Discurso autorreferencial como estratégia de agências de comunicação. Funciona?

Discurso autorreferencial como estratégia de agências de comunicação. Funciona?

Na minha bolha particular de jornalista, tenho observado que se tornou mais intensa a quantidade de postagens de agências de assessoria de comunicação cujo conteúdo é o próprio negócio. Com um diferencial: se antes o foco era no cliente, agora a mensagem está centrada em um discurso em que predomina a autorreferencialidade. Na prática, trata-se de uma estratégia de construção da “imagem de si”, para assegurar seu lugar ao sol no competitivo mercado da comunicação corporativa.

Assim, conceitos sobre gerenciamento de crise, imagem, reputação, relacionamento com a mídia e, digamos assim, o modus operandi de cada empresa têm ganhado mais e mais espaço. Tradicionalmente atuando em bastidores, as “assessorias” passaram a falar mais delas próprias, a fim de se tornarem (re) conhecidas, ou mesmo para tentar pagar as contas no fim do mês, principalmente no contexto de crise econômica agravado pela pandemia de covid-19.

Dentre as práticas que tenho visto mais no Instagram (rede social que priorizo no momento), as principais são: postagens e stories sobre conceitos que, em tese, interessariam mais a jornalistas, relações-públicas, publicitários e que tais; cobertura de eventos de clientes; post enunciando marcas que integram a carta de clientes da agência; dicas de filmes, livros, podcasts sobre o universo da comunicação/marketing; registro de visitas presenciais ou reuniões on-line com assessorados e parceiros diversos; enunciados sobre propósito da empresa; bastidores de produção e de coberturas de entrevistas da clientela.

A mudança de sentidos percebida na estratégia das assessorias de comunicação, de certo modo, trata-se de uma guinada empresarial com vistas a direcionar os holofotes para o “saber-fazer” de cada empresa. É como se o foco no próprio umbigo, em sua própria realidade, abrisse novas janelas de oportunidades. É o eu-assessor (a) dizendo por meio de seus canais: Ei, olha aqui! Veja como eu domino essa área, como cuido bem dos interesses do meu cliente, como sei fazer e acontecer!

Ao optar por um discurso autorreferencial, o jornalista/relações-públicas muitas vezes também abre sua vida pessoal — e não apenas o cotidiano da própria empresa — para o olhar do outro. Partilha com o público momentos de lazer, revela intimidades relacionadas à saúde, expõe relacionamento afetivos. Faz uso de estratégias de influenciadores digitais e porta-se como tal. Em alguns casos, percebo que se trata do estilo do profissional; noutros, fico em dúvida se não seria apenas uma tática de marketing para buscar uma maior aproximação com potenciais clientes.

De modo geral, o fenômeno do discurso autorreferencial pelas agências de comunicação (facilitado pelas inovações tecnológicas, óbvio) busca reforçar ou construir uma imagem. Mesmo quando aparenta ser algo orgânico, envolve planejamento estratégico e é conduzido de modo a fazer com o que público perceba ali um referencial de qualidade, agilidade, modernização, personalização, eficiência, visão estratégica, ética, credibilidade.

Tal caminho me parece uma forte tendência, pois vejo mais e mais colegas adotando tal prática. Além de acompanhar o sucesso dos amigos, as postagens autorreferenciais contribuem para que eu me atualize sobre algum tema, ou relembre o que já sei. Se esse movimento funciona do ponto de vista de captação e fidelização de clientes, ignoro. Mas digo logo aos amigos: estou gostando e aplaudindo. Continuem!


(Artigo publicado originalmente no jornal A União, edição de 11 de outubro de 2020)

Maria Socorro e Silva

Jornalismo - marketing digital - estratégia - escrita

4 a

Muito boa reflexão, Angélica. Eu vejo o seguinte: há especialmente dois modos das pessoas saberem que você é bom em alguma coisa...você mesmo dizendo ou outra pessoa dizendo. Dependendo de quem diz, isso influencia totalmente uma decisão - de compra, inclusive. Eu acho que as duas formas estão corretíssimas! Sobre essa mistura de jornalista com influenciador, voltamos às raízes, afinal, jornalistas são influenciadores desde que o mundo é mundo - e acho que essa prática tá no pacote de renovação da forma de fazer negócios... afinal, quem entra nessa seara tem que perder mesmo o medo de falar de si, de se expor (claro dividindo o pessoal do profissional - se é que tem como), de se vender como negócio. Tem que ter cuidado porque rede social, como o nome diz, é SOCIAL. Não é só falar do próprio umbigo porque uma hora vai cansar - deve-se abraçar causas, até para se tornar referência. Eu acredito nesse movimento de autopromoção como uma virada no jogo do jornalista tradicionalmente passivo que fala muito bem dos outros, mas não sabe falar de si. A pandemia trouxe um bocado de coisa positiva - e essa é uma delas - principalmente para quem trabalha com o digital, trouxe inclusive mais negócios. Eu como freela, desbravando esse mundo cão, não tenho do que reclamar. Mas é preciso estudar e planejar, como você bem destacou.

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