Crise climática - Saídas do labirinto
Esse texto poderia ser lido com uma palavra antes de toda frase: Infelizmente.
Infelizmente, a crise climática é pauta. Infelizmente é pauta, depois de tantos anos, porque a situação é crítica. Há quanto tempo sabíamos que se tornaria crítica?, depende da pessoa que responder essa pergunta. Há cientistas que têm certeza absoluta há décadas, mas há também quem ainda nega. Infelizmente existem, são poucos, mas infelizmente estão no poder.
Infelizmente, há eventos climáticos extremos quase todos os dias (tufões, enchentes, desabamentos, tsunamis, furacões) e constatações de alterações climáticas perenes e graves como a duração e intensidade de secas e geadas. A crise hídrica é parte da crise climática, e a crise climática é parte de uma crise sistémica, como são também a pandemia do COVID-19 e os resultados das eleições.
As saídas da crise
As soluções para a crise são soluções no plural e consistem numa lista extensa.
A maioria é tecnologicamente simples, algumas de ação rápida, outras demoram anos. Vou percorrer algumas, apenas para começar uma discussão.
Agroecologia
A melhor forma de manejo sustentável da terra tropical é a agroecologia. Nenhum plantio de monocultura é mais eficiente e produtivo do que o plantio de agroflorestas. Ou seja, seriam necessárias uma reforma agraria integral e a restituição de terras a quem sabe como trabalhá-las de maneira produtiva e sem necessidade de defensivos tóxicos. O monocultivo, no entanto, existe porque a indústria de alimentos, bebidas e biocombustíveis demanda. Terras mono cultivadas degradam a biodiversidade e as fontes de água, além de demandar irrigação excessiva. Já a agroecologia reduz e quase dispensa a necessidade de irrigação, sendo em muitos casos capaz até de recuperar aquíferos.
Será evidente para alguns que o desmatamento é exatamente o movimento contrário à agroecologia. Um derruba a floresta, o outro a restitui.
Energia renovável e eficiência energética
A energia limpa deve ser um direito do cidadão, o qual os Estados devem ser capazes de garantir; se não gratuitamente, a um preço justo. Também, o cidadão deve ter acesso à informação sobre a eficiência dos aparelhos que compra e o impacto ambiental dos produtos que consome. O mercado deve disponibilizar a informação de maneira clara, o consumidor usar a energia de maneira eficiente e o Estado garantir e fiscalizar o processo.
Na oferta, projetos de energia solar, eólica e hidrogênio verde devem ser prioridade para compor de maneira robusta as matrizes energéticas regionais e nacionais. Com incentivos, com benefícios, com vultuosa pesquisa e desenvolvimento.
Na prática, a matriz é cada vez mais térmica, custosa e poluente. Os aparelhos comercializados na America Latina são ineficientes em comparação aos pares em outras regiões em desenvolvimento. Nem a produção da cesta básica está otimizada energeticamente.
Biocombustíveis e transporte eficiente
Biogás, biodiesel e etanol são prioridades, porém não podem passar por cima dos alimentos. As extensões de terra pensadas para produção de etanol devem ser minuciosamente planejadas para não concorrer negativamente com a produção de alimentos. Considerando todas as espécies: milho, cana, mamona, soja, entre outros.
O biogás é uma fonte que pode ser abundante, eficiente e limpa. Somam-se aqui a biodigestão de resíduos orgânicos e de lodos de saneamento básico, tanto em pequena quanto em larga escala. Pode não ser evidente, mas a produção de biocombustíveis está relacionada com consumo de água em grandes vazões: irrigação, tratamento, reuso.
Gestão avançada da água
Nenhum reservatório de água deve ser prejudicado e novos reservatórios de água devem ser construídos.
A vida na terra depende diretamente da água. Nenhum planeta ou corpo celeste conhecido conta com água em condições de pressão e temperatura que permitam a vida de espécies. Não faz nenhum sentido gastar mal a água. Piscinas de luxo, jacuzzis, saunas, chuveiros ineficientes deveriam deixar de existir. Estratégias de gestão de resíduos humanos sem uso de água devem ser prioridades, não faz nenhum sentido usar o líquido vital do planeta para escoar dejetos humanos. No pior dos cenários, quando for necessário o esgotamento sanitário, toda essa água deve ser tratada, e os sólidos processados como fertilizantes, combustível ou material de construção.
A água chuva deve ser bem aproveitada e sua qualidade melhorada, inclusive para potabilidade.
Gestão avançada de resíduos
Falou-se já dos resíduos orgânicos, todos eles devem ser compostados ou fermentados em biodigestão.
A maioria de resíduos sólidos precisa ser reutilizada e reinserida nas cadeias produtivas. O restante, reciclado. A incineração não é uma saída viável, ela já foi testada em países mais desenvolvidos. que recuaram por causa de graves efeitos.
Sobre upcycling e gestão de resíduos temos muito a construir e aprender. Da mesma forma que a energia, os materiais escasseiam, são um circulo vicioso.
Recomendados pelo LinkedIn
Autossuficiência
Nenhuma solução global de produção ou comércio a longa distância é sustentável. Precisamos ser autossuficientes em menores áreas. Isso significa reduzir gradativamente o volume e o valor de importações e exportações. Tanto intercontinental quanto internacionalmente.
A distribuição de produtos globalizados, como celulares, computadores e algumas máquinas estão próximos de atingir o dobro da necessidade por pessoa.
Gostaria de imaginar o seguinte: se todas as pessoas aptas tivessem o direito de ter e usar um telefone celular, nenhum aparelho adicional deveria ser construído, além daqueles eventualmente necessários para repor os que por infortúnio quebrassem. Estaríamos pensando em um único modelo de celular, que atendesse as necessidades consideradas essenciais e fosse simples de reparar. A mera discussão sobre o que é e o que não é essencial não permitiria que entrássemos em consenso, e acabaríamos optando pela nossa opção atual: aceitar que exista uma infinidade de modelos estrategicamente planejados para quebrar e/ou ficar obsoletos, e montar barracas em frente das lojas que irão lançar o novo iPhone. Algo bastante pouco compreensível, olhando em perspectiva.
A autossuficiência passa pela adequação às possibilidades do entorno, sem moralismos. Possibilidades de moradia, renda, lazer, alimentação, tecnologia. O que é possível, será; o que ainda não é possível; tentaremos de novo.
Por que não estão acontecendo, então?
Algumas dessas saídas são mais fáceis que outras, claro, mas a pergunta é: por que nada parece mudar radicalmente?
Queiramos ou não, na escala global, principalmente pela manutenção da geopolítica e pela macroeconomia de combustíveis e commodities.
Muito já se falou sobre o fato de a crise climática -e a crise sistémica- fazer parte do jogo sujo da relação Norte-Sul Global. O conflito prevalece também Sul-Sul, e até internamente nos países, mas a maior parcela das injustiças climáticas se deve ao acúmulo de riqueza do Norte em desfavor da extração de recursos e mão de obra do Sul.
Esta relação se desdobra em todos os setores. Piores sistemas energéticos, piores sistemas de transporte, piores habitações, pior gestão de recursos. As soluções, no entanto, não devem objetivar garantir ao Sul a "qualidade de vida" do Norte, em hipótese alguma! É uma questão de desbalanceamento em níveis inaceitáveis e impraticáveis, cuja solução passa por buscar o equilíbrio entre o bem-estar coletivo e as liberdades individuais.
Na escala nacional, aparecem - de novo, infelizmente- o enriquecimento ilícito, a corrupção, a distribuição desigual das riquezas. Tem alguns motivos para eleger e apoiar uma proposta política extrativista: de um lado, há os que utilizam a democracia para benefício próprio, do outro, tem os que ignoram absolutamente tudo, e ainda há quem precisa somente garantir seu sustento. Uma grande empresa térmica a carvão pensa no lucro dos seus sócios, as famílias que nela trabalham e beiram a subsistência ou quem consome e paga por energia acabam nem sabendo de nada, por exemplo.
Na escala de indivíduos e famílias, sem sequer perceber, mantemos uma luta de classes e de narrativas de sucesso que colocam o consumo e a posse como caminhos para demonstrar alguma coisa. Ainda que tenhamos responsabilidades como consumidores, o mercado é violento, obsoleto por programação, e algumas opções se tornam dificílimas de por na prática.
A transição energética como mito tecnológico vs. a justiça energética como direito
A "sustentabilidade" foi sequestrada pelo desenvolvimentismo, e corremos o risco de que a transição energética seja também.
Dentro dos planos governamentais da America Latina, infelizmente se mantém a preservação de negócios extrativistas, como o agronegócio e a mineração. Na agenda da transição energética, são perceptíveis os planos que falam de geração eólica e fotovoltaica, várias "cores" de hidrogênio, e muita, muita digitalização: 4.0, 5.0, infinito.zero.
Pode soar a verdade incomoda, mas um processo de transição energética verdadeiro deve passar por transições dos modelos econômicos em cada região. Desde a raiz mesmo, avaliarmos quanto os negócios são viáveis ou não a longo prazo, e tomar decisões como as que ingenuamente cito aqui. A transição só será bem sucedida se for democrática e justa, em relação aos direitos humanos mas também aos direitos da natureza.
Pensar em hidrogênio verde enquanto se concessionam usinas incineradoras e térmicas fósseis é uma confusão, uma torpeza.
Não há receituário nem vacina
Não dependemos de um grande desenvolvimento científico para encarar os desafios de nossa época, a maior parte das soluções já é madura e estável. Cair nesse mito é ceder espaço para novas dependências.
Eu não posso deixar de registrar que há muito nas antigualhas a ser resgatado, e muita inovação que temos que reconhecer que foi por um caminho torto. Aos plásticos, aos combustíveis fósseis, buscar alternativas e começar escrever crônicas. Pensar como readequar os processos produtivos e o que deve parar em museus.
Não deveríamos acreditar em cantos de sirene ou soluções "bala de prata", porque não existem. Temos muitas saídas, uma pluralidade que se constitui como um pluriverso. Perpassa nossas vidas e as das gerações que chegaremos a conhecer.
Seremos capazes de reconstruir? Muitos e muitas no nosso continente não conhecem nada mais do que ruinas, a ponto de não ter mais medo delas. Um mundo novo requer nossa criatividade para soltar as amarras dos mercados.
Voltar um pouco atrás, sim, para tomar bastante impulso, caso necessário.
[Essa entrada é de caráter pessoal e não representa a opinião das empresas em que atuo. Veja mais entradas no blog]
Estratégia de Pessoas | Cultura Corporativa | Gestão de Pessoas
1 aHamilton, Obrigado por compartilhar.
Sócio Executivo na V4 Company
1 aObrigado por compartilhar 👏👏👏
CEO na TT & Co.| Sócio na TribuTTax | Sócio na Ferraz Advogados | Consultoria Tributária | M&A | Reestruturação Societária
1 a👍👍
Founder & CEO @UmbrellaTalent e Consultora Sr na rede @Prime Futuração Empresarial | Recrutamento e Seleção de Alta Performance | RPO | Gestão Inteligente de Benefícios
1 a👏👏☂️☂️
Proprietário na glucklive.com
1 aObrigado por compartilhar!