Transformando Ambientes de Trabalho: da Disfunção à Sustentabilidade
Por Daniela Costa | danielacontato@gmail.com
Inspirada. Foi assim que me senti após a leitura do artigo da Thais Gameiro, neurocientista e colunista de O Futuro das Coisas (OFDC). O texto está publicado no site de OFDC e é uma belíssima reflexão sobre os impactos dos ambientes laborais disfuncionais, numa perspectiva neurocientífica. Super recomendo a leitura e penso que fui tão profundamente impactada por ela porque me senti emocionalmente envolvida. Já vivi experiências em ambientes de trabalho disfuncionais, sobrevivi a eles e adoeci. Não foi por acaso que escolhi estudar no Doutoramento em Sociologia que faço na Universidade do Porto, as relações entre Trabalho e Esgotamento Mental em ambientes laborais corporativos. Esse é um tema que é não só importante para mim, mas crucial para as mudanças que estão em curso nos ambientes laborais em todo o mundo, em diferentes escalas, ritmos, contextos e possibilidades.
Assim como em todo início de relacionamento, e com o trabalho não é assim tão diferente, tudo é uma grande e contagiante sucessão de novidades, grandes planos, metas a serem alcançadas, definição de papéis e adaptação aos cenários estabelecidos. Todos os pormenores da função são detalhadamente explicados para garantir o entendimento da parte que nos cabe. É interessante observar como uma boa parte das organizações desejam inovação mas ainda estão presas no paradigma de que cada um dos colaboradores precisa ter clareza da sua função, antes de entender o funcionamento geral dos processos envolvidos.
Nos é enfatizado que é preciso vestir a camisa, amar o trabalho para se sentir motivado a estar ali sem grande esforço. E assim vamos seguindo, tendo de expressar satisfação e sem muito tempo para desenvolver um senso de pertença com pessoas que acabamos de conhecer… como existe uma cultura corporativa estabelecida, nos é comunicado, de forma não verbal em muitos casos, que basta estudá-la, entender o que está sendo dito e buscar pontos de identificação. É o tal do fit cultural que anda sendo a justificativa para tantas coisas… Em resumo: é preciso dar o melhor de si porque foram agraciados com a oportunidade de fazer parte de um projeto grandioso, materializado na conquista da meta anual e dos objetivos corporativos para os próximos anos. Até aí, nenhuma grande novidade. Quem está no mercado sabe que essa é a lógica de funcionamento do sistema e não é de hoje que ele opera assim. Então, o que há de novo?
A roupagem como nos é "vendida" essa ideia. O modo como isso é apresentado mudou, está mais sutil e complexa, e impacta muito no tipo de ambiente que estamos alimentando. Em suma: é todo um storytelling construído que reforça o lugar central de realização e satisfação que, cada vez mais, o trabalho deve ocupar em nossas vidas.
Mas precisa mesmo ser sempre assim? A quem interessa a manutenção desta lógica, que nos faz sentir parte de algo até a página 2? E, mais objetivamente, com base em que estou levantando essas questões?
Com base em pesquisas que evidenciam que as pessoas estão adoecendo em função de ambientes laborais disfuncionais. No mundo inteiro. Estamos cansados mas precisamos disfarçar para não parecer desmotivada(o), antissocial ou negativa(o). As empresas mantêm programas de bem-estar, cuidados e massagens laborais, mas descuidam das relações de poder disfuncionais dentro dos próprios quadros superiores e que estão afastando jovens talentos do desejo de se tornarem líderes. Simplesmente eles dizem não, obrigado.
Levanto essas questões no intuito de visibilizá-las e não de desmerecer as metas anuais, cuidados destinados e profissionais competentes que só querem cumprir com suas funções e viver suas vidas. Afinal, empresas - em sua grande maioria - são instituições privadas que precisam gerar lucro e seus resultados anuais são um forte indicador, sobretudo para acionistas, de que tudo está a correr bem. Mas não pode ser a qualquer custo. Não precisa ser a qualquer custo e vamos ter que nos constranger com isso. Não pode ser normal e nem aceitável que mais de 60% das lideranças ouvidas nas pesquisas divulgadas pela Forbes Brasil, por exemplo, reportem que já tiveram um burnout.
Outras pesquisas já amplamente divulgadas por veículos midiáticos e institutos de pesquisa brasileiros e também portugueses, reportam que um alto índice percentual de pessoas pensam, até dezembro de 2024, em sair dos trabalhos em que estão atualmente para ir para um lugar melhor.
Recomendados pelo LinkedIn
O que é um lugar melhor? Que lugar seria esse? Precisamos imaginá-lo partindo do ponto básico inicial de que uma empresa não é uma engrenagem de gente. É um organismo vivo, em constante mudança porque é, justamente, formada por pessoas! E o bem-estar físico e emocional dessas pessoas, sem as quais as empresas não operariam satisfatoriamente, precisa ser o pilar fundamental sobre o qual TODAS as metas anuais devem ser pensadas e definidas.
Como a Thais Gameiro muito bem define em seu artigo, um ambiente de trabalho disfuncional é um ambiente tóxico, que contribui para a disseminação de comportamentos igualmente tóxicos: pouca autonomia, baixo feedback, níveis de confiança comprometidos, pouca segurança psicológica. Tudo isso conduz a um baixo engajamento, alta insatisfação e, é claro, queda na performance. Nunca foi sobre métricas, índices e performance. E sim, sobre uma invisibilidade do lugar de absoluto protagonismo que as pessoas ocupam e devem sempre ocupar em cenários corporativos que exigem resiliência, trabalho em equipe e foco em um objetivo coletivo.
Assim, essas pessoas, devidamente olhadas e assistidas, terão o mínimo de condições psicológicas para performar e contribuírem com o melhor de si no trabalho, não apenas porque precisam para manter os seus empregos, mas porque enxergam o real valor do trabalho para proporcionar bem-estar em suas vidas.
E adivinhe? tudo isso passa pelas lideranças, muitas vezes sobrecarregadas e sem um direcionamento que as desenvolva para uma via saudável de relacionamento pessoal e estímulo para o crescimento. Sofrem com baixa confiança, sobrecarga de funções, pouca experiência estratégica e baixa maturidade para lidar com frustrações. Isso quem diz não sou eu, mas as inúmeras pesquisas que existem e são divulgadas aos quatro cantos do mundo, sobre a medição de bem-estar das lideranças e riscos associados ao burnout. Esses líderes, em muitos momentos, passam a atuar como forte fator estressor da sua própria equipe, causando ainda mais disfuncionalidades ao ambiente. É muito preocupante porque as lideranças vivem uma crise de confiança que acaba por colocar em xeque a sua própria saúde e bem-estar.
Não estamos conseguindo gerir emoções no ambiente laboral e depositamos na conta dos RH’s uma responsabilidade que deveria ser sistêmica. Outro mito também é a crença de que treinamentos soltos, oferecidos sem um real planejamento e estratégia, terão algum impacto no desengajamento constante evidenciado pelas pesquisas de clima organizacional. É necessário investir em ecossistemas diversos e com profissionais multidisciplinares, capazes de trazer novos olhares sobre estruturas desgastadas e muitas vezes até, já comprometidas.
A busca pela alta performance e produtividade é ainda um caminho viável, desde que não seja às custas do comprometimento das vidas de famílias inteiras. E assim, nesta busca constante por resultados numa via mais equilibrada e autorregulável - já que a organização é um sistema vivo e inteligente - temos a oportunidade de construir novas mentalidades acopladas à cultura organizacional que sejam as grandes incentivadoras da proliferação de ambientes corporativos mais saudáveis. A isto, chamamos de sustentabilidade.
E eu, como uma especialista na construção de designs de aprendizagem em ambientes corporativos, ressalto aqui o quão fundamental eles são para o fortalecimento de ambientes mais saudáveis, colaborativos e sustentáveis. É a nossa grande “arma” estratégica para a estruturação de novos paradigmas dentro do modelo deste mundo BANI e profundamente relacional.
Percebo, obviamente, os grande desafios contidos neste cenário, mas igualmente grandes são também as oportunidades. Sobretudo a oportunidade de fazer crescer negócios que carreguem em seu core business o DNA da aprendizagem contínua das pessoas envolvidas, desde a base. Não porque elas são recompensadas sistematicamente em estruturas altamente competitivas, mas porque colaboram para o crescimento e enriquecimento corporativo de um lugar que também as auxilia e proporciona a realização de sonhos de vida. Porque assim, proporciona um crescimento sustentável para todos os envolvidos e não apenas para os “donos” da força produtiva.
Quando atingirmos esse patamar de cuidado com o outro, não precisaremos recorrer a gatilhos de escassez e insegurança para manter pessoas obedientes às regras e minimamente motivadas para fazer o mínimo aceitável e assim, manter seus empregos. A entrega de valor será real e percebida como algo importante não apenas para sobreviver, mas para proporcionar uma vida rica do que realmente tem valor.
Isso é o Futuro do Trabalho também! E observem que nem precisei falar aqui sobre Inteligência Artificial!!
HR Analist l Analista Laboral l Consultora em RH | Espanhol
7 mO que ainda me impressiona até hoje.... É que isso pode ser solucionado apenas com uma boa comunicação. As vezes o que não se é aclarado ou acordado é porque existe uma má gestão. Uma vez escutei a seguinte frase de um Coronel que era meu chefe, que ele dizia" Pactos claros, amizades longas". Quando uma empresa tem receio de comunicação clara. Já está claro que há algo errado não está bem gerido.