“E se não der ruim?” “Já deu.”
Eu recebi essa imagem por Whatsapp. Falem quem criou isso e eu dou os créditos aqui.

“E se não der ruim?” “Já deu.”

Eu juro que eu precisava escrever isso, ou eu ia explodir de dar risada. Mas não por ser engraçado, não me levem a mal: mas por estar bastante desesperada e desconsertada da cabeça com a audácia de um grupo de publicitários que não se perguntou “e se der ruim?”.

E não, a estética não é o principal ponto da minha crítica, por mais que seja um pouco... desencorajadora – se era para trazer uma vibe de “esperança e reinvenção”, o vídeo trouxe uma vibe de “impotência e caos” – “O que eu tô fazendo com a minha vida que não criar um movimento artístico que será comentado daqui a 50 ou 100 anos?” “Como a minha criatividade vai acabar com a COVID-19?”. E, por mais que a criatividade seja originada do caos, ainda assim o mal gosto impera em todas as frentes.

A primeira afirmação que eu posso fazer é: não tinha ninguém para avisar.

E eu tenho quase 100% de certeza de que pouquíssimas ou nenhuma pessoa não-branca foi ouvida sobre isso. Nenhuma pessoa LGBTQIA+ foi escutada sobre isso. E, se há mulheres nessa ficha técnica, acredito que elas tenham sido silenciadas de alguma maneira.

Acontecimentos como a Inquisição, a Escravidão, as 1ª e 2ª Guerras Mundiais, Ditadura, o Levante da KuKluxKlan e tantos outros acontecimentos citados no vídeo representam crises humanitárias graves, que partiram de figuras de poder ao longo da história – figuras estas que ainda têm sua parcela de poder na sociedade: Igreja Católica e homem branco hétero cis.

E quando não, ainda temos o feminismo resumido a vaginas, com a Simone de Beauvoir. E o agradecimento aqui é à 2ª Guerra Mundial: faltaram beijar os pés de Hitler pelos ideais feministas da teórica, que não têm qualquer conexão com o fato – sua obra mais famosa, “O Segundo Sexo”, foi publicado em 1949. Antes disso, a teórica existencialista era uma romancista e lançou dois livros que não são tão famosos assim.

Temos um agradecimento à Escravidão, pelo movimento Blues, e nos fazendo ver que a música supera o racismo e o genocídio negro.

À 1ª Guerra Mundial pela Bauhaus e à Guerra Civil Espanhola por “Guernica”, do Pablo Picasso, deixando claro que resiliência é mais importante que empatia e cuidado.

À KluKluxKlan pelo Black Panther Party, agradecendo o opressor pela reação do oprimido, como se os criadores da KKK quisessem que pessoas negras reagissem às violências e injustiças da época e de ainda hoje, já que é financiada por gente branca, extremamente preconceituosa e muito rica.

Ao Machismo na Ciência pela descoberta do DNA, mostrando que as adversidades e o machismo são mais importantes que os direitos iguais – porque se não fosse essa proibição...

À Ditadura Militar no Brasil pela Tropicália, deixando mais uma vez claro que movimentos artísticos são mais importantes que democracia e direitos humanos.

À Inquisição, pelo movimento Renascentista. Nunca às pessoas presas e torturadas por não seguirem os dogmas da Igreja Católica, e mortas em fogueiras por heresia. Um viva à intolerância religiosa e à discriminação contra pessoas que não seguem os padrões e papéis sociais impostos por ela.

E restou um agradecimento à COVID-19. Qual criação vamos atribuir à uma pandemia mundial, que resultou em uma das maiores crises político-econômica e social no mundo, sobretudo no país em que vivemos?

A quem vamos agradecer milhões de mortes, pessoas que perderam suas casas, seus empregos, se tornaram inadimplentes, a desvalorização da ciência no Brasil, a economia caindo em vertigem, junto com a democracia, os direitos humanos e os direitos dos cidadãos, que estão cada vez mais em risco?

Qual movimento artístico vamos atribuir à pandemia, Clube de Criação?

Qual movimento artístico vamos atribuir à pandemia, W+K?

Nem mesmo vocês, que aprovaram este vídeo surreal de ruim, sabem a resposta.

Só há, ao final do vídeo, a mesma resposta de sempre: “CRIE”.

Me digam – e criem – vocês.

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