CBDCs: revolução ou evolução?
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CBDCs: revolução ou evolução?

Central Banks Digital Currencies, as famosas CBDCs, talvez sejam um assunto tão quente quanto a revolução que as criptomoedas prometem trazer. Mas estamos falando de uma revolução ou uma evolução da moeda no formato que conhecemos hoje?

Eu enxergo que as moedas digitais dos bancos centrais, assim como o nosso futuro real digital, serão habilitadores e facilitadores para que outras tecnologias e infraestruturas sejam acessíveis e se tornem populares.

Além da substituição do dinheiro em papel, as CBDCs abrem espaço, por exemplo, para a tokenização de outros ativos (NFTs), trazem a adoção de redes de DLT e uso de smartcontacts, permitem casos de micropagamentos entre devices com IoT e 5G, além de abrir espaço para casos de finanças descentralizadas (DeFi).

Para termos essa discussão de revolução vs. evolução, gostaria de compartilhar nesse artigo um pouco das principais motivações dos governos e Banco Centrais ao redor do mundo em começarem a experimentação ou até mesmo traçarem planos ambiciosos para suas moedas digitais.

Motivações para o uso de CBDCs:

Existe de fato motivações comuns à implementação de CBDCs nos países. Dentre elas estão:

  • Inclusão financeira dos desbancarizados. Com um número cada vez maior de smartphones e acesso à internet, uma forma inteligente de bancarizar a população é permitindo que a entrada para o mundo financeiro seja transformando seus celulares em carteiras de CBDCs onde podem fazer pagamentos digitais. Importante frisar que essas carteiras não necessariamente precisam ser bancos tradicionais, e sim players que sejam autorizados frente ao BC de cada país a fazer isso.
  • Inclusão de uma economia que acontece "nas sombras" Hoje, principalmente em países emergentes, uma grande parte da economia acontece com pagamentos em dinheiro que não são visíveis ao governo e por consequência recolhimento de impostos e taxas. Digitalizando o dinheiro através das CBDCs e tendo seu uso popularizado, essa economia passa a se tornar visível. Um estudo conduzido em 2018 pela Universidade de Linz indica que entre as 20 maiores economias do mundo, a "economia nas sombras" chega a significar 10% do GDP desses países.
  • Maior controle e rapidez para o pagamento de auxílios do governo. Com contas em CBDCs diretamente ligadas ao Banco Central, o pagamento de auxílios do governo se tornaria mais fácil. Fora isso, poderia ser aplicado um controle da onde aquele dinheiro poderia ser aceito. Por exemplo, um auxílio para compra de gás poderia ser aceito somente em lojas que vendessem esse produto. Isso evitaria fraudes no recebimento e garantiria o uso correto do auxílio pela população.
  • Evitar falsificação de cédulas. Uma CBDC seria registrada em uma rede DLT seguindo o mesmo princípio de imutabilidade e rastreabilidade, sendo assim praticamente impossível de ser copiada e pirateada. Falsificação de cédulas sempre foi um problema desde que o dinheiro na sua forma que conhecemos existe. Na China, por exemplo, as notas traziam ameaças de execução em público dos falsificadores. 
  • Pagamentos cross-border seriam mais rápidos e baratos. Por causa das sanções colocadas contra a Rússia por causa da guerra, muitos ouviram falar pela primeira vez do SWIFT. O SWIFT foi criado em 1973 conectando as instituições globais em um protocolo de mensagens padronizado e permitindo que instituições pudessem realizar transferências de dinheiro entre eles É um padrão antigo, lento, caro, difícil de ser trackeado. Implica que informações e ações que estão em sistemas completamente diferentes e que não estão sincronizados. Isso implica em erros, riscos de segurança e problemas técnicos. Isso mudaria em um cenário onde cada país tivesse sua CBDC. Ao invés de trocar entre contas efetivamente dinheiro, aconteceria o envio de tokens que representam cada uma das CBDCs. Esses tokens com lastro e imutáveis seriam transmitidos via uma rede DLT e Blockchain, tornando toda a cadeia mais segura e ágil.
  • Habilitar pagamentos digitais de maneira offline. Existe ainda um grande desafio de incluir financeiramente uma parte da população que não tem acesso apropriado à internet e à tecnologia no Brasil. Pensando nisso, o BCB no seu programa de aceleração Lift Challenge voltado para o real digital, está trabalhando com ideias que permitam que pagamentos com o real digital e suas carteiras sejam feitos de maneira offline pelos participantes.

Como algumas CBDCs têm evoluído pelo mundo?

Bahamas > Sand Dollar

Bahamas é um país no Caribe composto por mais de 700 ilhas. Em Outubro de 2020 foi o primeiro no mundo a lançar nacionalmente sua CBDC, o Sand Dollar. A iniciativa visa incluir financeiramente a população e melhorar o sistema de pagamentos atual, o qual é baseado em um economia onde o Bahamian dollar é atrelado ao dólar americano e onde o dólar americano circula principalmente por causa do turismo. Embora a CBDC tenha garantias de privacidade, as autoridades reforçam que o fator de anonimidade que o dinheiro dá não é replicado.

Suécia > E-Krona

O projeto do e-Krona surgiu em 2017, suportado pelo Riksbank na Suécia. Em 2018 o país teve um volume de somente 13% das suas transações realizadas em dinheiro. Possuem uma meta de em 2030 extinguir totalmente o dinheiro físico. Com uma agenda e um comportamento do consumidor tão acelerado em deixar de usar o dinheiro no formato físico no curto prazo e já aderente à formas digitais de transacionar, gerou-se uma dependência enorme de toda a sua economia de varejo baseada em um único sistema de pagamentos. O governo vê a sua CBDC como uma forma alternativa, criando mais um trilho para que pagamentos sejam realizados no país.

 China > E-CNY

Também em 2017 o governo chinês iniciou seu projeto de CBDC através do Instituto de pesquisa sobre Digital Currency com o foco da sua CBDC em retail payments, interbank clearing e cross border payments. Com o crescimento exponencial das empresas Alipay e Wechat Pay, sendo usado vastamente pelos chineses como solução de pagamento, o governo se preocupou em ter uma solução vinculada ao seu BC e bancos tradicionais, garantindo a sua relevância na economia de varejo. Além disso, eles entendem que uma CBDC pode promover a internacionalização da sua moeda, sendo usada em pagamentos cross border a um custo baixo e com transações rápidas. Um ponto interessante é que no teste que eles realizaram, foi descoberto que o uso de blockchain e DLT para "processar" um alto volume de transações não foi bem sucedido, fazendo com que a escolha fosse trabalhar com tokens digitais que seriam distribuídos e transferidos via os trilhos tradicionais dos bancos. O e-CNY traz uma preocupação sobre a privacidade no uso da CBDC. Para tentar mitigar essa desconfiança, o governo chinês permite que o usuário tenha uma carteira ligada somente ao seu número de telefone para fazer a gestão do seu saldo.

Outros exemplos são a Rússia que tem trabalhado com criptomoedas para fugir das sanções globais. Países com economias dolarizadas na América Latina, acabam olhando cripto e CBDCs como uma oportunidade de retomar o controle da sua moeda. Países com alta inflação tendem a usar CBDCs para controlar o valor da moeda também.

Formato de emissão das CBDCs

Mesmo que o Banco Central seja o emissor da CBDC, na grande parte dos casos que existem o mesmo deu a responsabilidade aos players já existentes no ecossistema para não só fazer a gestão do CBDC, como também cuidar da estrutura de validação de transações. É importante falar que isso aconteceu até em países que escolheram a validação dos pagamentos usando DLT e blockchain. Ao invés de terem uma rede descentralizada, preferiram uma rede centralizada com o próprio BC ou agentes autorizados para fazer a validação das transações.

E a privacidade?

O que acontece com a privacidade e a anonimidade no mundo das CBDCs? Dificilmente encontraremos o espelho do mundo do dinheiro nesses dois fatores. Embora os governos trabalhem para que as transações realizadas com suas moedas digitais sejam privadas, as CBDCs suportam governos a evitar crimes como lavagem de dinheiro, tráfico de armas e drogas, roubos, entre outros. Logo, tornar transações completamente anônimas tiraria de cena talvez um dos propósitos mais importantes de uma CBDC para a sociedade.

Futuro dos players atuais:

Eu acredito que as CBDCs trarão uma infraestrutura mais moderna e atual a qual players atuais poderão usufruir para pensar em novos produtos e trazer valor para o cliente.

Estamos falando de possibilidades até então pouco exploradas como a criação de novos fluxos de pagamento usando smartcontracts, uma nova economia de pagamentos com tokens e NFTs, e até a oferta de produtos financeiros mais personalizados e com menos burocracias via Defi. Esses são só alguns dos exemplos de um mar de possibilidades que se abre.

A chegada do Real Digital dificilmente substituirá pagamentos na forma que conhecemos hoje, mas sim ampliará uma série de oportunidades que vão desde a inserção e criação de novos casos de pagamento, como também a inclusão financeira de uma parte da população que está à margem.

Os players atuais, assim como vemos em países que já avançaram com o estudo das suas CBDCs, terão um papel fundamental para gerar inovação e valor para o cliente frente à nova moeda digital.

Eu enxergo um mundo de novas possibilidades rumo à democratização de pagamentos e serviços financeiros em que a evolução e a revolução andam lado a lado para alcançar o melhor para a nossa sociedade.




Fabio Seixas

CEO na Softo - DevTeam as a Service, desenvolvedor, eu te ajudo a prosperar com software customizado. #software #cloud #ia #web3

1 a

Duda, obrigado por compartilhar

Paulo Augusto de Souza Cezar

MSc in Political Economy | Executive Manager of Sustainability and Development Economics

2 a

Legal, duda! Só não ficou claro pra mim como essa nova moeda traria mais eficiência para o processo de inclusão financeira, posto que já existem ecosistemas bancários com estrutura digital e que a maioria dos playera que trabalham nessa frente já não são os bancos tradicionais.

Marcelo Queiroz

Head New Ventures - Embedded Finance @ClearSale

2 a

Muito legal Duda Davidovic ! Concordo muito com esta visão! ClearSale em conjunto com Mercado Bitcoin e CPQD estão trabalhando como consórcio em um dos projetos selecionados no LIFT Challenge Real Digital para validar modelos aplicáveis de utilização do CBDC brasileiro, o nosso FUTURO Real Digital.

Muito legal! Visão muito alinhada do que temos de expectativa. Banco Central já se mostrou capaz de executar… agora é só ajudar nesta transformação!

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