Um cantor, um chef e um videomaker  entram num bar...

Um cantor, um chef e um videomaker entram num bar...

Um relato pessoal sobre tudo e sobre nada.

O que um chef de cozinha, um editor de vídeo e um cantor têm em comum?

No meu caso, todos eles (e vários outros desdobramentos) habitam o mesmo corpo.

E talvez você aí do outro lado também seja uma destas pessoas de mente inquieta com montes de talentos diferentes, ás vezes até aparentemente divergentes, vivendo no mesmo corpo, na mesma mente.

Se for o seu caso, saiba que não está sozinho e não há nada de errado com você, embora uma parcela da sociedade considere isto um enorme problema...

Pra falar a verdade, sei que nós temos uma tendência à considerar isto um problema.

Por anos das nossas vidas nos sentimos ineptos, inadequados, incapazes, não raro até mesmo derrotados.

Eu precisei de praticamente 3 décadas pra aceitar quem eu sou. O quê eu sou.

TDAH – A sigla que parece estar “na moda”.

Transtorno de Déficit de Atenção.

Só descobri isto em mim aos 32 anos de idade, e hoje aos 42 ainda tento me compreender, me aceitar e criar mecanismos pra lidar.

Eu era uma criança silenciosa e tímida, porém inquieta, curiosa e o tempo todo buscando algo novo pra fazer, despertando um novo interesse ao qual me jogava de corpo e alma, hoje bem sei, motivado pelo hiper foco.

Na adolescência tudo mudou: Extrovertido, comunicativo, mais inquieto e curioso ainda, até meio disruptivo de certa forma.

Todo mundo sabia o que queria ser quando crescer, e eu queria ser mil coisas ao mesmo tempo, sem jamais conseguir me decidir.

Eu desenhava, pintava, cantava, gravava programas de rádio imaginários num gravador antigo, escrevia histórias longas para minhas brincadeiras, ia para a cozinha fazer receitas que tinha visto em algum lugar, corria de bicicleta solitário no meio do mato, andava à esmo pela pequena cidade onde nasci.

E aí veio a adolescência... Eu comecei um segundo grau técnico em contabilidade, mas mudei para eletrotécnica, e algum tempo depois apenas queria terminar o ensino médio de uma vez por já estar de saco cheio.

Enquanto isso, eu já cantava em bandas de rock. Ao mesmo tempo que também cantava em bandas de pop e de baile para ganhar uns trocados, afinal nem só de rock e metal vive o homem, e obviamente não costuma ser algo que se contrata para bailes de formatura, casamentos ou eventos corporativos.

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Ao mesmo tempo, eu lia e escrevia o tempo todo... Mas estamos falando de cadernos e páginas datilografadas, pois se trata de uma época pré-internet. Artigos, crônicas, roteiros para quadrinhos, roteiros para os jogos de RPG (ah sim, eu jogava RPG também...)

Queria prestar vestibular pra design... ou moda! Ou letras! Melhor: Jornalismo! Não... Talvez publicidade... Cheguei a cogitar música...

...

No fim das contas, um cara nascido em família pobre não pode se dar muito à estes luxos, então aos 17 comecei à trabalhar em cozinhas de restaurantes pra ter algum sustento e ajudar em casa.

Com muito esforço, fiz um curso de cozinheiro.

Aos 23 anos de idade eu era um chef de cozinha que cantava numas bandas de vez em quando e escrevia quando dava.

Aos 28 eu já atuava com consultor gastronômico, abria e fechava restaurantes por aí, viajava pra todo lugar, e ao mesmo tempo escrevia compulsivamente, desta vez na internet.

Era a época dos blogs! Música, comida, artes, cultura pop, sociedade, enfim, qualquer assunto que me interessasse.

Veio o youtube, e com ele meu canal onde os textos viraram vídeo, e onde finalmente eu podia editar o que gravava, de forma precária é bem verdade, mas era mágico! Eu escrevia um roteiro, gravava, e podia dar o tom do vídeo com trilha sonora, legendas, imagens, cortes, transições... Sempre quis fazer isto desde moleque! Agora eu podia! De um jeito tosco, mas podia!

Sempre fui autodidata por curiosidade, teimosia e necessidade.

O maluco do “do it yourself”, o curioso que adorava um tutorial de qualquer coisa!

Não fiz faculdade, mas ironicamente  um dos meus bicos era corrigir trabalhos acadêmicos e colocar no padrão ABNT, ou traduzir textos em inglês.

Quando tinha tempo pra fazer um curso superior, não tinha grana.

Quando tinha grana, não tinha mais tempo.

História da minha vida, e da vida de muita gente por aí.

A paixão pela gastronomia me fez correr inúmeras cozinhas, até um dia me casar e abrir meu próprio restaurante em parceria com minha esposa.

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Trabalhamos feito loucos, e foi usando tudo que aprendi ao longo da vida por causa da curiosidade insana que sempre permeou minha mnte, que conseguimos reformar com as próprias mãos nosso futuro restaurante, ao mesmo tempo que trabalhava tocando na noite e também editando vídeo para alguns amigos produtores de conteúdo.

Altos e baixos, correria, trabalho, esforço!

Finalmente deu certo! Estávamos começando a lucrar com o restaurante, ao mesmo tempo minha agenda de shows com a banda estava lotada!

Aí veio a pandemia, e acho que dá pra imaginar o que aconteceu...

Restaurante não aguentou. Obviamente os shows foram cancelados.

Mudamos de casa.

Minha esposa voltou para a sua área  de marketing e publicidade.

E eu me voltei totalmente para o audiovisual e social media.

Estudei feito louco, relembrei o que não lembrava, aprendi o que não sabia, pratiquei o que já sabia, peguei todo tipo de trabalho que se possa imaginar, desde vídeos para o youtube e shorts para insta e tiktok, até vídeos corporativos e cortes de podcast.

Amigos que produzem conteúdo me arrumaram trabalho, amigos da área publicitária me arrumaram freelas, gente que conheci nos tempos de cozinha me indicaram clientes, e descaradamente, envio meu curriculum e meu portifólio pra todo lugar o tempo todo...

Em teoria, poderia dizer que resolvi mudar de profissão depois de 25 anos, mas no fim das contas acabo chegando à conclusão que nunca deixei de fazer nada por causa da gastronomia. Nunca parei de escrever, editar, roteirizar, cantar, desenhar, criar, fazer arte, inventar moda... Nunca deixei a mente parada, quieta, inerte.

Talvez o meu maior talento seja a mudança... A suposta "inconstância" que me soa mais perene e constante que todo o resto. O junco que se curva perante o vento.

E aqui estou. 42 anos.

Uma coleção de fracassos e sucessos, erros e acertos, dias bons e ruins...

Mas acima de tudo, um lutador, um sobrevivente.

Ainda assim, sorrindo.

De triste já chega o mundo né? Afinal a vida é curta, mas ampla!

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