FUNCIONÁRIOS DE OURO - IV (Final)

FUNCIONÁRIOS DE OURO - IV (Final)

No Seminário da Imaculada, colégio interno no qual estudei, havia muitas regras. No sábado era limpeza geral e éramos nós alunos que fazíamos, mas nos outros dias da semana tinham funcionários para a limpeza e outras tarefas mais.

Na lavanderia tinha a “Xantipa”, na marcenaria Seu Maximiliano.

Na secretaria tinha o Seu José de Abreu, Seu Fiore, que era o zelador, um faz tudo. Todos estes, já falamos aqui.

Seu Ferrúcio era o barbeiro. Vinha toda semana pra cortar os cabelos dos padres e alunos. E o serviço era garantido. Garantido pelo Monsenhor Bruno que fazia questão de manter os alunos com os cabelos curtos. Bastava passar um pouco da hora que já vinha ele:

−Vai, vai cortar esse cabelo que daqui a pouco vai virar uma mulherzinha. Vai dar serviço para o Seu Ferrúcio, vai.

E lá íamos nós. Mas o pior não era aguentar a máquina de cortar manual, que sempre beliscava os fios; era aguentar o cheiro e a fumaça do cigarro picadão, de fumo de rolo do barbeiro. Aja!

A barbearia ficava ao lado da papelaria. Nela havia tudo o que era necessário para os estudos e higiene pessoal. Desde uma caneta até um rolo de papel higiênico. Tudo isso ia pra conta que era contabilizada de acordo com o número de cada um. O meu era o número 12, que também era bordado em cada peça de roupa para facilitar a lavanderia na separação.

Outro funcionário era o Seu Alexandre, conhecido entre os alunos por Lixandrão.

Lixandrão era responsável pela limpeza de salas e quartos dos padres. Ele tinha um pequeno grau de retardo e por isso foi acolhido, pois lá, teria cama, comida e um trabalho remunerado. Era solitário e raramente saía do colégio. Aliás um problemão para ser gerenciado. Seu Alexandre era gay e num colégio interno só de homens, era complicado administrar. Não podemos nos esquecer que estávamos nos anos 1960, em um sistema positivista e num colégio onde se formavam sacerdotes da Igreja Católica.

Evidente que não vou aqui citar nomes, mesmo porque o que conhecia eram histórias contadas dentro de um vasto folclore criado no meio, onde, quem conta um conto aumenta um ponto.

Mas tinha o Seu Geraldo. Seu Geraldo era uma diversão à parte. A gente adorava infernizar a vida dele só pra vê-lo bravo. É que quando ficava bravo ele ficava gago. E isso era um show à parte. Ele também cuidava da limpeza, principalmente nos dormitórios dos alunos, pois Seu Alexandre fora impedido de limpar lá, o que era bastante óbvio.

Seu Geraldo, mais conhecido como Gera, não gostava muito do Alexandre.

−Por que, Seu Geraldo?

−Ele é viado, respondia em frases rápidas pra evitar a gagueira.

Mas era a gagueira dele que nos divertia. Daí que a gente encontrou um jeito de conseguir tal resultado. Usando uma espécie de aglutinação, se é que posso considerar assim, Seu Gera virava Sujera.

−Sujera! Ô Sujera!

−Su-su-su-je-jera é a a m-mãe, fia da puta.

O “fia da puta” não tinha erro, porque ele falava de uma vez e bem rápido pra não gaguejar.

Mas era muito boa pessoa. Sempre nas noites de sábado ele aparecia todo arrumado e perfumado.

−Eh, Seu Geraldo. Onde vai todo cheiroso e com roupa de missa?

−Dançá, ele respondia. Dançá.

Dizem que ele ia pra gafieira. Nunca soube ao certo. Só sei que voltava bebaço e desaparecia rumo ao seu quarto.

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INTERNATO

(Omar Carline Bueno)

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