Viver mais já é uma realidade
Para o geriatra Luiz Roberto Ramos, o país não está preparado para lidar com seus idosos. FOTO: Leandro Godoi Fotografia

Viver mais já é uma realidade

Por Rebeca Salgado

Uma verdade absoluta a ser pensada: o Brasil não é mais um país de jovens. A população está envelhecendo rapidamente e a tendência dos próximos anos é ver o número de idosos quase dobrar no país.

Inferior a 10% durante todo o século XX, a nossa proporção de mais velhos costumava ser equivalente à de países menos desenvolvidos. Na última década, porém, este perfil começou a mudar rapidamente. Com a expectativa de vida, que em 2016 aumentou, segundo o Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística (IBGE), para 75,5 anos, e a taxa de natalidade menor do que dois filhos por casal, os gestores, principalmente da área da saúde, precisam repensar o envelhecimento saudável e ativo.

Para Luiz Roberto Ramos, geriatra e diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Escola Paulista de Medicina e coordenador do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a transformação epidemiológica, a reforma da Previdência Social e o aumento das doenças crônicas são os principais fatores ignorados em nosso país quando o assunto é a terceira idade.

Em entrevista à Revista FEHOESP 360, o médico comenta o crescimento da população idosa, a falta de estrutura necessária para o atendimento dessa população e as principais necessidades de mudança no sistema para atender esta nova realidade brasileira.

Confira:

Revista FEHOESP 360: De acordo com o Ministério da Saúde, o país tem a quinta maior população de idosos do mundo. São cerca de 28 milhões de pessoas com 60 anos ou mais que precisam de atendimento, estrutura de saúde, qualidade de vida e muito mais. Como o senhor analisa o rápido crescimento da população idosa no Brasil? 

Luiz Roberto Ramos: O envelhecimento vem acontecendo no país por duas quedas: de mortalidade e de fecundidade da população. Podemos dizer que o brasileiro ganhou quase 30 anos de vida nos últimos 50 anos, um processo rápido que vem por meio de um bom controle epidemiológico e também do aumento e eficácia dos métodos contraceptivos.


360: Qual é o perfil do idoso brasileiro hoje? 

LR: O Brasil é um país muito heterogêneo. São cinco regiões muito diferentes entre si, mas os nossos idosos muito se assemelham com os anciãos ao redor do mundo, que também convivem com doenças crônicas e sofrem com a incapacidade por essas doenças. Uma peculiaridade que temos aqui é a convivência familiar, ou seja, na maior parte dos casos o idoso mora com um filho, cônjuge ou parente próximo, algo não muito comum na Europa, que tem a maior parte dessa população morando sozinha.  

Um grave problema é a condição socioeconômica nada favorável para o envelhecimento. Grande parte da população vai envelhecer em ambientes que possuem uma situação geográfica desfavorável, com saneamento básico ruim, como é o caso do Norte e Nordeste.


360: Quais são os estigmas relacionados aos idosos? O pensamento do brasileiro de que o país é formado por jovens auxiliam a manter algumas barreiras na atenção à terceira idade? 

LR: Acredito que estamos nos curando dessa imagem de que o Brasil é um país de jovens. Ser velho antigamente era algo como ser considerado fora da realidade brasileira. “Somos um país de jovens, não temos que nos preocupar com o envelhecimento”, isso está caindo à medida que se percebe que o Brasil está desenvolvendo uma enorme população de idosos e que vamos ter de nos organizarmos para dar conta disso. Uma questão que todo mundo já sentiu é a Previdência Social, ela não dará conta. Isso vai gerar um debate sobre a população economicamente ativa e seus dependentes. Antigamente, eles eram as crianças, que eram vistas como uma obrigação. Atualmente, a população de dependentes do país é constituída, na maior parte, por idosos e vemos uma necessidade de desenvolver uma consciência social, até porque os jovens de hoje serão os idosos de amanhã e obviamente vão precisar de algum tipo de ajuda. O principal estigma é pensar que a terceira idade não faz parte da nossa realidade ou que são pessoas doentes e incapazes, quando, na realidade, a maioria dos acima de 60 anos leva uma vida normal e independente.


“O principal estigma é pensar que a terceira idade não faz parte da nossa realidade”


360: O senhor acredita que a população é devidamente esclarecida ao longo da vida sobre as necessidades do idoso? Faltam informações para lidar com essa questão?

LR: Nunca houve uma educação social para isso. Mas é possível perceber que as pessoas estão começando a ter consciência. Isso pode ser percebido no metrô, por exemplo, em os assentos para idosos e pessoas com limitações estão sendo mais respeitados. As pessoas notam que existe essa parcela da população e que ela tem seus direitos, merece ser respeitada. São nessas pequenas coisas que começamos a notar mudanças no comportamento da sociedade.

É um processo que demora, mas a população vai se convencer que a cada ano alcançamos idades mais avançadas, e que, com isso, vão ter algumas limitações. Antigamente as pessoas morriam e cedo não tínhamos essa preocupação de como lidar com o idoso. Vivia-se muito bem até o dia em que simplesmente a vida acabava. Hoje, vive-se bem e mais, porém, as dificuldades chegam e duram mais tempos.


360: A tendência é que essa população continue crescendo nos próximos anos graças aos avanços da medicina, das pesquisas científicas e da mudança na pirâmide epidemiológica. Como os centros de saúde devem se preparar para essa nova realidade?

LR: Hoje em dia os hospitais não são a solução. Eles são, na verdade, mais um problema. Se não temos um sistema de saúde adequado para uma pessoa que está envelhecendo, ela vai imediatamente ao hospital porque não encontra um atendimento de qualidade na Unidade Básica de Saúde (UBS). Quando o problema se agrava, o indivíduo acaba indo direto ao pronto-socorro, depois vem a internação, a UTI, e o sistema acaba utilizando sua parte mais sofisticada para um atendimento amplo e, muitas vezes, desnecessário. Falta um planejamento para equipes multiprofissionais no atendimento à saúde básica que desafogue a realidade do hospital. Faltam políticas públicas de atenção ao idoso.


Faltam políticas públicas para atenção ao idoso”


360: A criação dessas políticas públicas cabe somente ao governo ou pode também ser feita em conjunto com a iniciativa privada?

LR: É preciso que a política de saúde dos governos estaduais e municipais e do Ministério da Saúde identifique e promova mais claramente ações para essa população, por meio de campanhas de divulgação e, principalmente, ter nas UBS essa estrutura do indivíduo ir até lá e perceber que vai ser bem atendido, que vai resolver seu problema. Normalmente, os idosos vão a uma unidade básica pela primeira vez, não encontram o que precisam e acabam nunca mais voltando.

Já a saúde suplementar está se organizando, até porque é uma questão de sobrevivência, não só de fazer o bem para os idosos. Se não se estruturar para dar conta da realidade de saúde da população acima de 60 ano como ela se apresenta, com um enfoque multiprofissional, ênfase em promoção de saúde, estimulando-as à atividade física, a comer adequadamente, evitar intoxicações dispensáveis, teremos uma população envelhecendo mal e demandando muito mais do sistema do que ele pode dar. É uma questão que implica tanto ao SUS como à saúde suplementar. Quem não se organizar vai falir.

Os idosos brasileiros são a parcela de população que mais faz uso dos serviços de saúde. Dentre as pessoas com 60 anos ou mais, a proporção é de pelo menos 25%, sendo que todas as outras faixas etárias são menores. Para piorar, eles são ainda os que mais se sentem discriminados num ambiente onde deveriam ser bem tratados.


360: Há falta de profissionais qualificados no mercado, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria (SBG). Na sua opinião, há profissionais devidamente preparados e em número suficiente? 

LR: Há pouquíssimo tempo a questão do envelhecimento ficou mais aparente para todo mundo como uma questão de saúde pública e o aparelho formador desses profissionais, que é a universidade, também começou a se equipar para dar essa resposta. Disciplinas de geriatria e gerontologia começaram a surgir de 20, 30 anos para cá, mas ainda de uma forma bem modesta. Há uma concentração de pessoas que vão se especializar nessa área ainda muito aquém do que seria necessário. Temos 20 vezes mais pediatras no Brasil do que geriatras e a situação da população atual é exatamente contrária. Temos pessoas envelhecendo e poucas crianças nascendo.


360: A reestruturação do sistema traria também a solução desse problema?

LR: Com certeza, é uma questão de mercado. Na medida em que você percebe que o sistema está se reestruturando para dar conta da condição do idoso, os profissionais da saúde vão ter mais estímulo para serem estabilizados nessa área, mas isso não é algo que acontece do dia para a noite, são anos e anos para se formar esses profissionais. O sistema de formação universitário está se readequando e correndo atrás. Fico feliz que a Universidade Federal de São Paulo, onde trabalho, percebeu isso e definiu o envelhecimento como meta, uma preocupação institucional.

" Quem não se organizar vai falir”

360: Quanto ao mercado de trabalho, estamos preparados para os funcionários da terceira idade?

LR: No Brasil muito pouco, infelizmente. Vemos em alguns países a contratação de idosos para trabalhos que não demandem muitos esforços, mas que estimulem as funções vitais e cognitivas. É um pensamento que não só pode, mas deve chegar ao gestor o quanto antes. É um modo de auxiliar o envelhecimento saudável para essa parcela da população.


360: Falando em envelhecimento saudável, se o senhor pudesse dar uma receita para ele, qual seria?

LR: É uma receita comum, mas que as pessoas não levam a sério. Para envelhecer bem, deve-se ter a noção de que, em primeiro lugar, as doenças crônicas sempre vão existir, então o sonho de envelhecer sem nenhuma adoecer é o sonho de uma minoria absoluta. A pressão vai subir ou diminuir, mas isso não é necessariamente razão para falar que o envelhecimento não está sendo saudável, porque se o indivíduo consegue se manter ativo, do ponto de vista da gerontologia, ele está progredindo para um envelhecimento bem-sucedido. Além disso, é necessário fazer sua contribuição com uma alimentação saudável, exercícios físicos e estímulos cognitivos. É um modo de manter a cabeça funcionando e um corpo ativo. Na Unifesp, por meio do Projeto Epidoso, vemos muitos idosos que tocam a vida assim e de forma independente. É um novo conceito de saúde aquele idoso que vive sozinho, capaz de realizar atividades comuns, como se vestir, tomar banho, comer, fazer compras, cuidar das finanças, enfim, manter a sua casa e a sua família sem precisar de ajuda específica de ninguém.

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