084. Como transformar seus desafios em carreira com Joanna Moura
A semana foi corrida e não deu tempo de ouvir o episódio do #DeCaronaNaCarreira? Não tem problema! Aqui eu trago meu trecho favorito do papo incrível com publicitária e escritora, Joanna Moura.
Thaís Roque: No livro você aborda uma questão super complexa que vai além do consumo, que é aprender a dizer “não” para si mesmo e para os outros. Até você menciona quando você começa a negar convites que você aceitava mesmo sem poder, financeiramente. E tem muita gente que nos escuta que não sabe se posicionar, que dica que você daria?
Joanna Moura: Eu acho que é um exercício, assim, não é uma coisa que acontece de um dia para o outro e eu acho que exige um bocado de autorreflexão, assim, você poder dizer “não”. Porque poder dizer “não” ele está relacionado a poder mesmo, não é? À autoconfiança. E quando a gente está num ugar de não confiança em si mesmo, esse desejo de aceitação do outro é muito importante, não é? Então acho que para a gente poder dizer “não” para o outro a gente tem que poder dizer “sim” para a gente primeiro. E aquele ano, acho que mais do que um exercício de não comprar, ele foi um exercício de autoconhecimento, de exploração das minhas potências, da minha criatividade. Por isso que eu falo, têm muitas camadas por traz desse exercício. Parece bobo, não é?
TR: Mas não é nada bobo.
JM: Eu vou passar um ano sem comprar, mas ele é um desafio que, primeiro, para mim parecia impossível porque era um hábito tão grande, era uma bengala emocional tão grande. Mas ao mesmo tempo a manifestação daquele desafio, o exercício de se auto fotografar todos os dias, de tentar se manter conectada com um assunto que era tão importante para mim, que era moda. Manter a minha autoestima lá em cima sem o recurso de estar trazendo coisas novas o tempo todo para o meu armário. Foi um exercício de autoconhecimento muito grande. E esse autoconhecimento que foi transformado em autoconfiança, teve impacto em todos os âmbitos da minha vida. Eu comecei a performar melhor no trabalho, eu comecei a juntar mais dinheiro, como você falou, não só porque eu não estava comprando roupa, mas porque eu estava me posicionando. Estava falando: “Olha, é isso que eu quero. O quê que isso significa? O quê que isso impacta na minha vida?”. E eu comecei a conseguir controlar mais os meus gastos em outros lugares. Eu comecei a entender o quê que realmente me fazia bem, e eu comecei a conseguir dizer não para as coisas que não me faziam bem. Então foi um exercício também de aprender a entender o quê que eu realmente gostava e o quê que eu não gostava, o quê que, como que eu conseguia lidar com as minhas frustrações de outras maneiras. Então foi esse exercício que me possibilitou a autoconfiança de também poder expressar esse “não” para as outras pessoas.
TR: É, mas às vezes o “não” ele vem ligado com uma sensação de rejeição, não é? Que você vai ser rejeitado pelo próximo, e não é sobre o próximo, nunca é sobre o próximo, é sobre a gente. Você fala muito, assim, da sensação de êxtase que você precisou ressignificar. E a relação que você tem com as compras eu tenho com a comida, tá? Eu já abri aqui no podcast diversas vezes que eu tenho transtorno alimentar, então assim, de esconder antes de chegar em casa, de comprar sem usar, no meu caso sem nem comer. Mas é uma curiosidade que eu tenho, por exemplo, você ainda cuida desse vício ou é uma coisa superada, dez anos depois?
JM: Não, eu super cuido, e eu, é engraçado você falar isso da comida, porque em vários momentos, eu percebo que eu estou conseguindo administrar a minha ansiedade e a minha compulsão por compras transferindo essa compulsão para outros lugares. Então eu também, eu tenho uma relação com comida que muitas vezes é de uma compensação, assim, absurda, eu fico completamente descompensada, eu como escondido, eu depois fico com muita culpa sobre as coisas que eu comi. Então é uma necessidade que está dentro de mim de lidar com certas coisas da vida usando artifícios externos. E eu continuo nessa busca por conseguir ter as respostas dentro de mim e não fora de mim. E com compras, óbvio, eu sei, eu aprendi nesse tempo, eu sei os meus gatilhos, eu consigo antever esse comportamento mais nocivo e eu consigo me parar antes. Mas eu estou sempre, e eu comecei a ficar mais crítica com reação a isso também, porque antes eu, quando eu comecei essa trajetória, era sobre não gastar, era sobre não ficar no vermelho.
TR: Era muito mais superficial, não é?
JM: Era muito mais superficial e era muito mais tangível. E agora eu consigo olhar e falar assim: “Gente, mas espera aí, eu não estou gastando dinheiro, mas eu estou gastando um tempo enorme olhando os sites de compra e botando coisa no carrinho e depois deixando lá. Só para satisfazer aquele ímpeto de comprar. E mesmo que eu não esteja gastando dinheiro, eu estou gastando tempo, eu estou ocupando a minha mente com um negócio que não necessariamente é o mais produtivo para mim. Óbvio que eu acho que a gente não tem que ser produtivo o tempo todo, mas assim, eu tenho que sempre trazer essa reflexão porque é o primeiro passo, assim, para eu chegar naquele comportamento lá atrás. Então, eu continuo me policiando, eu falo que, eu escrevi até um post, outro dia, sobre isso, que eu estou em estado de vigilância perene, assim. Óbvio que para mim hoje é muito mais fácil porque eu acho que a gente, à medida que a gente tomando consciência sobre as coisas, que a gente vai refletindo, a gente, de novo, consegue identificar e consegue tentar solucionar de outras maneiras, mas eu continuo tendo que ficar alerta.
TR: Eu sinto com a comida que, assim, com muita gente que eu conversei, que é uma coisa que eu vou ter que trabalhar a vida inteira. E têm médicos que já me falaram, porque assim, existem nutricionistas comportamentais, hoje existe gente que entende do assunto, não é? E eles falam para mim: “Administra o seu vício para que você não troque por outro vício.”, não é?
JM: Sim.
TR: Porque a substituição é muito comum, tanto que tem, quando as pessoas fazem bariátrica, uma coisa que as pessoas falam muito é: “Cuidado para que a pessoa não se torne alcoólatra.”, porque existe essa substituição muito grande.
JM: Caramba.
TR: É. Porque a bebida, enfim, a bebida fica mais facilmente absorvível, têm várias questões, assim. Mas existe mesmo essa necessidade de se olhar, de se escutar, de saber até onde são os seus limites, não é? Você sentiu, por exemplo, que você trabalhava mais? Porque no livro eu fiquei com a impressão que você trocou o vício da compra pelo vício do trabalho, eu fiquei com essa impressão de que você virou workaholic. Você acha isso?
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JM: Eu acho que até certo ponto sim, eu ocupei, eu tentei ocupar a minha mente com outras coisas naquele ano, assim.
TR: O que foi maravilhoso, no final, não é?
JM: É, eu acho que óbvio que foram, essa energia foi canalizada para alguns lugares que foram mais positivos e outros que foram negativos. E como foi um ano, foi um laboratório para mim, não é? Então foi um ano que eu me joguei em outros lugares e depois, por isso que, de novo, dez anos custaram para chegar em lugares de equilíbrio e tal. Então de um lado eu, sim, me joguei mais no trabalho, mas de outro eu comecei a me virar muito melhor na cozinha, eu comecei a cozinhar mais, eu comecei a curtir isso. Eu comecei a fazer muito mais programas culturais que eu não fazia, que eu fazia muito menos antes porque o meu programa default (padrão) era ir para o shopping. Então acho que teve essa experimentação, assim, de compensações. E assim, no trabalho foi um momento, eu acho que, de grande virada, assim, para a minha carreira e que foi muito positivo, assim, para mim, naquele ano, assim. Foi uma coisa que tirou a minha cabeça de onde estava, me deu aquela distração que eu precisava e me rendeu frutos legais. Mas eu acho que, sem dúvida, eu devo ter pesado a mão em alguns momentos, sabe?
TR: Inclusive para quem tem alguma condição de vício, eu estou deixando diversos links no descritivo do podcast. Existem grupos de apoio para todo o tipo, se você, assim, se sente sozinho, sozinha, saiba que você não está. É importante a gente falar disso e falar também assim, que se você precisa de ajuda buscar uma psicóloga, um psicólogo. Tem o CAPS que faz terapia gratuita, vou deixar o link no descritivo do podcast. É importante que você saiba que esse episódio pode causar alguns gatilhos emocionais. Então assim, se você não se sente confortável, não encaminhe para quem você acha que tenha o vício, mas encaminhe os links e ajude as pessoas a se conectarem com o que realmente importa para elas. Porque a história da Jô é, assim, uma grande vitória, ela passou, assim, se você ler o livro, por favor, comprem o livro, eu não quero dar spoiler aqui. Mas é uma situação de muita garra, de ter que querer muito. Então talvez alguém que você conheça esteja precisando dessa rede de apoio.
JM: Só pegando o teu gancho, Thaís, eu acho que uma das coisas mais importantes no meu processo, e eu converso com outras pessoas também que passam por outros tipos de vício e a importância dessa troca, não é? De você não passar por isso sozinho. E eu acho que tem, a gente tem um tabu tão grande que está ao redor dessa questão do dinheiro, do consumo, que muitas vezes as pessoas têm a sensação de que elas têm que passar por aquilo sozinhas, ou elas se sentem fracassadas por não conseguirem controlar as suas finanças. Elas não conseguem, elas também têm uma falta de informação com relação a isso ser, de fato, um vício.
TR: E eu acho que as pessoas, às vezes, não têm esse tipo de informação e se auto culpabilizam muito e sofrem muito isso sozinha. Eu lembro que quando eu comecei a falar sobre esse assunto, que eu não falava com ninguém, não falava com meus pais, ninguém sabia que eu tinha um problema financeiro. E quando eu comecei a falar sobre isso na internet, eu lembro que eu comecei a receber umas mensagens de umas pessoas que também não se sentiam à vontade de falar com quem estava do lado e se sentiram à vontade de se abrir comigo de uma forma mais anônima, assim, mais distante na internet. Tinha histórias de gente, assim, que literalmente vivia uma vida dupla. Eu lembro de uma história de uma menina que me falou: “Olha, eu gastei tudo que eu tinha, eu não tenho mais dinheiro de pagar a minha faculdade, mas eu não tenho coragem de contar para os meus pais que eu não estou mais tendo aula. Porque eles vão ficar tão decepcionados então eu saio todo dia de manhã e sento na praça. Então essa culpa, esse segredo, esse peso que não deixa a gente avançar, assim. Então acho muito importante essa mensagem das pessoas procurarem ajuda, e pode ser ajuda numa figura anônima, num grupo de apoio, numa terapia, ou em quem está do lado, não é? Num amigo. Eu acho que é importante a gente, em qualquer lugar que a gente se sinta um pouco mais confiante a gente dividir isso. Eu falo quando a gente divide o peso diminui pela metade e a gente começa a se abrir para possíveis soluções, para ajuda mesmo, sabe? Então acho essa mensagem muito importante, assim, realmente se você conhece alguém que passa por isso, estenda a mão, sabe? Às vezes as pessoas também, a gente se blinda muito, não é? Dos problemas dos outros, a gente acaba achando que vai ser uma invasão. E têm jeitos e jeitos da gente abordar esses assuntos e estender uma mão para alguém que está precisando. E, às vezes, o que a pessoa precisa é realmente se sentir vista, não é? Sentir que está sendo olhada, que está sendo cuidada. Porque ser cuidado é muito bom, é você saber que alguém se importa com você, que ninguém está ocupado demais, sabe? Para te observar. Porque às vezes as pessoas, é tão solitário que você fala: “Não tenho com quem falar.”, mas você tem.
JM: É.
TR: Você criou uma rede de apoio muito grande, inclusive a virtual, não é? Que te salvou em alguns momentos quando você estava à beira de desistir. Você acha que sem o blog você teria tido o mesmo êxito?
JM: Não, não teria, de maneira nenhuma. Eu acho que o blog foi uma decisão muito espontânea e acertada, assim, nem eu sabia o quanto que ia ser transformador para mim. Eu acho que, por um lado ele me ofereceu um mecanismo de me manter produtiva e próxima daquele assunto. Eu acho que eu não teria tido a força de vontade de criar, ao longo daquele ano, da maneira como eu tive. Eu não repetia um look, eu passei 366 dias e eu não repetia a mesma roupa da cabeça aos pés nenhuma vez, eu conseguia fazer uma análise combinatória tão bizarra, tinham momentos muito bizarros, inclusive, assim. Que eu queria tanto criar uma coisa diferente que eu acabava saindo que nem uma maluca na rua, com canga na cabeça.
TR: Eu vi da canga.
JM: Com roupa de festa de quinze anos. Mas aquilo me deu muita motivação, assim, era uma brincadeira todo dia olhar para o meu armário e ver: “Nossa, como que eu vou descobrir uma nova possibilidade com essas coisas que eu tenho?”. E isso foi, o blog foi o motivador disso, então eu estava ocupada fazendo compras dentro do meu armário. Então não tinha tanto tempo para pensar em coisas do lado de fora porque eu estava ocupada ali tentando criar coisas novas com o que eu já tinha. E por outro lado, é o que você falou, ele me deu essa comunidade, ele me deu uma, ele me deu milhares de vozes, de incentivo, sim. Mas também de identificação, gente falando: “Cara, eu passo pela mesma coisa.” “Nossa, se você está fazendo eu consigo fazer.” Então tinha uma coisa quase tipo: “Cara, eu vou precisar fazer, porque assim, eu não posso deixar essas mulheres na mão.
TR: Sim.
JM: E de soluções, e de informações. Então isso foi muito legal, assim, eu lembro que mais para o final, era perto do natal e eu tive que, eu tinha voltado a frequentar shopping, assim, eu não estava comprando, mas eu já me sentia preparada para entrar num shopping e poder passar ilesa. E eu tive que comprar um presente de amigo secreto, e eu lembro que eu estava na fila e alguém me tuitou, falou: “Eu estou aqui na fila da Zara e eu estou te vendo, você está comprando.” E eu achei aquilo genial, assim, eu falei: “Gente, realmente funcionou, esse experimento funcionou, as pessoas estão aqui me cobrando. Se eu estivesse pulando a cerca elas iam saber.”
Curtiu o papo com a Joanna? Eu achei um papo sincero e maravilhoso! Vambora ouvir o episódio inteiro? O link pro episódio completo tá lá nos comentários do post!