Julian Assange, fundador do WikiLeaks, concordou, nesta segunda-feira, em se declarar culpado de uma acusação de crime de disseminação ilegal de material de segurança nacional, uma das maiores na História do governo americano, em troca de sua liberdade, encerrando um longo e amargo impasse com os Estados Unidos. O processo foi tornado público somente durante a noite, e segundo o WikiLeaks, o australiano deixou a prisão de Belmarsh, no Reino Unido — onde passou quase cinco anos — durante a manhã após receber fiança do Supremo Tribunal de Londres, embarcando para um destino não revelado.
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"Este é o resultado de uma campanha global que incluiu organizadores de base, defensores da liberdade de imprensa, parlamentares e líderes de todo o espectro político, até as Nações Unidas. Isto criou espaço para um longo período de negociações com o Departamento de Justiça dos EUA, conduzindo a um acordo que ainda não foi formalmente finalizado", postou o WikiLeaks no X (antigo Twitter), acrescentando que mais informações serão fornecidas em breve.
Assange deverá comparecer ao tribunal de Saipan, capital das Ilhas Marianas (território americano no Pacífico), às 9h (horário local), na quarta-feira, escreveu Matthew McKenzie, funcionário da divisão de contraterrorismo do departamento, em uma carta à juíza do caso. Ao se declarar culpado, ele poderá ser condenado a 62 meses de prisão, mas tendo cumprido um período semelhante em prisão preventiva em Londres, espera-se que possa regressar à Austrália.
"Ao longo dos anos de prisão e perseguição de Julian, um movimento incrível foi formado. Pessoas de todas as esferas da vida, de todo o mundo, que apoiam não apenas Julian... mas o que Julian representa: verdade e justiça", postou a esposa de Assange, Stella, no X.
O acordo põe fim a uma batalha prolongada que começou depois de Assange, de 52 anos, ter revelado 250 mil documentos secretos do Estado americano na década de 2010. Estes incluíam material sobre a atividade militar americana no Iraque e no Afeganistão, bem como telegramas confidenciais partilhados entre diplomatas.
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Em 2019, um grande júri federal indiciou Assange por 18 acusações relacionadas com a divulgação pelo WikiLeaks de um vasto conjunto de documentos de segurança nacional. Estes incluíam um tesouro de materiais enviados à organização por Chelsea Manning, uma antiga analista de inteligência do Exército dos EUA que entregou informações sobre planejamento e operações militares quase uma década antes. Se condenado por todos os crimes, Assange poderia ter enfrentado uma pena máxima de 170 anos numa prisão federal, mas pelo acordo, ele admitiu culpa por apenas uma acusação.
Refúgio em embaixada
No início do ano, o primeiro-ministro Anthony Albanese, da Austrália, sugeriu que os procuradores dos EUA precisavam concluir o caso, e o presidente Joe Biden sinalizou que estava aberto a uma resolução rápida. Altos funcionários do Departamento de Justiça aceitaram um acordo sem pena adicional de prisão porque Assange já tinha cumprido mais tempo do que a maioria das pessoas acusadas de um crime semelhante — neste caso, os mais de cinco anos de prisão no Reino Unido.
O governo australiano disse que estava ciente dos procedimentos legais envolvendo o caso, acrescentando que o mesmo se “arrastou por muito tempo”, disse um porta-voz à AFP e à Reuters.
Assange se refugiou na Embaixada do Equador em Londres em 2012, quando o país sul-americano lhe concedeu asilo político depois que a Justiça britânica determinou sua extradição para a Suécia, onde ele era acusado de estupro. Com a ascensão de um novo governo no Equador, em 2019, o asilo foi retirado, e a polícia britânica o capturou na embaixada. Embora as acusações de estupro já tivessem sido retiradas, Assange, levado à prisão de Belmarsh, passou a lutar contra a extradição para os EUA.
Assange e os seus apoiantes argumentavam há muito tempo que os seus esforços para obter e divulgar publicamente informações sensíveis de segurança nacional eram do interesse público e mereciam as mesmas proteções da Primeira Emenda na Constituição americana, concedidas aos jornalistas de investigação.
Liberdade de imprensa
Em 2021, uma coligação de grupos de defesa das liberdades civis e de direitos humanos instou a administração Biden a abandonar os seus esforços para extraditá-lo do Reino Unido e processá-lo, chamando o caso de “uma grave ameaça” à liberdade de imprensa.
Grande parte da conduta de que ele é acusado é aquela que “os jornalistas praticam rotineiramente”, argumentou o grupo. “As organizações noticiosas publicam frequente e necessariamente informações confidenciais, a fim de informar o público sobre assuntos de profundo significado público.”
Mas as autoridades americanas argumentavam que as ações de Assange foram muito além disso, pondo em risco a segurança nacional. O material fornecido por Manning, alegaram os promotores, pôs em risco a vida de militares e iraquianos que trabalhavam com os militares e tornava mais difícil para o país combater ameaças externas. (Com NYT)