Sonda chinesa faz história ao retornar à Terra com as primeiras amostras do lado oculto da Lua; veja vídeo

Conquista de Pequim, alcançada através de um das missões mais ambiciosas já executada pelo país, permitirá conhecer melhor história do satélite natural

Por O Globo com agências internacionais — Pequim


Sonda chinesa Chang'e-6 retornou nesta terça-feira à Terra com as primeiras amostras da história do lado oculto da Lua. DANNI ZHUCCTV/AFP

RESUMO

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GERADO EM: 25/06/2024 - 10:44

Chang'e-6 traz amostras da Lua

Sonda chinesa Chang'e-6 retorna à Terra com amostras do lado oculto da Lua, revelando potencial científico. Missão histórica impulsiona exploração espacial, geopolítica e busca por conhecimentos sobre a formação do sistema solar.

Após 53 dias de missão, a sonda chinesa Chang'e-6 retornou, nesta terça-feira, à Terra com as primeiras amostras do lado oculto da Lua, uma conquista que permitirá uma compreensão melhor da história do satélite. A missão — marcada por uma grande complexidade técnica, em particular as questões de comunicação — é uma das mais ambiciosas executadas pela China no espaço e destaca o mais recente sucesso do país em seu cronograma de exploração espacial.

"Às 14h07 (3h07 no horário de Brasília)", o módulo de retorno Chang'e-6 pousou "em uma área do deserto na região da Mongólia Interior, norte de China", e "tudo funciona de maneira normal", anunciou a agência espacial chinesa CNSA em um comunicado, celebrando: "Isso marca o sucesso completo da missão e é, sobretudo, o primeiro retorno à Terra de amostras do lado oculto da Lua".

Sonda chinesa retorna à Terra com amostras do lado oculto da Lua

A cápsula desceu lentamente graças a um paraquedas vermelho e branco, antes de pousar suavemente ao lado de uma bandeira chinesa, segundo imagens exibidas pela televisão estatal CCTV.

Batizada dessa forma porque não é visível da Terra, a face oculta da Lua é uma zona pouco explorada e tem grande potencial para a ciência porque suas crateras estão menos cobertas pelos antigos fluxos de lava da parte visível, além de uma crosta mais espessa. Nesse caso, a terra e as rochas extraídas pela sonda Chang'e-6 são muito promissoras para a pesquisa, pois permitirão mais conhecimentos sobre a formação e a história do satélite.

O geólogo planetário da Universidade de Geociências da China Long Xiao disse ao New York Times que a conquista é um "grande evento para cientistas de todo mundo", bem como um "motivo de celebração para toda a humanidade".

A sonda chinesa foi lançada em 3 de maio da base de Wenchang, na província de Hainan, sul da China. Quase um mês depois, o aparelho pousou na bacia do Polo Sul-Aitken, uma das maiores crateras de impacto conhecidas no sistema solar, localizada no lado oculto da Lua. Em 4 de junho, a sonda decolou com sucesso da Lua com as amostras coletadas.

O dispositivo utilizou dois métodos de coleta: uma broca para extrair amostras abaixo da superfície e um braço robótico para retirar mais material, desta vez na superfície. Também fez fotografias da superfície lunar e fincou uma bandeira da China no lado oculto do satélite.

Impacto geopolítico

A China desenvolveu consideravelmente os seus programas espaciais nas últimas três décadas, injetando bilhões de dólares no setor para alcançar Estados Unidos, Rússia e Europa. Seu programa de exploração lunar, batizado em homenagem à deusa chinesa da lua Chang'e (pronuncia-se “chong-uh”), foi originalmente projetado com três estágios: órbita, pouso e amostragem.

As duas primeiras naves espaciais, Chang'e-1 e 2, circularam a Lua, tirando imagens e mapeando a sua superfície. Chang'e-3 pousou no lado lunar visível em 2013 e, em 2019, Chang'e-4 fez o mesmo no lado oculto, também histórico, mas sem retornar para a Terra. Um ano depois, Chang'e-5 alunissou e reuniu quase 4kg de regolito lunar que foram então lançados para a Terra. A missão fez da China o terceiro país — depois dos Estados Unidos e da extinta União Soviética — a recuperar uma amostra da Lua. Em 2021, Pequim também enviou um pequeno robô a Marte.

O ineditismo e as perspectivas de intercâmbio internacional de amostras lunares realçaram a esperança de que as missões robóticas chinesas à Lua e a Marte sirvam para ajudar a avançar na compreensão científica do sistema solar. Essas possibilidades, porém, contrastam com as opiniões em Washington e outros locais, segundo as quais o feito de terça-feira é o último marco de uma corrida espacial do século XXI com implicações geopolíticas.

A China espera enviar a primeira missão tripulada à Lua até 2030 e pretende construir uma base lunar. Já o governo americano, que está em um momento de rivalidade aberta com Pequim nos programas lunares, pretende enviar astronautas à Lua até 2026 com a missão Artemis III. Nesse sentido, a missão lunar Chang'e faz parte de uma abordagem lenta e constante, bem como uma preparação meticulosa. Segundo o geólogo Yuqi Qian, da Universidade de Hong Kong, as manobras de Chang'e-5 e Chang'e-6 foram testes para as futuras missões tripuladas chinesas à Lua que, assim como as missões Apollo das décadas de 1960 e 1970, precisam pousar e depois laçar os humanos da superfície lunar.

E enquanto trabalha para levar e desembarcar sua tripulação na Lua, a estratégia de Pequim está trazendo benefícios científicos mais amplos sobre a compreensão do sistema solar. A amostra da Chang'e-5, por exemplo, era mais jovem que o material lunar recolhido pelos americanos ou soviéticos nas décadas de 1960 e 1970. É composto principalmente de basaltos ou lava resfriada de antigas erupções vulcânicas. Duas equipes chinesas concluíram que o basalto tinham cerca de dois bilhões de anos, sugerindo que a atividade vulcânica da Lua se estendia em pelo menos um bilhão de anos para além do período de tempo deduzido pelas amostrar recolhidas pelos americanos e soviéticos.

No caso das amostras que chegaram à Terra nesta terça-feira, os cientistas poderão comparar a composição desses basaltos com os do lado visível da Lua. Isso poderá ajudá-los a deduzir como a atividade vulcânica do satélite fez com que as suas metades evoluíssem de forma diferente. A equipe da missão também está procurando material de regiões vizinhas, que podem ter sido arrancadas devido a impactos de cometas e asteroides. Se forem suficientemente fortes, as colisões podem ter escavado material da crosta inferior e do manto superior da Lua, disse Qian. Isso poderia levar a conhecimentos sobre a estrutura e composição do interior lunar.

A rocha derretida desses impactos pode também fornecer pistas sobre a idade da bacia do Polo Sul-Aitken e a era em que se formou, durante a qual os cientistas acreditam que uma chuva de asteroides e cometas bombardeou o interior do sistema solar. O período, segundo Qian, "mudou totalmente a história geológica da Lua", sendo também "uma época fundamental para a evolução da Terra".

Uma nova corrida espacial?

Mas, as relações políticas tensas farão com que seja difícil para os cientistas americanos colaborarem com os investigadores chineses no estudo das amostras do lado oculto. A Emenda Wolf, promulgada em 2011, proíbe a Nasa de usar fundos federais para cooperação bilateral com o governo chinês.

Recentemente, as autoridades federais concederam à agência espacial uma isenção, que permitiu aos investigadores financiados pela Nasa solicitar o acesso à amostra do lado visível recuperada pela Chang'e-5. Mas outro projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados dos EUA, em junho, impediu as universidades com vínculos de pesquisa com instituições chinesas de receberem financiamento do Departamento de Defesa americano.

Para o futuro, a China segue com os olhos postos no polo sul lunar, onde as missões Chang'e-7 e 8 irão explorar o ambiente e procurar água e outros recursos, além da missão tripulada esperada até 2030. O programa Artemis da Nasa também tem como objetivo o polo sul lunar. Bill Nelson, o administrador da agência espacial americana, referiu-se anteriormente aos programas paralelos como uma corrida entre os Estados Unidos e a China.

Muitos cientistas rejeitam essa ideia. Segundo o geólogo planetário da Universidade de Notre Dame, em Indiana, Clive Neal, os recursos para estudar a Lua caíram depois que os astronautas americanos venceram os soviéticos na superfície lunar em 1969.

— Não gosto de corridas espaciais internacionais, porque não são sustentáveis — observou o pesquisador, questionando: — Uma corrida é para ser ganha. Depois de ganharmos, o que acontece? Penso que é importante olhar para o espaço como algo que nos pode unir, em vez de nos separar.

Vários países contribuíram com cargas úteis que voaram com a missão Chang'e-6, incluindo a França e o Paquistão. Os investigadores chineses consideraram esta medida como um bom sinal para o futuro.

"A exploração lunar é um esforço partilhado por toda a humanidade", disse o Xiao por e-mail ao jornal americano, acrescentando que espera uma maior colaboração internacional, "particularmente entre as principais nações que têm um papel espacial, como a China e os Estados Unidos". (Com AFP e NYT)

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