Estamos exaustos: e nosso sonhos refletem isso
Como alguém que gosta de se manter (bem) informada, costumo participar de vários e diferentes grupos em aplicativos de mensagens. Há poucos dias, no entanto, comecei a sair de boa parte deles. Era necessário. Era preciso para me assegurar um mínimo de saúde mental.
Para onde olho, há excesso de fatos e de mortes provocadas pela pandemia. Estou exausta, admito! Como jornalista que atua em um hospital que recebe pacientes contaminados pela covid-19, preciso acompanhar as notícias, mas só sinto um cansaço enorme.
Quero interagir com colegas, amigos e familiares nos grupos, mas queria mesmo era poder dormir. Não consigo. O sono não vem. Quando chega, é com atraso. Pior: mais que o deus Hipnos, predomina Morfeu. Minha mente é povoada de imagens oníricas — e estranhas.
A revista Quatro Cinco Um, aliás, abordou esse tema com a matéria “Sonhos confinados” (em sua edição de número 33). Na reportagem, é citado o livro “Sonhos no Terceiro Reich”, da jornalista alemã judia Charlotte Beradt. Após ter coletado mais de 300 sonhos de pessoas que vivenciavam a ascensão do nazifascismo, a autora constata que a luta política é travada não apenas na arena pública, mas também no espaço mais íntimo de cada sujeito: o inconsciente.
No prefácio da edição brasileira, o psicanalista Christian Dunker propõe que os sonhos “ressoam e testemunham como a falta de sentido experimentada na vida social ordinária era tratada pela falta de sentido dos sonhos”. Desse modo, conforme a revista, os sonhos cumprem uma função protetora, ainda que desagradável, e de elaboração de algo que escapa às representações do sujeito.
Publicada em maio de 2020, a matéria da Quatro Cinco Um cita um estudo realizado por um grupo de pesquisadores e psicanalistas de Belo Horizonte-MG, o qual surgiu na esteira da perspectiva exposta por Charlotte Beradt. A pesquisa brasileira tem como objetivo coletar sonhos produzidos durante a pandemia de covid-19, para analisar as estratégias subjetivas de elaboração do contexto histórico do qual estamos fazendo parte.
A revista (e não apenas a reportagem) traz trechos de sonhos coletados pelos pesquisadores. Como Pepe, 19 anos: “Sonhei que diversas pessoas (pareciam ‘walking dead’) tentavam entrar pelos muros das casas, mas não conseguiam. Eu me sentia muito segura dentro de casa, inatingível”. Ou Maya, 21 anos: “Estou em um grande edifício, parece ser um aeroporto ou um hotel, mas os trabalhadores foram cooptados por uma máfia secreta que queria espalhar o coronavírus pelo mundo”.
E você, como tem dormido nessa pandemia? Como tem sonhado? Como tem se informado? Confesso: as mensagens, não necessariamente notícias, que me chegam pelos aplicativos tiram minha paz. Sempre há um parente, um amigo, um conhecido em situação desfavorável perante o Sars-Cov-2. Nessas horas, começo a recitar Adélia Prado quase como se entoasse uma oração: “Eu quero uma licença de dormir/ Perdão para descansar horas a fio/ Sem ao menos sonhar/ a leve palha de um pequeno sonho”. #Vemvacina
(Artigo publicado originalmente no jornal A União, edição de 28 de março de 2021)
Entrepreneur | Investor | Well-being Consultant
3 aExcelente tema!
Comunicação, jornalismo e outras conexões.
3 adá cá um abraço \o/
Assessora de Comunicação
3 aSão tantas angústias, tantos medos. A gente nem sabe mais “limpar a mente” antes de dormir.