Alguém está exagerando

Alguém está exagerando

O debate global mostra visões distintas entre investidores e banqueiros centrais. Enquanto os primeiros enfatizam os estímulos fiscais, os últimos se preocupam com a ociosidade.

13 abril 2021


A pandemia tem sido fonte de surpresas contínuas. Depois de uma retração aguda seguida de uma inesperada recuperação, o debate atual é a volta da inflação no mundo. Neste caso, chama atenção a forte diferença de opiniões.

De um lado, há investidores extremamente preocupados com o risco inflacionário. De outro, bancos centrais acreditando em um choque temporário nos preços. Como ainda não há respostas para este debate, os mercados deverão continuar voláteis pelos próximos meses.

O que há de concreto até o momento é a volta da inflação. A rápida recuperação da economia global produziu simultaneamente um movimento de normalização de preços, alta em commodities e pressões generalizadas de custos gerados pela desorganização das cadeias produtivas. Estes movimentos foram reforçados no Brasil pela desvalorização cambial, resultado tanto da valorização global do dólar quanto das dúvidas fiscais locais.

A dúvida é saber a tendência a partir de agora. Para a maior parte dos banqueiros centrais, as pressões correntes de preços são vistas como temporárias. Isso porque além do esperado reequilíbrio das cadeias produtivas e acomodação no ritmo de alta dos preços de matérias primas, os impulsos fiscais estão em queda e a taxa de desemprego indica ociosidade na economia. Um argumento adicional é a tendência de queda da inflação norte-americana nas últimas décadas. Mesmo com a economia no pleno emprego em 2019, os índices de preços oscilaram ao redor da meta.

As projeções de inflação mostram que a maior parte dos analistas concorda com esta leitura. O índice de preços ao consumidor esperado para 2021 e 2022 nos Estados Unidos é de, respectivamente, 2,5% e 2,2%. Para a zona do euro, estes números são de 1,4% e 1,3%. Diante deste cenário, não haveria por que esperar uma rápida revisão de estratégia dos bancos centrais, sugerindo que o comportamento dos juros de longo prazo deve convergir gradualmente para a média dos últimos anos. Desde 2009, o rendimento oscila ao redor de 2,5%, patamar também entendido como próximo aos juros nominais neutros.

No outro extremo, há o mercado preocupado com a intensidade dos estímulos fiscais e seus impactos inflacionários. A ideia principal é que a despeito da ociosidade, a mudança dos regimes monetário e, principalmente, fiscal produza um cenário inédito e represente uma ruptura com o que se viu nas últimas décadas.

Existe, neste momento, uma convergência de opiniões, tanto ortodoxas quanto heterodoxas, em torno da necessidade de maiores gastos públicos. Além de a crise abrir espaço para políticas anticíclicas, a nova teoria monetária incentiva a expansão fiscal[1] e os juros baixos reforçam a tese de que o aumento de dívida não implica problemas de solvência[2]. Neste caso, o único freio para a expansão fiscal seria a inflação.

Por este aspecto, a política monetária não ajuda a acalmar os mercados. Desde 2020 o banco central norte-americano passou a usar uma média plurianual como meta, o que implica uma gestão de política guiada mais pela inflação passada que pelas expectativas, ou seja, uma postura de maior tolerância com a alta de preços.

Outro fator de incerteza é o comportamento do mercado de títulos. A expansão fiscal e o fim do programa de compras do FED podem levar a um desequilíbrio entre oferta e demanda de papéis, justificando altas mais expressiva dos rendimentos das treasuries. Quanto maiores os estímulos fiscais e os riscos inflacionários, mais rapidamente a estratégia de aumento de balanço do FED seria revista, pressionando os mercados. Todos estes argumentos apontam para a continuidade da alta recente dos juros de 10 anos.

O debate no Brasil é parecido. Para o Banco Central, o atual movimento de política corresponde a um realinhamento moderado e pontual da taxa de juros. A retomada forte da economia no segundo semestre de 2020 e os choques no início do ano tornaram os estímulos excessivos e incompatíveis com os riscos inflacionários. Ao mesmo tempo, o hiato de produto e as expectativas de inflação de 2022 permitem um realinhamento gradual dos juros, mantendo os estímulos de política.

É o que refletem as projeções. A mediana das expectativas projeta uma normalização gradual da taxa de juros, alcançando 5,25% ao final deste ano, 6,0% em 2022 e 6,5% apenas em 2023.

Para os investidores, diferentemente, a preocupação é que a piora do risco fiscal impeça uma reversão relevante do câmbio e mantenha as pressões inflacionárias. Da mesma forma, o fato de não haver mais desvios de inflação e de crescimento no horizonte relevante de política sugere que os juros deveriam estar próximos ao seu nível neutro já no início de 2022, ou seja, algo próximo a 6,5%. Com isso, os mercados de juros futuros embutem valores mais elevados para a Selic, próximos a 6,5% e 9,0% em 2021 e 2022.

As diferenças de leituras no Brasil e no mundo, portanto, se resumem à questão da ociosidade e do estímulo fiscal. Enquanto os bancos centrais temem retirar precocemente os estímulos, os investidores receiam que eles sejam prolongados por mais tempo que o necessário. Ou há excesso de complacência dos governos ou preocupações exageradas de mercado.

Infelizmente, este debate não deverá ser resolvido rapidamente. A inflação acumulada em 12 meses continuará subindo ao longo dos próximos meses e os diferentes ritmos de vacinação dificultam a leitura sobre a intensidade da ociosidade e dos estímulos fiscais. Com tantas incertezas, é difícil dizer quem está exagerando.


[1] Fullbrook, E., Morgan, J. “Modern Monetary Theory and its critics”, World Economics Association Books, 2019.

[2] Blanchard, O. J.”Public debt and low interest rates”, NBER, Feb/2019.



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