Estamos ao seu lado?
É sempre muito frustrante quando chega à minha caixa de e-mail “Infelizmente, não foi desta vez – mas não desista! Estamos ao seu lado!”.
Ao meu lado? Creio que quando meu currículo é apresentado a essas empresas de grande porte e provavelmente é filtrado de acordo com as “competências” necessárias para a vaga por um programa autônomo, “estamos do seu lado” soa como demagogia.
Não há uma visibilidade a historia da pessoa, o quanto houve de trabalho duro para que se chegasse até aqui, tudo que aprendeu e se dedicou durante sua vida é resumido em uma pagina que atente ou não o que uma empresa que prega responsabilidade social, sustentabilidade e inovação quer. Parece-me que inovação quando se trata de processos seletivos, não é o ponto mais importante, pois a maneira em que é tratada é ainda “conservadora” e “tradicional”.
Sempre dizem “queremos pessoas fortes, determinadas e entusiastas”, mas essas pessoas quase não têm, nem a oportunidade de participar de um processo seletivo, e sempre os perfis selecionados são daquelas pessoas que não precisaram trabalhar para ajudar em casa, ou que não cursou a faculdade em um período para no outro trabalhar; geralmente as pessoas selecionadas, são pessoas que tiveram um grande suporte financeiro para se dedicar exclusivamente a suas “conquistas” pessoais, escolas particulares, intercâmbios, aulas particulares de línguas, cursos preparatórios para vestibular, etc. Não quero com isso desqualificar essas pessoas, e nem é esse o ponto tratado, mas sim o quanto, grande parte das empresas reproduz a meritocracia como se bastasse “querer e conseguir” e desconsidera a historia de superação do sujeito, nem o chama para uma entrevista se quer, não pede uma carta de apresentação simplesmente porque o candidato ainda está no nível básico de inglês.
Eu, filha de mãe solteira mais duas irmãs nunca tive muitas condições financeiras, porém sempre tive muito incentivo da minha mãe para estudar e como ela diz “ser algum na vida”, o que a gente não sabia naquela época e que para “ser algum na vida” você sempre vai precisar ultrapassar um julgamento prévio de uma pessoa que te olha pelo viés de um papel. Sempre estudei em escola publica e no período contrario cuidava das minhas irmãs para que minha mãe pudesse trabalhar, mesmo assim sempre vislumbrei um futuro melhor. Logo que sai do colegial, trabalhava como auxiliar de produção em uma empresa do ramo de flores, empresa da qual gostava muito, porém queria melhorar, crescer então prestei um Vestibulinho para fazer um curso técnico em ciências contábeis, passei entre os dez primeiros colocados e logo que ingressei no curso tive uma oportunidade de trabalhar como arquivista em um escritório contábil. Sempre me dedicava, criei uma organização mais funcional para o arquivo, classifiquei as pastas e com isso tive minha primeira promoção, para trabalhar como auxiliar fiscal, foi maravilhosa a sensação de reconhecimento.
Depois do curso técnico, sabia que não poderia parar, e que também não teria grana o suficiente para pagar uma graduação, foi então que decidi fazer um curso pre-vestibular e tentar uma bolsa, tive muita sorte, pois como o valor do curso era muito alto para meu orçamento, expliquei isso para a escola, que não tinha muito dinheiro, mas tinha muita vontade de aprender e passar em uma faculdade. Fui atendida, tive um belo de um desconto e frequentei por um ano o cursinho, no fim do ano, fui prestando os vestibulares dos quais consegui a isenção da inscrição, e passei... Consegui uma bolsa do Prouni para fazer minha graduação, nossa... era felicidade que não cabia em mim, quando contei pra minha mãe ela pulou de alegria. Eu finalmente poderia fazer minha graduação. Nessa época eu já havia sido contratada por outro escritório em que minha ex-chefe trabalhava e por gostar muito de minha dedicação me contratou para trabalhar de novo com ela.
Assim que ingressei na faculdade para me graduar em Psicologia com bolsa, me dediquei ao máximo, sempre com boas notas e quase nada de faltas. No trabalho havia sido promovida novamente a líder de setor, já que minha ex-chefe havia se demitido.
Foi então que soube de um processo seletivo para uma bolsa de intercambio oferecida pelo Banco Santander a faculdade. De inicio não me interessei, não acreditei que seria possível, pois os critérios de aprovação seriam notas, e envolvimento acadêmico com pesquisa, além de a concorrência ser muito grande, mas tive uma amiga incentivadora que motivou a fazer a inscrição. Então em uma bela quarta-feira, recebi a noticia de que havia sido aprovada e que ganhara a bolsa, fiquei atônita, sem reação, sem palavras, pois havia conseguido a bolsa apenas com as minhas notas, “excelência no desempenho acadêmico”.
Eu com a baixa renda, e com uma família humilde, dificilmente a essa altura teria dinheiro o suficiente para fazer um intercambio, mas contra todas as possibilidades eu fui e fiz um curso maravilho em Portugal e, além disso, pude conhecer vários lugares e diversas pessoas, foi a melhor experiência da minha vida.
E agora concluída a graduação em Psicologia, já planejo um novo ingresso, em Administração de empresas pra conciliar meu conhecimento técnico com os aprendizados na graduação, assim como o investimento no inglês, quesito que me deixa de fora de todas as oportunidades dessas grandes empresas.
Mas infelizmente nada disso que escrevi aqui dá para contar em um currículo de competências técnicas. Acredito em mim, e sei que consigo enfrentar diversos desafios, pois a vida me preparou para isso, infelizmente minha dedicação para no futuro atingir meus objetivos, deve ser dobrada... Mas vamos ao trabalho ou
let's go to work!