Em busca do Tempo Perdido 2
A noção de mito individual surge a partir de uma expressão de Lévi-Strauss e depois adotada por Lacan, e aponta para a formação de uma estrutura psíquica básica que confere a todos nós uma matriz de existência que explica quem somos e o que significamos para o mundo. É esta matriz explicativa que surge em todas nossas ações, produções, escolhas, emoções, e comportamentos. A identificação dessa matriz possibilita elaborações porque aponta para uma singularidade que nos leva a buscar nosso próprio desejo, descolando-nos do desejo do outro.
Lévi-Strauss (1955) define o mito como um sistema temporal que se relaciona concomitantemente ao passado, ao presente e ao futuro, pois diz respeito a acontecimentos que, apesar de decorrerem em um dado momento, formam uma estrutura permanente no tempo. Para ele, então, o mito tem uma estrutura que é tanto sincrônica (não-histórica, momentânea), quanto diacrônica (histórica, permanente).
Para ele, a técnica narrativa mítica parte de uma estrutura simbólica que pode reconstruir uma multiplicidade de experiências reais e, mais ainda, passar para a expressão verbal algo caótico e contraditório que, por ser da ordem do real, não pode ser resolvido sem o simbólico. Podemos dizer que o mito fala de uma verdade impossível de ser dita de outra maneira que não por esta alusão: como estrutura simbólica, ele permite vestir o real com o imaginário.
Segundo Lévi-Strauss, (...) todo mito é uma procura do tempo perdido. Esta forma moderna da técnica xamanística, que é a psicanálise, tira, pois, seus caracteres particulares do fato de que, na civilização mecânica, não há mais lugar para o tempo mítico, senão no próprio homem. Ou seja, no mundo atual nos perdemos na individualidade e esquecemos nossa ligação com o coletivo e com os mitos que definiam nossa relação psicológica com o mundo, o universo, a natureza e a divindade. A psicanálise surge para atender a uma demanda crescente de individualização, ou seja, de uma sociedade que se afasta cada vez mais do coletivo, do que é compartilhado, para se focalizar no que é individual, não compartilhado. O mito, dentro disto, também segue este caminho de individualização crescente e chega a ponto de, em nossos tempos, só encontrar expressão isolada no indivíduo. É muito interessante quando lemos a obra American Gods de Neil Gaiman, e percebemos o quanto estamos implicados em um novo tipo totalizante de mitologia : a Web, a Tecnologia, a Mídia, etc..
Nesta conjuntura individualista, cada sujeito busca em sua história individual as raízes de seu sofrimento e de suas dúvidas, não na coletividade como o fazem as sociedades primitivas. Como estamos tratando de arquétipos, podemos expandir essa relação para tudo o que se assemelhe ao Pai e a Mãe – todo e qualquer indivíduo que assuma esses arquétipos durante sua infância. A constelação familiar que precedeu o nascimento da pessoa, ou seja, a sua pré-história ou as relações familiares fundamentais que estruturaram a união de seus pais, tem um peso também nessa formação, além da cultura em que essa pessoa se insere, padrões morais e éticos.
Assim, cada um constrói seu mito individual ou complexo a partir de elementos retirados de seu próprio passado, os quais irão compor os mitos comportamentais que serão combinados para compor a narrativa de sua vida. É na vida familiar e na relação com seus pais que o individuo irá construir seus mitos, criados a fim de tentar compreender algo caótico e contraditório (a vida, a morte, o sexo) e que ele repetirá como estrutura básica em todas as suas atitudes. Sabemos, entretanto, que o indivíduo não tem um acesso fácil a esta estrutura que ele repete, porque isto se dá a sua revelia e, inclusive, o faz sofrer no plano da consciência, gerando sintomas – neuroses e psicoses.
Nessa busca desenfreada pela satisfação de nossos desejos muitas vezes nos defrontamos com o fato de não sabermos se esse desejo é nosso mesmo ou se é algo exterior que nos foi inculcado em algum momento da nossa vida.
É no trabalho analítico que realizamos essa separação entre o que é realmente o desejo do individuo e sua implicação nesse desejo versus a realidade em que vive, e o os mitos (desejos) do outro que se inseriram em seu mundo psíquico. Lévi-Strauss coloca que o papel do curandeiro é falar, enquanto que o do psicanalista, que irá trabalhar com o mito individual, é escutar.
Mentora de líderes | Autora “O Líder Integral" | Gestão da Marca Pessoal, Carreira e Reputação
5 aMarcus Caldevilla significado e finalidade como senso de posicionamento. Muito bom! Abraço