A educação dos netos

A educação dos netos

 

Ontem durante o jantar, no seio de um grupo magnífico de amigos, surgiu a questão da educação de nossos netos, obviamente sem melindrar filhos e noras. Nosso papel como avôs no século XXI deve ser mais estratégico que operacional. Deixemos a operacionalidade para os pais e vamos nos concentrar na contribuição de quem já viu o século XX transcorrer, e que agora está diante do inusitado século XXI.

 

Podemos conceituar a nova era que se inicia como a era do conhecimento em relação à anterior (século XX) que foi a era das várias revoluções industriais, ou do século XIX da consolidação dos estados nacionais e do amadurecimento das ciências.

 

A era do conhecimento introduz uma nova ruptura na história humana (um salto quântico) e tem seus desafios próprios. A complexidade assume papel preponderante devido à aceleração tecnológica ímpar (inteligência artificial, interação vibrante de todos os ramos científicos, etc.). A economia do conhecimento é muito distinta da economia industrial. O conhecimento pode ser dado (não só vendido) e ainda assim quem doa resulta com mais conhecimento que antes da doação. Muda a forma de precificar tudo o que tem relevância econômica, e muda a essência da economia.

 

O desafio da sustentabilidade humana se coloca diante de nós, um desafio que se agrava desde o início da industrialização, e que se torna hoje uma ameaça real. Modos novos de desenvolver a economia, e ao mesmo tempo tornar o planeta um Jardim do Éden, onde todos podem desfrutar, precisam ser criados. Novas formas de medir o que é desenvolvimento socioeconômico terão que ser inventadas e implementadas.

 

 Velhos impérios globais onde uns se beneficiam do poder que exercem sobre outros serão superados, porque o poder do conhecimento será absoluto e irá impor sua própria dinâmica, radicalmente distinta. O conhecimento estará mais descentralizado que o poder de origem militar e industrial anterior. Um mundo de poder multipolar é melhor que um mundo concentrador de poder, mas a transição não será fácil. Ela terá que ser engendrada e articulada, ou o risco da insustentabilidade também aumenta.

 

O capitalismo terá mais uma vez que reinventar-se, e o poder econômico mudará de mãos numa velocidade não vista até aqui, ou timidamente antecipada pela Nasdaq e pelas atuais empresas de tecnologia. Nossos netos farão parte dessa reinvenção.

 

A existência humana como sustentáculo da noosfera, não apenas à socio-esfera, implicará em mudanças radicais para a própria identidade humana. Nietsche ganha destaque. A filosofia ganha destaque. A meditação ganha relevância nesse existir tanto aqui quanto ali, nesse espaço noético, reinterpretando Heidegger de algum modo.

 

A integração da biosfera e da noosfera através do humano mais que humano ganha destaque. Uma nova educação centrada tanto no conhecimento quanto no espírito será necessária. A integração da espiritualidade e da ciência será um desafio concreto que terá que ser enfrentado e superado, ou pereceremos para um novo mundo cruel dominado por máquinas pensantes. A sabedoria ganha ampla relevância estratégica.

 

As gerações do século XX que foram ludibriadas e contribuíram, mesmo sem querer, para a insustentabilidade humana em que nos encontramos, terão que reinventar-se nos netos para deixar uma contribuição à altura de suas reais capacidades. Acertamos e erramos em grandes proporções, e esta é uma boa hora para nos comprometermos com a correção dos erros com humildade, por amor aos netos e às futuras gerações.

 

Trabalhar de modo cego para o capital foi um desastre. Esse erro muitos de nós não cometeria de novo, e as novas gerações não estão dispostas a isso. Vamos ajudá-las nessa fase em que pensamos deixar algum legado de valor real. O capitalismo é maravilhoso. Ele deu uma dinâmica incrível à economia do século XX, mas ele precisa ser domado, e a nova era noética imporá esse aperfeiçoamento. Nossos netos terão que materializar essa transição. Podemos ajudá-los nisso também?

 

O capitalismo, do ponto de vista do espírito, é ignorante porque foca em um único âmbito de relações sociais – o econômico - e sabemos hoje que um melhor equilíbrio entre o econômico, o político e todos os aspectos culturais é mais relevante para a sustentabilidade humana. O modelo anterior gerou muita miséria e concentração desnecessária de renda e riqueza. A nova era noética imporá mudanças com vistas à sustentabilidade social e ambiental, quer os velhos oligarcas gostem delas ou não.

 

Saltos quânticos na existência humana não ocorrem com frequência. Talvez o último deles ocorreu quando os humanos decidiram levantar a cabeça e adotar um andar ereto, o que talvez tenha tido um impacto tremendo na transformação da vida terrena sob supervisão e responsabilidade humana, para benefício da vida como um todo, ou para sua própria destruição e superação – um limiar no qual ainda nos encontramos.

 

Saltos quânticos existenciais trazem enormes desafios, oportunidades e requerem muita responsabilidade – habilidades de respostas novas e criativas. Precisamos contribuir para dotar nossos netos dessas novas habilidades essenciais. A vitória não está dada.

 

Com o que contamos de início para tamanha empreitada amigos? Como singraremos mares tão revoltos? Que ferramentas básicas podemos aportar aos netos? – Somos um país multirracial e multicultural. Isso já é grande vantagem. Como portugueses e hispânicos já andamos por mares nunca navegados. Como anglo-saxões fundamos uma nova ciência, como árabes acrescentamos muito à matemática, ao urbanismo das cidades, à cultura humana.

 

O talento inovador dos brasileiros de todas as origens podemos sentir dentro de nosso grupo de amigos, e por todos os lados; na Embrapa que contribui com tecnologia para alimentar o mundo, na Embraer, na tecnologia única da Petrobrás, na construção de nosso submarino movido à energia nuclear, no Proálcool como iniciativa de energia verde, na nossa engenharia de alta qualificação, ou como conservadores ímpares da maior floresta tropical do mundo, ou mesmo no imperfeito SUS, um dos bons programas de saúde do planeta, ainda que precise de grandes saltos e melhoramentos.

 

Acredito que precisamos superar de vez o antigo debate esquerda-direita que tanto tem corroído nossa sociedade nos últimos tempos, sem renunciar ao melhor que a esquerda nos trouxe ou que a direita promoveu, enquanto renunciamos ao pior de cada um desses sistemas do século passado. Uma reflexão honesta seria um ótimo começo, mas precisamos de muito mais que isso - precisamos de um espírito de nacionalidade, de união nacional. Temos que focar juntos na construção de uma nação noética – o Brasil – o vermelho - agora da reconstrução, o fogo sagrado da real transformação social (inclusive econômica) e ambiental. Adentrar de vez o mundo novo.

 

Falta uma palavra das avós, não só dos avôs. Nossas mulheres além da liberdade econômica e social que alcançaram no século XX, por méritos próprios, também seguiram sustentando famílias, criando filhos para o amanhã, oferecendo amor e carinho dentro de casa, compartilhando valores intimistas que nenhum estado pode roubar ou substituir. Essas avós estão na base da sustentação emocional tão relevante para o século XXI como tudo mais que vimos acima.

 

Minha avó materna teve muita relevância na minha infância e educação, como teve na vida de tantos outros netos de nosso grupo, e pelo mundo a fora. Com ela aprendi sobre o amor, a compaixão, sobre o dever, sobre a doação incondicional aos amigos, à família, à sociedade. O amor é o sopro que move o cosmos, e não podemos perder nunca esse norte existencial, uma lição cristã que aprendemos mais com nossas avós.

 

Que a nova era do conhecimento nos traga o que é bom e o que é belo!

 

Bhavattu, Sabbah, Mangalam! Que todos os seres possam alcançar agora a felicidade!

 

Dezembro de 2023

 

Luiz M Flores

Membro do distinto Grupo PGA 94 da Fundação Dom Cabral

 

 

 

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