Um texano, uma fronteira, diferentes visões

Um texano, uma fronteira, diferentes visões

Certa vez, há muitos anos, tive a oportunidade de conversar com um líder texano. Ele estava no Brasil representando um grupo de investidores que aplicavam sem visão de retorno em projetos missionários brasileiros. Estava animado por conhecê-lo, afinal eu era muito jovem e sedento por conhecer novas culturas, naquela fase da vida em que pensamos que "estar lá" era muito melhor do que "estar aqui", tanto faz onde seja "lá".

Eu também me interessava muito por pessoas que investiam em projetos filantrópicos. A ideia de que alguém reparte seus recursos com quem precisa mais, ou quem é mais carente, é sempre associada à bondade e à vontade de devolver com gratidão aquilo que se recebe da vida, de Deus, do Universo.

Pois bem. Nossa conversa foi breve, mas logo caímos na questão dos imigrantes que buscam atravessar a fronteira estadunidense para conseguir mais da vida, para explorar recursos e oportunidades que seu país de origem não dá.

Na minha visão de mundo, ao conversar sobre o tema com um investidor filantropo e religioso, pensaríamos sobre os riscos do tráfico de humanos, sobre os perigos da travessia, sobre a fome, a miséria, o desespero e também sobre a ajuda humanitária necessária às pessoas que tentavam um futuro melhor.

Na visão de mundo do texano a pauta era outra, sem piscar ele rapidamente disparou que era necessário impedir a imigração, porque os americanos perdem oportunidades de emprego para imigrantes latinos. Naquele momento eu fiquei em choque, porque nossos mundos e mapas de mundo colidiram.

Mais de dez anos se passaram desde aquele encontro. Continuo vendo diferente daquela visão texana e talvez ele, aonde estiver, ainda pense diferente de mim. Mas consigo ver as coisas com lentes multifocais, o que não fazia antes.

Eu tinha a ilusão que os americanos não perdiam empregos para os latinos, que eles não gostavam de trabalhar pesado e por isso os latinos conseguiam sobreviver em seu país. Hoje eu percebo que não é bem assim. Americanos, assim como os brasileiros, mexicanos e humanos, querem o melhor para si e disputam as vagas conforme suas competências e habilidades. Não é uma questão de raça ou etnia, é uma questão de descortinar limites, ampliar espaços, conquistar lugar no mundo.

Outra questão importante a se pensar é que os americanos pobres e com pouca qualificação não se imaginam migrando para países latinos para buscar uma vaga, por esse motivo a presença de estrangeiros limita seu espaço. Não há margem para negociar salários se alguém disposto e capacitado está se oferecendo por metade ou um terço do valor.

Sendo assim, os jovens texanos com menor qualificação ou menores privilégios ficam espremidos entre os mais preparados e os mais baratos, restando desemprego e concorrência, tudo isso agravado por uma série de preconceitos, cobranças sociais e visões de mundo que nem sempre são simpáticas.

Transporto agora minha conversa para as vagas de emprego disponíveis no mercado. O que acontece com as grandes empresas é semelhante? Possivelmente sim.

Empregos que exigem maior qualificação geralmente são oferecidos para quem se criou dentro daquela empresa ou foi contratado pelos privilégios que a vida ofereceu ou pelas conquistas pessoais de carreira. Empregos que exigem menor qualificação são oferecidos para quem pode ser contratado pelo valor mínimo, venha de onde vier. Empregos medianos serão medianos por muito tempo, oferecem mais vagas que as duas pontas, mas correm o risco de ficarem obsoletos à medida que a tecnologia avança.

Empresas e países são organizações e, sendo assim, comportam-se dentro de padrões organizacionais. Estão sujeitas a políticas, regras, preconceitos e mazelas sociais. São responsáveis por se manterem assim ou buscar mudanças, mas as mudanças de contexto social exigem forças e estratégias que nem sempre são prioritárias.

A questão principal em ambos os casos é que se essas organizações não se apropriarem do contexto, serão surpreendidas em algum momento pela extrema pressão do ambiente. Vimos isso na Europa, na América Latina e estamos muito perto de ver no Brasil.

Pensar estrategicamente exige analisar contextos, fazer leituras ponderadas das razões e contrarrazões e tomar decisões adequadas ao presente e ao futuro. Precisamos conversar com mais texanos.


Ronaldo Moura é mestre em Administração de Empresas, formador de lideranças, sócio da Anama Brasil Consultoria.

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