Déficit sincero não é superávit

Déficit sincero não é superávit

Por Carlos Alberto Sardenberg 

Não está entre as opções de um governo legalmente instituído essa de produzir um orçamento manipulado

Então, ficamos assim: o governo da presidente Dilma poderia ter apresentado um orçamento com superávit de mentira. Em vez disso, teve a coragem de fazer um orçamento com déficit de verdade. E se não mentiu, teve o mérito de ser sincero.

É o que nos dizem representantes do governo, aplaudidos por aliados e até adversários. Muitos se declararam positivamente surpreendidos por tal realismo.

Mas, gente, vamos reparar: não faz o menor sentido. Não está entre as opções de um governo legalmente instituído essa de produzir um orçamento manipulado. O que nos leva a outra pergunta: como tanta gente pode considerar que seria uma alternativa possível?

Resposta simples: porque o governo Dilma 1, sob o comando de Guido Mantega, apresentou não um, mas diversos orçamentos não realistas, digamos assim, para não ofender ninguém. No ano passado, depois de prometer sucessivos superávits, o governo entregou um déficit equivalente a 0,6% do PIB.

Mas a presidente Dilma iniciou seu segundo mandato prometendo um ajuste fiscal. Parecia sincera. Tanto que nomeou para o Ministério da Fazenda o economista Joaquim Levy, conhecido no Brasil e lá fora como ortodoxo. Para ele, o equilíbrio sustentado das contas públicas, mantendo-se a dívida em níveis prudentes, é a base necessária de qualquer outra política.

Sua nomeação teve ainda um caráter simbólico. Levy foi secretário do Tesouro no primeiro governo Lula, quando, sob o comando de Antonio Palocci na Fazenda, se fez o maior superávit primário da era do real.

Logo, todo mundo pensou, a começar por Levy, que a mudança do Dilma 1 para Dilma 2 seria passar de déficit para superávit.

Pois estavam todos enganados. A mudança era de um superávit falso para um déficit assumido. Ou, de um déficit escancarado. Os números são até parecidos. Na projeto de orçamento/2016 enviado ao Congresso, estima-se um déficit primário de R$ 30 bilhões, ou 0,5% do PIB — praticamente o mesmo resultado obtido no ano passado.

Reparem: na sua primeira projeção, no começo do ano, a equipe econômica (Levy e mais o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa) estipulou meta de 1,1% do PIB de superávit para 2015 e de 2% para os dois anos seguintes.

Depois, verificados o tamanho da recessão, com queda de receita, e o tamanho maior do rombo deixado pela administração anterior, as metas de superávit foram revistas (0,15% para este ano e 0,7% para 2016). Levy já não gostou.

Com os sucessivos fracassos do ajuste fiscal imediato — o Congresso aumentando gastos em vez de cortar e a presidente Dilma se recusando a enterrar a tesoura na despesa do Executivo —, ninguém mais acredita em superávit neste ano. E para consolidar essa percepção, Levy e Barbosa entregam ao Congresso o déficit sincero de 2016. Levy também não gostou, mas a palavra final nisso foi de Dilma, com o apoio de Barbosa.

O dólar subiu forte, sinal clássico de expectativa negativa. Andaram reclamando dos mercados. Mas o que queriam? Um déficit sincero continua sendo um déficit com todas as consequências desastrosas, especialmente o aumento da dívida pública, que já veio elevada por conta dos superávits mentirosos.

Talvez ninguém tenha ficado mais decepcionado com isso do que o ministro Levy. Seu estado de espírito apareceu no day after com uma análise bem pessimista da economia brasileira. Chegou a comparar com o início dos anos 80, a pior das décadas perdidas, quando houve uma combinação de juros altos internacionais com a queda do preço das commodities exportadas pelo Brasil, que quebrou duas vezes.

Foi meio exagerado. Há agora uma fortíssima queda no preço das commodities brasileiras e os EUA vão subir juros, mas hoje o Banco Central tem reservas de mais de US$ 300 bilhões, o que afasta o risco de moratória da dívida externa. E o Brasil fez duas naquela década, 1982 e 87.

Por outro lado, o gasto do governo federal era bem menor (abaixo de 10% do PIB), com receita de impostos totais em torno dos 20%. Hoje, o governo federal gasta 21% do PIB, sem contar as transferências que faz a estados e municípios e sem contar pagamento de juros. Tudo somado, o setor público torra perto de 40% do PIB. A carga tributária para pagar isso chegou aos 37% do PIB e a dívida bruta, tomada para cobrir os rombos, se aproxima dos 70%.

Ou seja, as contas internas chegaram a um limite dramático — e foi essa sensação que o ministro Levy tem tentado passar. “A ficha tem que cair”.

Pois enquanto ele dizia isso, seu colega do Planejamento, Barbosa, sustentava: o pior da crise está passando; a recessão acaba no último trimestre deste ano; os investimentos voltam no primeiro semestre de 2016; e o consumo das famílias recupera fôlego no segundo semestre. É exatamente o discurso de Dilma: uma dificuldade passageira, e o Brasil logo volta ao ciclo de crédito e consumo, os ingredientes da farra de gastos do Lula 2 e Dilma 1.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

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