A saudável remuneração por valor
Durante mais de um século, o modelo de remuneração por serviço (fee for service) reinou absoluto. Ele começou a ser repensado com a constatação de que os crescentes custos da saúde estavam levando todo o sistema à beira do precipício. Iniciaram-se então movimentos que estão mexendo com as peças desse tabuleiro e colocando em xeque-mate um modelo que não é apenas insustentável. É perverso. Na prática, ele remunera a doença e não a saúde, estimula o desperdício e, paralelamente, desestimula os investimentos em qualidade e segurança do paciente. Afinal, quanto mais doenças, complicações e readmissões hospitalares, mais procedimentos, exames e recursos utilizados, inflando o caixa do prestador do serviço.
Estudos recentes mostraram outro fato surpreendente: que o principal peso sobre a variação dos custos médicos hospitalares não está na inflação propriamente dita dos insumos, tecnologia e honorários e, sim, na frequência de utilização, quer por iniciativa do provedor, quer por iniciativa do paciente. Isso resulta de diversos fatores e um deles é fee for service, o modelo do ‘quanto mais uso, melhor’. Mas há outros, como o mecanismo de regulação que limita o compartilhamento desse custo com os pacientes. Dentre as pessoas que têm convênio, mais de 80% os têm como um benefício pago pela companhia onde trabalham. No fim da linha, quem banca a conta é quem fornece o benefício. Além disso, de forma geral, faltam sistemas de prevenção e uma gestão bem-feita, com ferramentas de TI que permitam gerar dados e ter uma coordenação do cuidado em todas as fases. Sem isso, a assistência fica fragmentada, alimentando o aumento da frequência e o uso de recursos desnecessários.
Mudar é preciso
Hoje há certo consenso de que é preciso mudar o eixo e remunerar aquilo que promove a saúde e, quando existir a doença, remunerar o que agrega valor ao tratamento. É a chamada remuneração baseada em valor. Trata-se de uma nova configuração do tabuleiro, em que as peças importantes são o uso adequado dos recursos sem desperdícios, as práticas e os protocolos baseados em evidências científicas e as ações para avançar continuamente em qualidade, segurança e experiência do paciente. São fatores que convergem para gerar desfechos mais favoráveis e fazem a diferença no valor final do tratamento.
O tema é tão relevante que será um dos assuntos centrais do 5º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança da Saúde, evento que o Einstein promove em parceria com o Institute for Healthcare Improvement (IHI) e que ocorrerá entre os dias 13 e 16 de outubro próximo.
Mas, afinal, o que é valor em saúde?
É o resultado de uma equação que considera o Desfecho (fator diretamente associado à qualidade e segurança) dividido por Custo. Quanto melhor o desfecho e menor o custo, maior o valor gerado.
Colocada dessa forma, a equação parece simples; aplicá-la na prática, buscando extrair o maior valor, é bem mais complexo. O Einstein tem avançado bastante nessa direção e conta, inclusive, com um Escritório de Gestão de Valor (Value Management Office – VMO), o primeiro do gênero na América Latina.
Um dos desafios para fazer essa conta é saber qual é o melhor desfecho. No Einstein, criamos uma Célula de Desfechos e definimos parâmetros para medir os nossos desfechos na perspectiva dos pacientes. Depois da alta, fazemos ligações periódicas para o paciente, que responde a questionários sobre o resultado clínico do tratamento que recebeu e sobre sua experiência em nossa Instituição. São os chamados PROMs (Patient Related Outcome Measures) e PREMs (Pacient Related Experience Measures). Além disso, participamos como membro do ICHOM (International Consortium for Health Outcomes Measurement), uma organização criada pela Harvard Business School, Karolinska Institutet e The Boston Consult Group que propõe um modelo de coleta de indicadores de desfecho padronizados para condições diversas, permitindo às instituições participantes a realização de benchmarking nacional e internacional.
Em relação ao denominador custo, diversos aspectos devem ser considerados, entre eles mecanismos para evitar desperdícios e para limitar a variabilidade na execução dos procedimentos, assegurando uma conduta mais homogênea, com protocolos preestabelecidos baseados em evidências, que permitam melhorar cada vez mais.
Diversos modelos
Existem vários modelos de remuneração baseada em valor. No Capitation, os prestadores recebem um valor mensal fixo por pessoa coberta, que remunera todos os serviços de saúde ao longo de determinado período, sendo que o valor pode ser ajustado conforme necessidades específicas. No Global Payment, é estabelecido um valor anual fechado para o hospital atender uma determinada população ao longo de um período predefinido.
No Einstein, escolhemos trabalhar com o Value Based Health Care (VBHC), modelo proposto por Michel Porter em seu livro “Redefinindo a Saúde” e também defendido por Robert Kaplan. No início deste ano, aliás, tive o privilégio de participar de um curso com eles em Harvard sobre o tema. Nesse modelo, o prestador recebe um valor acordado com a fonte pagadora pelos serviços prestados ao paciente ao longo de todo o ciclo de cuidado de uma condição específica. Ou seja, o prestador tem de ter altos níveis de qualidade, segurança e eficiência. Se houver complicações, reinternações ou uso de recursos desnecessários, fica no prejuízo.
Temos cases muito interessantes com o modelo de VBHC. Um deles está relacionado com o tratamento da endometriose. A companhia com a qual estabelecemos o contrato tinha observado grande desperdício de recursos com o tratamento inadequado de suas colaboradoras, dada a complexidade e envolvimento de diferentes especialistas. Nós modelamos uma estrutura de atendimento em que os especialistas do Einstein em endometriose, baseados em protocolos, avaliam quais as necessidades para o diagnóstico e tratamento de cada paciente, direcionando o atendimento. Tudo isso está precificado em um pacote (bundle). O valor é fixo, independentemente dos serviços que serão necessários em cada caso. O que possibilitou a criação desse pacote e a precificação foi a análise do big data gerado pelo nosso prontuário eletrônico, que permitiu entender a prática assistencial realizada no Einstein.
Outra iniciativa que vale destacar foi implantada no nosso Pronto Atendimento. No lugar da conta aberta, que vai adicionando valores conforme os serviços utilizados, estabelecemos um modelo com três níveis de serviço e valor fixo para cada um deles. Quando o paciente chega, é classificado em um dos três grupos: o de menor complexidade e pouco uso de recursos, como um raio X ou uma inalação; o que tem complexidade um pouco maior e vai exigir exames um pouco mais sofisticados, avaliação de um especialista e, eventualmente, precisará de internação; e o grupo que envolve realmente os casos de emergência. Isso significa previsibilidade para a operadora, além de tornar desnecessária a auditoria de contas.
Coordenação do cuidado
Também temos implantado serviços de gestão de saúde corporativa, uma atividade que começamos dentro de casa com o Projeto Cuidar, voltado aos nossos colaboradores. Ele tem muito a ver com aquilo a que me referi no início ao destacar a importância de dispor de sistemas de prevenção e uma gestão que assegure a coordenação do cuidado em todas as fases.
Estabelecemos um trio de cuidado, composto por médico, enfermeiro e navegador, que cuida de aproximadamente 1.500 vidas, abrangendo desde promoção da saúde e prevenção de doenças até tratamento e reabilitação. Em síntese, o trio se encarrega de colocar o paciente certo na porta correta. Se não é uma emergência, ele é direcionado para o médico da saúde da família e não ao pronto atendimento. Se há outras necessidades de tratamento, o serviço será prestado por médicos que realizam os procedimentos baseados em protocolos preestabelecidos – os mesmos que consideramos ao desenhar os nossos bundles.
Nós temos levado esse modelo de atendimento para empresas e operadoras e o temos replicado na rede de Clínicas Einstein, nossas unidades focadas em atenção primária e gestão da saúde populacional (já são três e outras duas serão inauguradas em breve).
Cada vez mais players do mercado de saúde buscam estratégias associadas a modelos de remuneração baseados em valor. Quem dá o primeiro passo corre mais risco de ter sua remuneração prejudicada, porque os demais continuam jogando o jogo do fee for service –remunerando a doença e o superuso de recursos.
No entanto, é preciso estar atento: modelos que se revelam perversos estão deixando doente o sistema de saúde. Também aqui, o melhor é trilhar os caminhos que promovem a saúde, no caso, a saúde do sistema. E para isso é fundamental que todos – hospitais, médicos, indústria e operadoras – entrem em campo juntos para o novo jogo.
Specialist in managing premium customer services and Vip Lounges. Specialist in new projects, events,tourism and aviation. Specialist in natural skin care and Cosmetology.
5 aTalvez o parâmetro poderá mudar muito se o tópico principal fosse: " ganha mais quem cuida, e cura mais" quanto mais pacientes curados e felizes maiores seriam os bonus e benefícios de todo o sistema ligado a saúde.
Gerente Comercial e de Pós Vendas | Líder do Grupo de Diálogo Corporativo - Nós Por Elas
5 aExcelente matéria!!!
Diretora de Saúde Integral Ambev
5 aEsse é o caminho ! Vamos juntos !