Eu não queria ser feliz só depois das 6. Nem fazer uma coisa só.

Eu não queria ser feliz só depois das 6. Nem fazer uma coisa só.

Ao final da faculdade, entrando no mercado de trabalho, eu percebia um certo padrão de comportamento nas pessoas. Claro que não cabem generalizações aqui, mas sim a observação de uma recorrência muito grande de alguns comportamentos: tolerar o dia de trabalho para ter alguma alegria ao final do expediente. Ou, mais ainda, esperar pelo fim de semana. Eu realmente não me lembro de pessoas que curtiam de verdade a sua semana.

Para mim aquilo não fazia o menor sentido. A gente foi ensinado - como um padrão social - a passar uma vida estudando para ter um diploma, de preferência numa boa faculdade, para passar a maior parte dos nossos dias no trabalho para ter algum dinheiro para comprar uma casa, um carro, casar, ter filhos, viajar nas férias e, dando alguma sorte, ter uma casa na praia. 

Isso não é certo nem errado. Só não era o que fazia sentido pra mim. Eu não me identificava com esse formato de vida. Eu me via mais fluida, trabalhando com pessoas diferentes, em projetos diferentes. Tendo experiências com muitos modos de vida, com universos diversos. Minha semana, eu, meus horários, tudo era vida acontecendo agora. Não fazia sentido esperar chegar um horário, um cargo, um objetivo, um dia, um salário. Me via experimentando, me arriscando, sentindo o que essas experiências todas causariam em mim e que pessoa eu ia me tornando à medida que as vivia. 

Eu nunca consegui dizer “minha vida pessoal” e “minha vida profissional”. Era tudo uma coisa só dentro de mim. Parecia óbvio integrar essas coisas. Parecia óbvio ter um trabalho que me realizasse. Que eu fosse valorizada pela qualidade das minhas entregas, pela minha visão e iniciativa, por meu conhecimento e conduta, por meus valores e não pelas horas trabalhadas, o famoso “9 to 5”. Dinheiro parecia ter muito mais sentido se provesse acesso a experiências do que posses. Ou ao menos, posses até o limite do suficiente. 

Eu desejava ter uma vida em que trabalho, estudo, lazer, realização, aprendizado se entrelaçassem numa coreografia. Para um espetáculo acontecer precisa de um tanto de papéis e responsabilidades e cada um tem seu momento e importância, mas todos funcionam juntos. Som, luz, música, palco, coxia, figurino, aulas, ensaios, roteiro...

Além disso, sempre tive muitos interesses e talentos. Minha personalidade é composta de uma dimensão mais pragmática e estruturada e de outra bastante artística e caótica. Eu enxergava, mas não me apropriava disso e ficava brigando em escolher um lado. Porque aprendemos que é meio arrogante nos auto valorizarmos, não sabemos como se dá o exercício da nossa livre auto expressão e não fomos educados a buscar os “Es” e sim os “OUs”. Ou uma coisa ou outra.

Isso tudo era óbvio no meu coração, mas não parecia possível nem provável. Naquela época não tinha referência nenhuma de que isso seria viável, não conhecia um formato de trabalho e vida assim, nem conseguia explicar muito bem como fazer isso porque o conhecido era escolher um único caminho e um único formato.

Então, apesar de toda essa inquietação, segui o caminho tradicional, me formei e fui trabalhar em consultoria com a intenção de construir uma longa carreira numa empresa. Passei por consultoria de RH, de sustentabilidade, enfim, várias empresas, mas não me sentia realizada em nada. Aquela inquietação e o desejo de trabalhar de um jeito diferente só cresciam. Ao mesmo tempo que cresciam a ansiedade e a frustração por não me encaixar em lugar nenhum. 

Até que em 2008 eu me vi diante da terapeuta com a seguinte frase (literalmente): “eu vim aqui pra tentar descobrir pra que eu sirvo”. Uma frase acompanhada de uma enorme culpa por ter estudado nas melhores escolas, ter tido as melhores oportunidades e, de quebra, ter nascido em empresa familiar e ser filha única. “A vida que todos queriam ter”, “você é insatisfeita e indecisa” e “desse jeito não vai construir nada” foram frases que ouvi muito.

Mas movida por uma inquietação maior que eu, segui. Fui me deparando com conceitos, estudos, pesquisas, práticas e projetos sobre trabalho que ressoavam com tudo aquilo que eu sentia. Que alívio! Nessa busca toda, além de olhar muito pra mim - o eixo principal - eu me lancei em experimentação. Participei de muitas oficinas de carreira, workshops de desenvolvimento pessoal, eventos de recursos humanos, feiras, eventos nacionais e internacionais sobre carreira, experiências espirituais e corporais e tantas outras coisas. Nesse momento, ainda, era muito mais uma busca meio caótica de algum caminho do que uma pesquisa profunda. Esta veio depois, junto também de um outro tipo de experimentação - menos conceitual e mais prática.

Um fato me chamou a atenção - encontrei centenas (sim, centenas!) de pessoas em transição. Percebi um outro padrão: eram pessoas que estavam no mundo corporativo já há algum tempo, atingiram uma posição que consideravam relevantes em suas carreiras, estavam bem financeiramente, com uma boa e respeitada trajetória profissional construída, uma forte reputação, mas sentiam que algo precisava mudar. Honravam o que tinham conquistado até ali, mas de repente aquele formato de trabalho não fazia mais sentido, estavam inquietas e insatisfeitas e queriam alguma coisa a mais. Algumas tinham alguma ideia do que. A grande maioria não. E o que era comum a todas elas: um medo muito grande de mudar, de perder o que se conquistou, medo de se verem sozinhas, de não terem mais a segurança financeira, de perderem sua identidade ao não terem mais o sobrenome corporativo. 

Me perguntei, então, o que estava acontecendo no mundo do trabalho. Por que tanta gente em transição? Por que tanta insatisfação com o trabalho? Por que tanta gente com uma trajetória tão sólida de carreira, com tantas conquistas, uma boa posição de cargo e financeira, sentiam essa insatisfação e esse desejo de mudança? E de onde vinham todos esses medos?

O mundo do trabalho estava mudando. As aspirações pessoais estavam mudando. O conceito de carreira estava mudando. O conceito de segurança e estabilidade estavam mudando. E para entendermos melhor isso, é preciso dar alguns passos atrás na história, inclusive entendendo os recortes sociais necessários quando se faz uma análise assim.

Fica pro próximo artigo. Até aqui, pelo menos uma coisa me acalmou. Se eu estava louca, não estava louca sozinha.

Henrique Pistilli

Consultor Sênior para Desenvolvimento Humano, Alta Performance & Cultura Saudável I Sócio Fundador da IMUA Escola de Autoliderança, Bem-estar & Propósito I Mentor Top2You C-Level

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Aninha, sua história é uma inspiração e vai ajudar muita gente a ser feliz! NOW IS THE TIME!... sds e como se diz aqui na ilha... vamos simbora🤗🐬🐬🐬

Mariana Sartori

Coaching de Carreira e Orientação Profissional | Autoconhecimento: Psicoterapia e Terapias Complementares | Grupos

3 a

Muita admiração por essa jornada! Um beijo querida!

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