Einstein tinha razão: a vida é como andar de bicicleta

Há alguns anos ganhei de uma amiga um ímã de geladeira com uma frase atribuída a Albert Einstein que diz: “A vida é como andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio, é preciso se manter em movimento”.

Dando um Google, descobri que a frase original do velho alemão bigodudo é um pouco diferente, mas o sentido é o mesmo. O ímã está na minha geladeira desde então, mais pelo meu entusiasmo com a bicicleta do que pelo profundo impacto que as palavras do Pai da Relatividade causaram em mim.

Por isso mesmo, por anos fiquei sem pensar no ímã, no Einstein ou em sua citação. Até que eu terminei a minha primeira viagem de bicicleta, em 2017, quando fiz Londres a Barcelona em duas rodas.

Eu tinha milhões de motivos pra encarar a aventura, que iam desde o simples prazer em pedalar, passando por um término de namoro que eu não conseguia superar e pela perda do meu melhor amigo meses antes, até chegar no que desencadeou a loucura toda: o casamento de uma amiga em Barcelona. Eu precisava colocar a cabeça no lugar e achei que alguns dias pedalando pudessem clarear as coisas. Só não imaginei que clareariam tanto.

Antes de embarcar, eu achava que iria encontrar pessoas incríveis, viver aventuras para ser contadas nos livros de História lado a lado aos feitos de Marco Polo, ver paisagens de tirar o fôlego. Mas nunca, em momento algum, cogitei a hipótese de que iria desencadear um processo que mudaria a minha vida.

Aos poucos, fui me dando conta de que Einstein tinha razão.

Em movimento constante, eu pude remoer incontáveis vezes os últimos acontecimentos da minha vida enquanto passava, sim, por paisagens de tirar o fôlego.

Nos 20 dias de pedal, descobri que quebrar a cabeça sozinho em casa não tem nada a ver com o pensar na vida enquanto se pratica uma atividade física ao ar livre. No primeiro caso, o resultado é solidão e depressão, enquanto no segundo é um efeito absolutamente positivo.

A cada nova montanha ou novo pasto cheio de ovelhas, eu tinha um ensinamento novo que era aplicado aos pensamentos que não paravam de ocupar a minha cabeça. Ao final de cada dia, eu tirava alguns gramas do peso que carregava nas costas antes de partir.

Eu estava recuperando o equilíbrio.

No meu aprendizado em duas rodas, eu ainda percebi que é possível traçar muitos paralelos entre uma viagem de bicicleta e a vida.

O primeiro ficou claro rapidamente: basta um rápido movimento de corpo para uma mudança drástica de rumo, este podendo acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar. Assim como na vida.

Sozinho nas estradas, senti a responsabilidade de ter que resolver todos os problemas que iam acontecendo pelo caminho. E logo descobri que eles não eram o bicho de sete cabeças que eu imaginava.

De novo: como na vida, é só ir fazendo as coisas devagar, no ritmo certo, que a solução aparece.

De lição em lição, de quilômetro em quilômetro, fui redescobrindo coisas que haviam ficado pra trás meses antes, enterradas no luto ou escondidas na melancolia da solidão: a segurança de tomar decisões e responder por elas, a autoconfiança (eu puxava assunto até nos idiomas que eu mal sei falar duas palavras - um dia conto a incrível conversa com uma velhinha francesa em um vilarejo perdido no tempo e no espaço), o humor, a simpatia que me ajudou a conseguir ajuda até das caras mais fechadas e a capacidade de aprender a cada instante.

É mentira se eu dissesse que voltei outra pessoa. Voltei o mesmo Flávio de sempre, mas com uma bagagem cultural e de autoconhecimento que foi um ponto de partida para muitas outras mudanças que não param de acontecer em minha vida.

Aí volto ao ímã de geladeira. Eu nunca vou poder opinar a respeito da Teoria da Relatividade, não sei dizer se E=mc², mas assino embaixo quando o assunto é tratar a vida como uma grande viagem de bicicleta.

PS: o ímã foi presente da então esposa do amigo que faleceu. Como é a vida, né?

*Flávio é jornalista, aprendiz de fotógrafo e pedala há anos por São Paulo. Suas aventuras nas estradas da vida estão registradas no Instagram.