Skatar no Lodo
Publicado na Lodo Zine #0 — Dezembro 2021
Com mais de trinta anos de história nas ruas do Algarve, o skate persiste e insiste em sobreviver numa região que nunca foi acolhedora para com a prática e estilo de vida. Ou seja, no Algarve, o skate sempre esteve no Lodo!
Não existe melhor e mais apropriada metáfora para encapsular a persistência necessária para começar, e continuar, uma prática (há quem lhe chame de desporto) que essencialmente se apresenta como uma proverbial caminhada no lodo, que aumenta em dificuldade a cada passo dado.
Apesar de todo o progresso, especialmente na última década, o Algarve continua a enfrentar dificuldades socio-estruturais muito especificas. A falta de qualquer tipo de rede de transportes públicos (funcional e acessível) a nível regional castra completamente a possibilidade de criar comunidades coesas, fortes e unidas. No panorama atual, exceto em casos de particular esforço financeiro ou logístico, o isolamento de praticantes e a ostracização de comunidades inteiras é uma ameaça real ao desenvolvimento da prática na região.
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Por outro lado, nenhum dos agentes daquilo que se poderia chamar de ‘industria do skate portuguesa’ se encontra proporcionalmente representada no Algarve, algo que se reflete não apenas nos apoios a skaters, mas também a eventos e projetos.
A mentalidade mais conservadora (talvez por falta de contacto com realidades menos localistas), tanto por parte das autoridades como das populações gerais, resulta numa aversão quase irracional a práticas urbanas comuns em qualquer capital europeia, o skate inclusive.
Finalmente, a falta de infraestruturas apropriadas estanca qualquer tipo de progressão comparável com as regiões Centro e Norte do país. Dos catorze skateparks Algarvios registados na base de dados ‘Trucks and Fins’, apenas um satisfaz os critérios (infraestrutura adequada, atual, e em bom estado de conservação) necessários à iniciação segura à prática do skate, assim como apoiar o crescimento saudável de comunidades locais.
Por estas razões, e tantas outras, o skate no Algarve, mesmo passados mais de trinta anos de história, continua no Lodo. E como skaters partilhamos todos essa herança, daqueles que coletivamente se recusaram a parar, os que passaram a tocha, os que mantiveram a cultura viva através da arte, da atitude na vida, dos seus trabalhos, das suas vidas. Ser skater no Algarve é saber que a cada quatro passos, três vão ser para trás, e mesmo assim continuar.