade, melhoram a captação de talento, contribuem para a diminuição do turnover e aumentam a dedicação ao trabalho. Algumas empresas que já têm programas de promoção da saúde e bem-estar em vigor vão mais longe e entendem estas intervenções como uma responsabilidade social, como uma forma de liderar pelo exemplo, de mostrar aos seus colaboradores que a empresa se preocupa com o seu bem-estar.
Para além disso, crescem as evidências que apoiam a necessidade de intervir nas empresas ao nível da promoção da saúde mental. Há uma semana foi conhecido o Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (2019), que revela que o consumo de antidepressivos continua a aumentar e que Portugal é o terceiro país da OCDE onde o consumo de psicofármacos é mais elevado. É tempo de tirar a saúde mental do armário e olhar para ela sem preconceitos, pois este é um tema que veio para ficar. Na União Europeia, os transtornos mentais representam um custo de 450 mil milhões de euros por ano, onde estão incluídos os custos médicos e de perda de produtividade.
O nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) está no limite das suas capacidades humanas. Deixo aqui a minha homenagem aos profissionais de saúde, heróis, que todos os dias cuidam de nós, recebendo eles próprios pouco cuidado. Precisamos de mais profissionais de saúde e de menos doentes. Mas não estamos pior do que estávamos há 40 anos, altura em que foi instituído o SNS. Em muitos aspetos estamos melhor, e em muitos aspetos poderíamos estar muito melhor. A promoção da saúde é um desses aspetos, para o qual é necessária visão e vontade política. Para este movimento acontecer é também precisa a ação das empresas e dos cidadãos.
Voltando ao artigo que motivou esta reflexão. Fumar, comer mal, não fazer exercício, consumir drogas, ingerir álcool em excesso, ou mesmo não usar preservativo, são decisões pessoais. No entanto, só poderemos considerar que há uma decisão quando se conhece uma alternativa e se conhecem os benefícios dessa alternativa ou dos malefícios do corrente comportamento. Algumas decisões pessoais não foram consideradas neste estudo, como a viagem num avião de cai ou a morte por engasgamento, entre outras. Em suma, este estudo conclui que 44,5% de todas as mortes ocorridas no ano de 2000 nos EUA podem ser atribuídas a decisões pessoais. Dá que pensar, especialmente porque não se trata apenas de carga de doença, mas do número de mortes.
Acredito que o caminho inverso tem de ter o inevitável contributo da promoção da saúde, que permitirá a tomada de melhores decisões individuais, começando em tenra idade, cruzando todos os setores da sociedade e com a ajuda de todos. Uma mudança cultural que se fará gradualmente e que nos levará a uma vida melhor.
© Patrícia Rodrigues - Fundadora Work-Life Balance
Fontes adicionais: WHO; CDC; NICE; A Saúde dos Portugueses 2016, DGS; Ministério da Saúde (2018), Retrato da Saúde, Portugal; Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (2019).
Artigo inicialmente publicado em www.wlbalance.pt