VICENTE SANTIAGO - LEMBRANÇAS DE UM HOMEM BOM
Era carpinteiro. Vicente Santiago era o irmão mais velho de minha mãe Madalena Santiago Caleffi, caçula da família, de uma família de oito irmãos, quatro homens e quatro mulheres, uma família de italianos. Só fui conhecê-lo pessoalmente, quando no ano de 1974, mudei-me, junto com minha família, para a cidade de Maringá.
Esse meu tio, é uma daquelas pessoas, que nos conquista pela primeira vista, pelo primeiro olhar, pelo silêncio que faz pensar, quando as vemos, elas tem, aquela magia de pessoas especiais, que nos encanta, sem nenhuma explicação, há uma identificação imediata e pronto, conquistou, encantou. Tem raras pessoas que são assim. Tio Vicente era uma dessas pessoas.
Ele era magro, alto, claro, cabelos bem brancos, olhar sereno, afetivo, simples, olhar profundo de quem olha com amor, com carinho, com paciência, sem pressa, andar lento, com inteligência, com sabedoria de uma vida intensa, nos acompanha com o olhar, olha de verdade, vendo com a alma, profundo pelo olhar, sem dizer nada, nos diz muito, diz tudo, em silêncio, falava baixo, não precisa erguer a voz para dizer, dizia pelo olhar, pelo rosto sereno, fisionomia forte, todas muito parecidas, como é próprio da família de minha mãe, de suas irmãs e irmãos que conheci, eles eram diferentes, muito especiais afetivos, amorosos, diziam tudo pelos gestos e atitudes, pelo olhar, falavam baixo, pelo carinho nos conquistava. Deve ter trazido isto de seus antepassados que vem de longe, especialmente de meu avô João Santiago e de minha avó Carmella Artoni Santiago. Há! que saudade deles! Assim era o tio Vicente. Conquistou-me, assim que eu o conheci pessoalmente.
Morava na Vila Operário em Maringá. Era casado com a tia Adélia Coleta Santiago. Tia Adélia era alta, magra, clara, séria, quase não sorria, ágíl, sempre preocupada com a família. A família dos Coletas, era vizinha do sítio de meu avô João Santiago e da minha avó Carmella Artoni Santiago, pais de Vicente. O sítio de meu avô João Santiago ficava no município de Marialva, há uns seis quilômetros da cidade. Os coletas eram pioneiros daquela região rural, chegaram lá no final da década de trinta início da década de quarenta. Foram uma das primeiras famílias a desbravar aquela região. Meu avô João e minha avó Carmella Artoni Santiago, chegaram lá no ano de 1944. Eram vizinhos de sítio. Um morando de um lado do rio Marialva, que divide os sítios ali e o outro do outro lado do mesmo rio. Enquanto o sítio dos Coletas fazia cabeceira com a estrada Carana, o do meu avô João, fazia cabeceira com a estrada Marialva, no outro espigão.
Quando meu avô João Santiago e minha avó Carmella Artoni Santiago, no ano de 1961, resolveram vender o sítio e mudar-se com toda a família para a cidade de Terra Boa, os Coletas continuaram lá, morando no mesmo sítio. A família Coleta era enorme. Foi ali que Vicente Santiago conheceu Adélia Coleta e casou-se com ela. Adélia era uma mulher alta, clara, bonita, decidida. Um fato muito triste aconteceu nas vésperas do casamento do tio Vicente com tia Adélia. Luiz Artoni, seu avô, pai de sua mãe Carmella morreu. Ele morreu muito novo. Morava com sua mulher Carolina Bomfante Artoni ainda no município de Echaporã no interior do estado de São Paulo. Carolina Bomfante Artoni, sua avó, depois de algum tempo mudou-se de Echaporã para o estado do Paraná junto com seu filho Alexandre, para um município próximo de Londrina, provavelmente para o município de Assaí ou Primeiro de Maio.Todos focaram muito tristes com a morte do avô Luiz Artoni. Mas o casamento ocorreu normalmente no sítio de João Santiago e de Carmella Artoni Santiago no município de Marialva. Foi uma bela festa.
Quando resolvemos mudar para a cidade de Maringá, tio Vicente nos ajudou muito, nos orientando, acompanhando sua irmã caçula em tudo. Ele nos ajudou a alugar uma casinha de madeira, moramos de parede meia com a família do proprietário, um português. A nossa primeira moradia na cidade de Maringá foi no Bairro Aeroporto, na rua Arapongas, esquina com a avenida Londrina. A nossa casa ficava em frente a um capão de mato e a uma espécie de favela, na verdade eram casas pequenas, perto uma da outra, muito simples, tipo palafitas. O local era conhecido como Colônia Marvan. Havia muita miséria ali. Nós morávamos no fim do bairro. O Bairro Aeroporto não tinha asfalto ainda. Mas era um lugar bem agradável, com muitas pessoas recém chegadas da área rural, assim como nós. Foi ali que o tio Vicente conseguiu uma casinha para nossa primeira moradia em Maringá. Ele cuidava de nós.
Depois tio Vicente ajudou minha mãe a encontrar uma vaga na escola para matricular-me. Não deve ter sido fácil, pois já era o mês de agosto e o ano letivo estava quase no fim. Mas conseguiram. Comecei a estudar na escola primária Anita Garibaldi, que ficava nos fundos do Colégio Estadual João XXIII, terminei minha quarta séria ali. Depois continuei estudando no Colégio João XXIII, nas séries seguintes por alguns anos. A escola ficava perto de minha casa.
Um filho do tio Vicente, Moacir Santiago, trabalhava em um açougue na Vila Operária, na Avenida Paissandu, que ficava perto da casa dele. Tio Vicente foi lá conversar com o proprietário do açougue, que era seu amigo, o Senhor José Osvaldo Maia e conseguiu o meu primeiro emprego na cidade de Maringá, no açougue J.J Maia, no açougue do Maia.
Tio Vicente foi uma figura sempre presente neste início de minha família na cidade de Maringá.
Uma certa vez, tio Vicente, alugou uma Kombi e levou toda a família, a dele, meus primos e primas e a nossa e fomos visitar meu avô João Santiago e minha avó Carmella Artoni Santiago, na cidade de Terra Boa. Foi uma viagem inesquecível.
Quando conseguimos dinheiro, para comprar uma data no Jardim Alvorada, bairro que estava começando, na região norte de Maringá, tio Vicente, que era carpinteiro de primeira grandeza, construiu uma casa de madeira, muito bem feita, bonita, grande, para nós, ficou linda, ela está até hoje lá no Jardim Alvorada, na rua Frederich Banting. Moramos ali muitos anos. Tio Vicente sempre nos visitava.
Tio Vicente era uma dessas pessoas que faz a diferença na vida da gente. No silêncio, na gratuidade de seu amor, deixou sua marca profundo no coração de muitos que o conheceu, extremamente humano, marcou profundamente minha vida e de minha família. Ele é inesquecível para sempre. Puro amor. Era uma pessoa boa.
Pessoas assim, precisamos tira-las de invisibilidade.
São vivências pessoais a serviço da história coletiva. Precisamos conta-las para não esquecer.