Vendas em ciclos – o poder da negociação gradual
Não existe ambiente mais hostil que uma reunião de condomínio.
Quando assumi a liderança da unidade de negócios que vendia modernização de elevadores na Atlas Schindler, participei de muitas e vi de tudo: ameaça de agressão, acusação de corrupção, empurra-empurra e até cadeiras voando durante uma discussão.
Nossa missão era criar um processo de vendas eficiente para aprovar reformas de elevadores nas assembleias de moradores. Mas, mexendo com o bolso dos condôminos, a gente perdia 97 de cada 100 propostas nesta etapa. E ainda com o risco de tomar uma cadeirada no processo (é sério).
Hoje em dia, metodologias ágeis trazem muito o “test & learn” e a validação de hipóteses com consumidores. Mas naquela época, começo dos anos 2000, não existia CX como disciplina.
Tudo era muito intuitivo. E eu sentia que só pesquisa e acompanhamento de vendedores em campo não trariam a visão do cliente. Ainda faltava um entendimento mais apurado do processo de decisão.
Foi aí que eu tive a ideia de colocar o sapato do maior stakeholder do processo – o síndico. Busquei um curso de síndico profissional e achei um que durava 4 meses, 3 noites por semana, 4 horas por noite. Sim, parece loucura. Mas foi ótimo!
Conversei com muitos síndicos e administradores, entendi os ritos formais e as “manhas” informais e compilamos tudo em um método que levou nossa conversão de 3% para acima de 50%.
E um dos fundamentos essenciais foi a venda em ciclos, que eu levei para todas as outras empresas em que trabalhei.
Vou explicar mais abaixo.
No coliseu com os gladiadores
Condomínios são a essência da democracia. Todos os condôminos têm direito a voto e as decisões são obtidas em consenso. E os assuntos tocam em temas sensíveis para as pessoas: seus lares e seu dinheiro. Por isso, as discussões podem ser muito acaloradas.
Sugerir, do nada, uma reforma nos elevadores do prédio que vai custar 200 reais a mais aos moradores pelos próximos dois anos? A derrota é quase certa.
Para você entender: existem dois tipos de despesas em condomínios - as ordinárias e as extraordinárias. Ordinárias são as despesas do dia a dia, como conta de água e salários da equipe. Essas são decididas pelo síndico com base em um orçamento pré-definido. A reforma de elevadores faz parte das extraordinárias, que são melhorias decididas por maioria na assembleia de condomínio.
Fazendo um paralelo com as empresas, ordinárias são o famoso “opex” e as extraordinárias são o “capex”. E era nas decisões sobre despesas extraordinárias que os ânimos costumavam esquentar.
Formação de consenso gradual
Sabe aquele projeto que você fez e que exige investimento alto ou adicional por parte da empresa? Você precisa deste orçamento, mas muitos outros colegas também têm projetos bacanas. E os recursos são finitos, ou seja, alguém vai conseguir o dinheiro. Alguém não.
É aí que está o maior aprendizado do curso de síndico. O processo de aprovação, especialmente quando é feito por mais de uma pessoa, não começa na reunião formal. É preciso amadurecer a decisão antes. Ela precisa ser debatida e analisada de diferentes perspectivas. Todos que a influenciam devem ser ouvidos.
Dificilmente você vai conseguir aprovar orçamentos em reuniões com superiores e conselhos se as pessoas não conhecerem e dominarem o tema.
O mesmo vale no seu prédio. E isso que conseguimos sistematizar.
Organizando a bagunça democrática
Entendemos que o síndico era a porta de entrada, e por isso precisávamos vender a ideia primeiro para ele. Este era o Round 1.
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Mas ele não decidia. Não sozinho. Era preciso ter a maioria simples na assembleia. E aí mergulhamos em pesquisas e descobrimos que, no Brasil, apenas 15% dos condôminos descem para a reunião de condomínio. Um prédio típico brasileiro tem 14 andares e 4 apartamentos por andar. Ou seja, dos 56 apartamentos, 9 costumavam votar.
Esse era nosso Round 2. Garantir os demais 8 votos (o do síndico já ganhamos no Round 1).
E aqui começava um trabalho junto com o próprio síndico – a gente passou a montar esse painel de quem votaria e qual seria sua posição. Em geral, os conselhos têm 3 representantes e 3 suplentes, que são presença certa na assembleia. Por isso, criamos fóruns intermediários e informais com o Conselho, e só prosseguíamos para a próxima etapa com esses votos conquistados. Batizamos o 2º round de Ciclo do Conselho.
Mas, em geral, isso não bastava para conseguir a maioria, e era preciso entender quais seriam os outros 2 ou 3 condôminos que desceriam para a reunião. Com o tempo, entendemos que nesta fase tínhamos que incluir pessoas engajadas que não estavam necessariamente de acordo com a proposta: uma futura candidata a síndica, ou um candidato derrotado - emaciado - na última eleição. Ou o chato. Sim, sempre tem um. Este era o Round 3: O Ciclo dos Opositores.
Com o tempo, descobrimos que este era o momento mais delicado. Sem gerenciar os opositores, não adiantava prosseguir. Eles iriam brigar contra a ideia na assembleia. Muitos processos ficaram meses nesta etapa. Mas quando demos andamentos, tínhamos apoio total - ou sabíamos que precisávamos angariar mais votos a favor. Nesta etapa, nada era mais importante que a empatia. Ouvir de forma genuína e considerar mudanças ao escopo, preço ou condições. Depois de acomodar os diversos pontos de vista, a proposta estava blindada, fortalecida para a etapa final.
Por último, o Round 4: a assembleia. Quando os 3 rounds tinham sido vencidos com sucesso, era simples formalização. Praticamente 100% de sucesso. Quando a gente arriscava em ir para a final do campeonato sem ter superado cada etapa anterior... era uma surpresa. Às vezes, dava certo. Muitas vezes, não.
Com este método, aumentamos 10x as vendas. Não é 10%, nem 50%. É 1000% de aumento. Foi o que chamam por aí de resultados breakthrough. É para parar e pensar um pouco se vale a pena aplicar, certo?
Bom, se você continua aí, sua cabeça deve estar viajando para sua próxima grande aprovação com a Diretoria, o Conselho ou os Acionistas.
Trazendo para a SUA realidade
Esse método não é novo. Em 2007, Jeff Thull escreveu o livro Gestão de Vendas Complexas, que é uma bíblia da venda B2B e estrutura muito bem o passo a passo de uma obtenção de consenso gradual.
Observe a formação de pauta da Câmara ou do Senado. Veja como o presidente não coloca uma pauta em votação antes de sua base ter articulado.
Cheque as pessoas que mais aprovam orçamentos e investimentos da sua empresa. Empiricamente ou tecnicamente, elas trabalham o convencimento em ciclos.
O próprio Accountable Based Maketing, que entrou na moda nos últimos anos, não deixa de ser um processo de convencimento e ciclos.
No final do dia, todos somos seres humanos tentando acertar. A inteligência do grupo sempre supera o mais inteligente do grupo. Então, o convencimento em ciclos é, na verdade, um processo de evolução da inteligência coletiva.
Construir em conjunto não é apenas útil para a aprovar o investimento, mas o começo de uma força conjunta, uníssona, para fazer aquele investimento gerar mais resultados para todos.
É jogar junto. É realizar em equipe. O que é muito mais legal.
Assim, no condomínio e no trabalho, o pulo do gato é formar consenso gradual aos poucos, e quanto mais complexa a decisão, mais importante ele se torna.
Seguem algumas dicas:
Se este conteúdo serviu para você, pode servir para mais gente. Espalhe a palavra!
Compartilhe e me dê os feedbacks. Assim a gente cresce, junto.
ICF PCC | Leadership and Team Development | Organizational Transformation | Mental Fitness | Lifelong learning
2 aAugusto Terada
Sales & Growth @ Monks
2 aMuito bom, Vitor, obrigado por compartilhar!
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2 aÓtimo texto!! Estamos sempre "negociando", não? Treinar a observação é fundamental!
CFO / VP of Finance / LATAM CFO / Finance Executive / Board Member / Chairman of the Board / General Manager
2 aMuito bom Vitor.
Desenvolvimentos de Novos Negócios | Comercial | Inteligência de Mercado | Marketing | MBA | Engenheiro
2 aParabéns pelo artigo Vitor Bertoncini!!!