Smart City x ESG na visão de um urbanista

Smart City x ESG na visão de um urbanista

Lorë Kotínski -  Qual é, afinal, o conceito de Smart City?

Gustavo Carneiro - A gente está aí com a população urbana que superou a 50%. Daqui a pouco, em 2050, tende a chegar a 70%. Então, a cidade, antes de tudo, é um caminho para a solução. Virou problema, mas surgiu como um caminho para a solução. Então, smart city é um termo que surgiu ali entre a década de 90 e os anos 2000, com o advento e a evolução das tecnologias de comunicação. E esse termo de cidade inteligente faz sentido dentro de uma utilização de tecnologias digitais e disruptivas para alinhar o progresso social e ambiental com o desenvolvimento econômico, que tem tudo a ver com essa pauta ESG. 


LK - É diretamente ESG então….

GC - Eu gosto de falar que a cidade é inteligente desde a sua concepção inicial e medieval, porque ela é uma forma de você organizar um conjunto de pessoas diversas dentro de uma complexidade de questões e fazer funcionar. Então, a cidade, para mim, a partir da concepção inicial dela, já é o organismo inteligente, que tende a ficar mais inteligente com a utilização de tecnologias digitais e de comunicação.

 

LK - Quando a gente fala de cidades inteligentes você também se preocupa com questões que a gente nem imaginava, a questão de governança, por exemplo, ou a questão de participação da população nas decisões de economia circular. Isso, de fato, é aplicado nesse conceito de smart city ou as pessoas ficam só realmente no conceito original?

GC - É muito interessante o apanhado que você faz, porque a gente tende a direcionar a cidade inteligente com a aplicação direta de tecnologia. E, de fato, tem alguns componentes que eu considero essenciais e principais que têm a ver com o que você citou. A questão de ter essa governança, que pode ser facilitada pelo uso de aplicativos diversos. 

A gente tem uma população hiperconectada. O Brasil é um dos países que mais tem pessoas conectadas e que ficam mais tempo conectados. Então, uma forma de a gente gerar essa participação cidadã, dado que o foco da cidade é não só a cidade inteligente, mas a cidade como um todo, é a melhoria da quantidade de vida da população. Então, concordo contigo. Faz sentido esse entendimento sobre o uso de tecnologias digitais, mas não só isso.

A inovação e o termo de inteligência passa pela aplicação até de novas metodologias, uso de economia criativa. A gente tem um país continental com realidades muito distintas. Então, não dá para concentrar essa possibilidade de ser classificada como uma cidade inteligente.

E não apenas para a cidade dos grandes centros. Santana, no Estado do Amapá, umacidade de 100 mil habitantes no Norte do país, está utilizando alternativas e metodologias ágeis. E parte disso é com a tecnologia digital para facilitar o processo, deixar o processo mais dinâmico. Eu acho que a gente tem aqui uma diversidade de realidades e que, obviamente, a tecnologia pode vir somar para que a gente avance com alguns indicadores, principalmente na questão do diagnóstico, mas não só isso.

 

LK – Mas como funciona na prática uma cidade inteligente e com ela se forma?

GC - Eu entendo que isso tudo é pressão e participação popular. Porque por mais que a gente tenha alguns gestores com uma visão social e também digital, digamos, façam um empreendimento, sem a participação popular, participação da população, a gente não vê efetividade nisso. Até porque tem uma diferença, infelizmente, da relação de impacto no capital político.

Então, a partir do momento que você tem a população demandando essa atenção e, muitas vezes, como eu estou falando não como gestor, mas como alguém que auxilia no planejamento de cidade, tudo muda.

E eu entendo que um princípio do Cidade Inteligente, a partir dessa disponibilidade de conectividade, é tornar a população mais participativa dentro desse processo. E aí, sim, a gente entra nessa parte de facilitar diagnósticos e levantamentos diversos.

 

LK - Mas, na prática, é o quê? É eu, por exemplo, pegar uma cidade e dizer, não, agora eu vou disponibilizar internet em todas as áreas públicas da cidade? 

GC - Antes de tudo, a gente compreende que a cidade tem que, para ser inteligente, de fato, atender às necessidades e direitos da população. Então, isso é como você falou, questão de saúde, moradia, educação e mobilidade. Agora, como você define esses eixos, obviamente, depende das características de cada cidade.

Por exemplo, a gente não pode estar falando aí de uma concessão de eletromobilidade. De repente, uma cidade faz uso expressivo da bicicleta. Então, faz sentido a gente analisar e incentivar a utilização da bicicleta, buscar essa tendência. Então, isso parte de ter um diagnóstico.

Mas para uma cidade se tornar um Smart City eu não vejo a necessidade de ela sair desses quatro principais eixos, que é habitação, saúde, educação e mobilidade. Antes de tudo, a cidade para ser inteligente tem que cuidar desses quatro aspectos.

 

LK- Mas quais vantagens principais você apontaria em uma Smart City? 

GC - O que eu vejo é a ampliação da eficiência e da economicidade. A economicidade está diretamente relacionada à eficiência, isso quer dizer a aplicação de recursos públicos. Então, a partir do momento que a gente implanta uma metodologia de análise de dados, e isso pode estar vinculado ao nosso smartphone, ou até mesmo através do uso do Waze, você otimiza essa aplicação de recursos.

Então, a gente pode falar, por exemplo, que as Smart Cities são cidades mais sustentáveis, mais baseadas em sustentabilidade, porque elas, por exemplo, reduzem o desperdício de energia e de consumo de água, emissão de gás, efeito estufa. Porque você está providenciando aí uma análise de tráfego que vai possibilitar a utilização de rotas, obviamente, você vai reduzir o consumo de combustível e, consequentemente, a emissão de gás e o efeito estufa. 

A gente acaba esbarrando em alguns preceitos que têm a ver com, nesse caso, a tendência para falar de mobilidade, da eletrificação dos veículos. Isso é a tendência mundial. O Brasil discorda dessa tendência, considerando que a gente tem aí uma tecnologia de biocombustível há mais de 40 anos. Então, embora a gente tenha as características diversas, a gente tem uma tendência global, cabe essa análise pontual, caso a caso, para entender se faz sentido dentro nesse mapeamento que estão propondo em termos globais.

 

LK - O que a gente teria dentro e fora do Brasil de bons exemplos?

GC - Tem cidade adotando o conceito de cidade inteligente sem utilizar essa classificação, mas que pratica essa estratégia. Como você citou no início da nossa fala, Santana (AP), uma parte que ela não utiliza essa classificação, utiliza um termo que a gente passou para ela, que é o Santana Casa Legal, projeto Reúbe 100% Digital. 

O Santana, assim como uma grande maioria, se não todas as cidades brasileiras, sofrem com essa questão da regularização fundiária urbana, que é onde o poder público deveria ter assumido uma responsabilidade de não deixar acontecer. Mas, acaba permitindo ou fazendo vista grossa sobre ocupações desordenadas e irregulares, muitas vezes em áreas públicas, até de preservação ambiental. E, chega num determinado momento que não tem ter outra alternativa a não ser regularizar essas famílias que já estão consolidadas nessas áreas ocupadas. 

Então Santana está promovendo um programa social, que vai beneficiar 10 mil famílias de seis núcleos habitacionais. Para essa regularização 100% digital será eliminada a utilização de papel e agilizando todo o processo e facilitando o controle.

Um ótimo exemplo é Palhoças, em Santa Catarina. Uma cidade de 250 mil habitantes, que tem um exemplo muito interessante de bairro inteligente, que é a cidade de Pedra Branca, que adota conceitos urbanistas hiper contemporâneos e que gera essa relação de vizinhança. E aí eu até busco em 1960, a Jane Jacobs, com o livro Morte e Vida de Grande Cidade, que ela já falava isso: que a gente precisa de interação, precisa dessa arte do encontro para que, de fato, um tome conta do outro. 

E dentro do conceito de cidade inteligente a gente tem a cidade toda adotando a iluminação LED, que foi uma parceria público-privada. Isso também é uma estratégia muito interessante de se adotar, a gente não pode deixar toda a autonomia de execução dessas estratégias para o poder público, a gente sabe que tem aí um gap não só de conhecimento, mas também de tempo para aplicar, e aí entram as parcerias público-privadas. E Palhoça adotou isso, mudou toda essa iluminação para LED, é uma iluminação controlada, reduziu o consumo em 60%. E isso é eficiência na aplicação do recurso público que você passa a ser destinado para outras áreas.

 

LK – Mas passa muito pelo fator custo, correto?

GC - Sim. Por mais que a gente faça aqui referências de adoção de tecnologia e mesmo que ela seja comprovadamente melhor, seja um aspecto principalmente ambiental, se não fechar conta financeira a tecnologia não avança. Mas no todo eu considero com o modelo de Smart City sempre vai ser o melhor caminho para o desenvolvimento sustentável das cidades e dos seus habitantes, desde que adaptado a cada realidade.

 

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