Você pensa que é bonito ser workaholic?
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Você pensa que é bonito ser workaholic?

Eu já pensei.

Tinha 17 anos quando ouvi o termo pela primeira vez. Estava na faculdade e meus colegas comentavam: “O cara é um workaholic. Um gênio.”

Pesquisei sobre a palavra:

Um workaholic é aquela pessoa tão viciada em trabalho que vive pra isso. Persegue conquistas e realizações profissionais, colocando sua carreira acima até da família, da vida amorosa, do lazer e da própria saúde.

Insano, né? Mas, passei a perceber que as pessoas adoravam essa palavra. Faziam questão de se dizerem workaholics. Como se aquilo, de ser viciado em trabalho, fosse desejável. Um diferencial. Uma espécie de credencial pro mundo adulto e profissional.

Estreante que era, achei que precisava ser parte daquele grupo. Passei a trabalhar 14, 16, 18 horas por dia e a me descrever, orgulhosamente, como uma workaholic. Eu estudava, trabalhava, empreendia e estava sempre ocupada. Era um estilo de vida e eu o vivia. Fazia parte daquele grupo devoto do Deus Trabalho e da Deusa Não-Pode-Parar-Nunca.

E eu não parava. Teve um ano que virei a noite do meu próprio aniversário trabalhando. Lê isso de novo: eu virei a noite do meu próprio aniversário trabalhando enquanto meus amigos me ligavam do bar, cobrando a minha presença pra celebrar comigo.

Foram muitos episódios semelhantes. Muitas ausências minhas em momentos de lazer, de família, de esporte ou de qualquer outra coisa. Porque eu simplesmente estava ocupada demais e achava isso bonito.

Foram anos, acho que mais de uma década, até que o estresse e a síndrome do pânico me tiraram de cena. Me desaceleraram na marra. E me mostraram a idiotice que eu tinha adotado como verdade.

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A coisa ficou tão séria que eu não conseguia mais trabalhar. Não saia de casa. Não ficava sozinha. Meu paladar desapareceu. Não conseguia dirigir. Tinha crises horríveis. Suava de molhar a roupa. Tinha visão turva. Dor no peito. Batedeira. Pensamentos invasivos. Noites e noites sem dormir. Medo até de ter medo. Achei que ia morrer ou enlouquecer. Aquilo parecia não ter fim.

Mas era um recomeço. Tive que rever tudo. Reaprender. Começar tudo de novo.

Foram longos anos de terapia, medicação, meditação e muuuuito autoconhecimento.

Entendi que o trabalho ocupa um lugar diferente na vida de cada um. E que os ritmos são individuais. Variam até de acordo com o momento.

Claro que vão existir fases em que será necessário dar um gás, trabalhar um pouco mais, investir um tempo maior pra deslanchar um projeto ou começar um negócio. O que não é nada saudável, e nem um pouco sustentável, é transformar a exceção em regra. O exagero, o descompasso, em algo normal.

Essa coisa de trabalhar em excesso (sempre) nos prende no lugar da utilidade. E que utilidade é essa? Utilidade pra quem? Pra quê? É extenuante! Escravizante!

O trabalho é um meio e não deve ser um fim. É uma jornada, não um destino. É parte da nossa existência, não ela própria.

Se pergunte:

Será que é isso que eu quero? Ou estou reproduzindo o comportamento da galera? Será que não estou me matando pra comprar coisas que eu nem preciso? Eu estou bem assim? Vou esperar adoecer? Será que não dá mesmo pra simplificar? Viver com menos e viver melhor? Será que tem que ser assim?

No meu caso, tive que adoecer. Gastar muito com tratamentos e medicamentos. Custei a entender que todo vício esconde uma falta. Todo vício é uma fuga da realidade. E o vício em trabalho não é diferente. Te domina. Te impõe perdas. Te adoece. E mais cedo ou mais tarde, o corpo cobra. A fatura chega.

A minha foi alta, mas paguei. Aprendi e simplifiquei tudo. Ao máximo. E ganhei liberdade pra trabalhar quando e como me interessa. Inverti o jogo. Uso o trabalho como uma forma de contribuir verdadeiramente para as pessoas e no meu entorno. Faço do meu jeito e ainda faço questão de fazer muito bem feito. Mas não aceito mais ser usada. Imponho limites.

Mas não se engane. O sistema é bruto, coleguinha. Rola uma queda de braço. Sinto que há sempre um cabo de força me puxando de volta pro vício. É preciso estar vigilante e atenta às recaídas.

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Hoje, penso diferente. Olho pra quem ainda venera meus antigos Deuses e fico pesarosa. São, quase sempre, bem-sucedidos financeiramente, mas não os vejo felizes. Estão presos na gaiola do excesso e do utilitarismo.

Particularmente, já não acho bonito ser workaholic.

Penso que bonito é ser livre.

(Texto originalmente postado em detrasprafrente.com, meu blog de crônicas e artigos sobre vida e trabalho (e um intercâmbio aos 40!).

Se quiser me acompanhar mais de pertinho, pode vir de insta! (@mivlarios)

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Sensacional

Fábio Jardim

Coordenador de Projetos | MBA - Black Belt - Lean | Engenharia de Projetos e Processos

4 a

Gostei muito do seu texto Mivla. As vezes, tudo o que precisamos é parar um pouco e olharmos pra dentro. Obrigado por compartilhar sua experiência.

Bianca Giovannetti

Customer Service | Supply Chain | Import and Export | Airfreight

4 a

"Estão presos na gaiola do excesso e do utilitarismo". Frase perfeita! já me vi nessa situação e hoje a cada novo desafio/gestão eu tento impor limites, mas é conforme vc descreveu é igual um cabo de força, que faz vc achar por momento novamente que é correto trabalhar 20 horas por dia, acordar de madrugada, não parar. Hoje tenho uma amiga que sempre me alerta qd o utilitarismo começa a me dominar. Precisamos parar de achar bonito ser workaholic.

Ricardo Gattás

Engenheiro Agrônomo, Entomologista e Consultor Técnico em Controle de Pragas Urbanas. Tecpest.com

4 a

Mivla, parabéns pelo seu texto e testemunho.

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