Farmacovigilância
A Farmacovigilância (FV) é um tema relativamente novo na indústria farmacêutica e é definida (segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS) como sendo uma ciência e/ou atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de eventos adversos ou qualquer problema relacionado ao uso de medicamentos. Cabe à FV a identificação, avaliação e monitoramento da ocorrência de eventos adversos relacionados a medicamentos utilizados na população após o registro na ANVISA (no caso do Brasil). A FV tem como objetivo garantir que os benefícios trazidos pelo uso desses produtos sejam superiores do que os riscos causados por eles.
Quais são os objetivos da FV?
· Avaliar a manutenção da relação benefício-risco dos medicamentos;
· Monitorar a segurança pós-comercialização;
· Identificar reações adversas desconhecidas e/ou alteração da frequência de reações adversas já conhecidas;
· Melhorar a prescrição e regulação dos medicamentos através do uso racional e seguro;
· Transmitir informações e sinais de segurança dos produtos.
É importante termos em mente que a FV avalia o perfil benefício-risco do produto (que pode ser um medicamento, vacina, etc) para que seja viável sua utilização pela população. No caso de medicamentos, todos os medicamentos possuem reações adversas, contudo, a comercialização é autorizada pela ANVISA nos casos em que se verifica que os benefícios superam os riscos apresentados em estudos clínicos. Mas, ao chegar ao mercado, um grande número de pessoas irá utilizar este medicamento, um número muito maior do que o número de participantes de um ensaio clínico, e, é neste momento, no uso no contexto da vida real é que muitas vezes outros eventos adversos são observados e relatados, pois começam a se manifestar nos usuários deste medicamento. Desse modo, entende-se que é de suma importância a realização pelo profissional das notificações de efeitos adversos de medicamentos, pois com isso a ANVISA monitora essas reações para verificar se realmente os benefícios alegados pelo detentor de registro em relação ao seu medicamento continuam superando os riscos decorrentes de sua utilização.
Portanto, as questões relevantes para a FV são:
· reações adversas a medicamentos;
· inefetividade terapêutica;
· uso de medicamentos para indicações não aprovadas no registro ou então em doses não aprovadas no registro (off label);
· eventos adversos causados por desvios da qualidade de medicamentos;
· uso abusivo;
· interações medicamentosas;
· intoxicações.
O campo de atuação da FV foi ampliado para incluir:
• produtos fitoterápicos;
• medicamentos tradicionais e complementares;
• hemoterápicos;
• produtos biológicos;
• produtos para a saúde;
• vacinas.
E quem pode notificar os eventos adversos?
As notificações de eventos adversos podem ser feitas por usuários (cidadãos), profissionais de saúde e funcionários.
Como fazer para notificar um evento adverso?
· Notificação de eventos adversos de vacinas ou medicamentos à Através do Sistema VigiMed (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e-monitoramento/notificacoes/vigimed/), escolhendo o perfil “cidadão” ou “profissionais”. Neste site contém tutorial completo sobre como fazer uma notificação no sistema VigiMed.
· Notificação de eventos adversos de produtos (exceto medicamentos e vacinas) e serviços sob vigilância sanitária; queixas técnicas sobre produtos (inclusive medicamentos e vacinas) e serviços sob vigilância sanitária, ou seja, para problemas relacionados ao uso de tecnologias e de processos assistenciais à Notivisa (https://notivisa.anvisa.gov.br/frmLogin.asp). Contudo, precisa ter cadastro no sistema e efetuar acesso com login e senha.
Mas qual dos sistemas eu uso para notificar?
VigiMed
– Reações adversas ou nocivas;
– Erros na administração do medicamento;
– Uso abusivo;
– Ausência ou redução do efeito esperado (inefetividades terapêuticas);
– Uso com finalidade diferente do indicado na bula;
– Reações causadas por medicamentos utilizados durante a gravidez ou amamentação.
Notivisa
– Incidente/evento adverso durante procedimento cirúrgico;
– Queda do paciente;
– Evento adverso decorrente de uso de artigo ou equipamento médico-hospitalares;
– Evento adverso decorrente de um produto cosmético;
– Evento adverso decorrente de um produto saneante;
– Reação transfusional decorrente de uma transfusão sanguínea;
– Produto com suspeita de desvio de qualidade;
– Produto com suspeita de estar sem registro;
– Suspeita de produto falsificado;
– Suspeita de empresa sem Autorização de Funcionamento.
O que regulamenta a FV no Brasil?
O marco regulatório atual que rege as regras de FV no Brasil é a RDC 406/2020, a qual dispõe sobre as Boas Práticas de Farmacovigilância para Detentores de Registro de Medicamentos de uso humano. Essa RDC estabelece que todo detentor de registro de medicamentos deve possuir um sistema atuante de FV. O Sistema de Farmacovigilância dos Detentores de Registro de Medicamento deve possuir estrutura e performance para garantir:
I - a coleta e o processamento de todas as informações sobre Eventos Adversos notificadas ao Detentor de Registro de Medicamento por diversas fontes, incluindo representantes de visitação médica;
II - o cumprimento dos requisitos regulatórios;
III - seu constante aperfeiçoamento, por meio de avaliação contínua e Autoinspeção em Farmacovigilância, com detecção de não-conformidades e de oportunidades de melhoria;
IV - que as solicitações das autoridades sanitárias, no tocante a informações para avaliação benefício-risco de seus produtos, sejam providenciadas prontamente, incluindo a disponibilização de informações sobre o volume de vendas e estudos relacionados à segurança de seus produtos; e
V - a confidencialidade dos relatos recebidos.
Além da RDC 406/2020, temos uma instrução normativa, a IN nº 63/2020, que dispõe sobre o Relatório Periódico de Avaliação Benefício-Risco (RPBR) a ser submetido à ANVISA por Detentores de Registro de Medicamento de uso humano. O RPBR deve contemplar, em linhas gerais, as seguintes informações e dados (Art. 12 da IN 63/2020):
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I - Sumário executivo, na língua portuguesa, compilando as informações mais relevantes do RPBR, que deve seguir modelo disponibilizado no Portal da Anvisa;
II - Status da autorização de comercialização do produto no mundo;
III - ações tomadas no intervalo do relatório por razões de segurança;
IV - Alterações nas informações de segurança de referência;
V - Exposição estimada e padrões de uso:
· exposição cumulativa de sujeitos em ensaios clínicos;
· exposição de pacientes cumulativa e no intervalo proveniente da experiência de comercialização.
VI - Dados em sumários de tabulação:
· informação de referência;
· sumários de tabulações cumulativas de eventos adversos graves de ensaios clínicos;
· sumários de tabulações cumulativas e no intervalo de dados provenientes da pós-comercialização.
VII - Sumários de achados significativos de segurança provenientes de ensaios clínicos durante o intervalo do relatório:
· ensaios clínicos concluídos;
· ensaios clínicos em andamento;
· acompanhamento de longo prazo;
· outro uso terapêutico do medicamento;
· novos dados de segurança relacionados a terapias de combinação fixa.
VIII - Achados provenientes de estudos não-intervencionais;
IX - Informações provenientes de outros ensaios clínicos e fontes:
· outros ensaios clínicos;
· erros de medicação.
X - Dados não-clínicos;
XI - Literatura;
XII - Outros relatórios periódicos;
XIII - Falta de eficácia em ensaios clínicos controlados;
XIV - Informações pós-fechamento;
XV - Visão geral dos sinais: novos, em andamento ou encerrados;
XVI - avaliação de sinais e riscos:
· sumário das preocupações de segurança;
· avaliação de sinal;
· avaliação de riscos e novas informações;
· caracterização de riscos;
· efetividade da minimização do risco (se aplicável).
XVII - Avaliação de benefícios:
· informações importantes inicialmente identificadas sobre eficácia/efetividade;
· informações recentemente identificadas sobre eficácia/efetividade;
· caracterização dos benefícios.
XVIII - Análise integrada de Benefício-Risco para indicações aprovadas:
· contexto do Benefício-Risco - necessidade médica e alternativas importantes;
· avaliação da análise de Benefício-Risco.
XIX - Conclusões e ações; e
XX- Anexos:
· informação de referência;
· sumário de tabulação cumulativa de eventos adversos graves de ensaios clínicos e sumários de tabulação no intervalo/cumulativo da experiência de comercialização;
· sumário de tabulação de sinais de segurança (se não estiver incluído no corpo do relatório);
· listagem de estudos intervencionais e não-intervencionais com objetivo primário de monitoramento de segurança pós-registro; e
· lista das fontes de informação usadas para preparar o relatório (quando o Detentor de Registro de Medicamento julgar necessário).
Devido a todo conteúdo supracitado, estamos tendo cada vez mais uma conscientização de que o escopo da FV deve ser estendido além dos limites rígidos da identificação de novos sinais relativos à segurança. Devido à globalização, livre comércio, comunicação entre fronteiras e o uso crescente da Internet, houveram mudanças quanto ao acesso a todos os medicamentos e às informações sobre os mesmos. Segundo a OMS (2005), essas mudanças fizeram surgir novos tipos de questões no que diz respeito à segurança, como:
· Venda ilegal de medicamentos e drogas de abuso pela Internet;
· práticas irracionais e potencialmente inseguras de doação de medicamentos;
· prática crescente de automedicação;
· ampla fabricação e venda de medicamentos falsificados e de baixa qualidade;
· uso crescente de medicamentos tradicionais fora do âmbito da cultura de uso tradicional;
· uso crescente de medicamentos tradicionais e plantas medicinais com outros medicamentos com potencial para interações medicamentosas adversas.
Com isso, há uma necessidade de reconsiderar a prática da FV, a qual se desenvolveu e continuará se desenvolvendo como resposta a essas necessidades especiais. A FV deve ser feita por toda a sociedade e não somente por profissionais da saúde. A contribuição social tende a expandir e melhorar muito a qualidade dos medicamentos disponíveis no mercado, além de também muitas vezes proporcionar novas indicações para os mesmos.
A farmacovigilância se desenvolveu e continuará a se desenvolver como resposta a necessidades especiais, pautando-se nos pontos fortes específicos dos membros do Programa da OMS e indo além deles. Tal influência ativa precisa ser encorajada e nutrida; é uma fonte de vigor e originalidade que tem contribuído muito para a prática e os padrões internacionais.
Conceitos:
Evento adverso: Evento adverso é qualquer ocorrência médica indesejável e desfavorável ao paciente/sujeito de investigação clínica que não necessariamente tem relação causal com o tratamento.
Referências:
· ANVISA, 2024 - www.gov.br/anvisa
· A importância da Farmacovigilância / Organização Mundial da Saúde – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005. (Monitorização da segurança dos medicamentos) -https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/importancia.pdf
· RDC nº 406/2020
· IN 63/2020