Treinamento não é miraculina

Treinamento não é miraculina

Treinamento não é mudança, faz parte do processo... Esta afirmativa pode parecer estranha, mas é importante que se entenda algumas diferenças de conceitos antes de se apresentar a proposta técnica para este trabalho.

Não é raro encontrarmos na empresa uma consistente concordância em todos os níveis sobre a necessidade de mudar. No entanto, frequentes vezes essa concordância é em relação ao outro: é o meu par, meu superior ou a minha equipe que precisam mudar.  É normal que o diagnóstico das pessoas seja voltado para fora e não para sua própria forma de atuar: é mais fácil ver o que não está certo ao nosso redor, do que reconhecer que somos parte do problema.

Assim, existe o anseio de que o ambiente reflita a nossa expectativa, mas a responsabilidade por torná-lo mais efetivo é terceirizada ao Presidente, à cultura, aos pares ou à própria equipe que não corresponde às necessidades do negócio.

Não sabendo ou não conseguindo atuar sobre as reais causas dos problemas, o treinamento é visto como a “solução milagrosa” para a mudança necessária, mas dificilmente tal iniciativa   consegue obter os resultados esperados. O que remete à perguntas fundamentais: que mudança e que resultado? Por que e para quem? Sob qual responsabilidade?

Neste sentido, o treinamento deve ser encarado como uma fase do processo de mudança e não como a solução em si. Os profissionais de RH devem tornar-se gestores de mudança e não operacionalizadores de programas padrão.

Sob essa ótica, mudança precisa ser planejada e desenhada de acordo com a estratégia organizacional. As empresas encontram seis barreiras sistemáticas para a mudança, segundo a HBR, com a qual a concordo totalmente:

  • Falta de clareza em relação às estratégias e valores, gerando conflitos de prioridades e foco;
  • Executivos seniores que não trabalham em time e não percebem a necessidade de mudança dos próprios comportamentos;
  • Estilos impositivos e autoritários de cima para baixo;
  • Falta de coordenação e conexão entre áreas e negócios;
  • Pouca dedicação da gestão ao tema de talentos;
  • Falta de confiança e medo das pessoas de falar sobre problemas e obstáculos.

 Podemos relacionar esses fatores e o insucesso dos resultados gerais com os erros comuns a projetos de mudança abordado por Kotter:

  • Permitir complacência excessiva
  • Falhar na criação de uma coalização administrativa forte
  • Subestimar o poder da visão
  • Comunicar a visão de forma ineficiente
  • Permitir que obstáculos bloqueiem a nova visão
  • Falhar na criação de vitórias a curto prazo
  • Declarar vitória prematuramente
  • Negligenciar a incorporação sólida de mudanças à cultura corporativa.

 Assim, os programas de treinamento podem ter grande sucesso imediato, fortalecendo a integração e melhorando as bases da comunicação interna, mas a médio prazo os resultados não se sustentam e as experiências ficam pelo caminho.

Enfim, a literatura está cheia de referências que podem ser usadas no cotidiano, mas os erros se repetem continuamente, gerando insatisfação da direção com a atuação do RH que, a despeito de esforços continuados, acaba sendo percebido como  “custo” e não como “investimento”. Isto porque, de modo geral, os participantes entendem o treinamento como algo para a empresa, e não para o seu próprio desempenho.

Se entendemos que a empresa deve estar em constante evolução, como um mecanismo vivo e adaptável aos cenários que se apresentam, o RH deve ser um promotor de mudanças contínuas, provendo-a das competências necessárias para o presente e futuro. Assim, mais do que nunca, é indispensável conhecer o negócio e conseguir conectar as demandas à estratégia organizacional, ousando ir além da função de executor e responsável pela infraestrutura, para se tornar um parceiro estratégico.  Dessa forma, o treinamento é uma das expressões da estratégia, e não uma finalidade em si.

E para que o treinamento não gere sensação de frustração pela impossibilidade, por exemplo, de colocá-lo em prática, é preciso que os níveis superiores demonstre a conexão entre a atividade e o propósito empresarial, buscando novos patamares de produtividade, a retenção de talentos e a oportunidade para crescimento na empresa.

Ao pensar na evolução como um plano de mudanças, é fundamental construir a base do modelo, entendendo quem será impactado, o que se deseja mudar, as razões que justificam a necessidade de mudar e onde se quer chegar com esse processo, bem como seu alinhamento com a visão organizacional e estratégica.

A partir dessa base inicia-se o trabalho com as pessoas de todos os níveis:  não basta treinar:  é indispensável seguir alguns passos essenciais, consoante metodologias que se baseiam em práticas bem sucedidas de gestão de mudança e não em feelings ou bom senso das pessoas.

Despertar a consciência das pessoas para a necessidade de mudar, deixando claras as razões do trabalho, os riscos e impactos de não mudar. Muito da resistência das pessoas às mudanças advém da falta de consciência do porquê mudar. É nesta área que vivem as desculpas do “sempre foi assim”, “em time que está ganhando não se mexe” etc. Não é uma tarefa fácil, mas é essencial para o resultado gerar o senso de urgência para a mudança.

Criar o desejo que sustenta a mudança. As pessoas têm formas diferentes de ver as mudanças e aderem ao processo por razões diferentes. Entender e trabalhar os aspectos que influenciam as escolhas individuais é essencial para que as pessoas consigam conectar as mudanças a seus valores, carreira e motivadores.

Compartilhar o conhecimento para alavancar a mudança. Saber que precisa mudar não é suficiente, já que muitas pessoas não têm as ferramentas necessárias para fazê-lo. O treinamento deve fundamentar o “como mudar” e procurar esclarecer qual o novo papel e postura desejada.

Habilitar as pessoas para mudar. Esta questão é essencial: não adianta as pessoas terem a vontade e o conhecimento, se não dispõe dos meios e recursos para fazer acontecer. É indispensável prover a equipe de um sistema que funcione, de metodologia de trabalho testada e validada, de processos claros, acordados e que sejam partilhados por todos. Além disso, sustentando a mudança e o “colocar os conhecimentos na prática”, é importante usar ferramentas como coaching e mentoring. Outro aspecto que não pode ser de forma alguma esquecido é criar espaços para a prática. Se as pessoas são preparadas mas não encontram oportunidades para aplicar o que aprenderam, o investimento se perde.

Reforço da mudança. Reconhecer os resultados é essencial, mas é também importante ver o que não está dando certo e corrigir. Perceber aqueles que continuam atuando dentro dos padrões antigos e dar feedbacks claros é essencial, mas é indispensável estar disposto a tomar atitudes mais drásticas com quem não “desapega” do passado; caso contrário, o sinal para o restante é “se quiser ficar no passado, tudo bem também”.

Esses alertas é uma forma de explicitar as potencialidades e limites da atividade de treinamento, o que supõe forte alinhamento da direção e a coerência  entre os valores organizacionais, o discurso, as competências demandadas e as ações efetivas para solidificar o modelo.

Enfim, para uma gestão da mudança bem sucedida, não basta treinar as pessoas, é necessária a construção de um projeto que certamente vai requerer mais do que treinamento, como: mudanças de processos, de sistemas de controle, níveis de autoridade, papéis e responsabilidades, e até mesmo estrutura e pessoas. O treinamento é, neste caso, uma alavanca para prover as competências necessárias para a nova forma de operar e, na maioria das vezes, deve acontecer diante das mudanças já definidas.

Mas mesmo tendo todas estas definições, a mudança não acontece sem que esta seja conduzida pelo principal gestor interessado, que precisa defender claramente a bandeira, mostrando-se como exemplo tanto da prática, quanto dos controles e acompanhamentos, que sustentarão as suas decisões relativas à equipe.

parabéns

muito bom o seu artigo p

Sebastião Cunha

Talent Acquisition na Arcadis

8 a

Pior que a empresa ter um funcionário bem treinado e correr o riso de perder este para o mercado e manter em seu quadro, pessoas ineficientes (sem treinamento) e desmotivadas. (Adaptação de um autor que não lembro agora o nome, mas que concordo plenamente)

Wander Thome

Coord.Relações Trabalhistas na Construtora Canopus

8 a

Parabéns amiga e parceira. Penso que é impossível haver desenvolvimento sem treinamento.

Eliezer Gonzalez

Gerente de vendas na Innovapharma

8 a

Perfeito! Treinar faz parte, mas tem que querer!

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