A ilusão da informação no Pós-Vendas

A ilusão da informação no Pós-Vendas

Autores: Fernando Lima / Alberto Puga Leivas - 02/03/2020

Dados! atualmente todos no ambiente corporativos adoram dados! São criados sistemas de coletas de dados, formulários, telefonemas, Web e qualquer outro meio possível e imaginário para recolher dados.

Virou vocabulário comum termos como: KPI, Business Intelligence, Data Mining, CRM e outras ferramentas que se alimentam de dados e fornecem informações para ajudar o gerenciamento.

A maioria das pessoas não estão acostumadas a trabalhar e interpretar toda essa informação, e assim sendo, não sabemos distinguir se a informação recebida é válida ou não, temos dúvidas de como podemos utilizá-la, nos perdemos no mundo dos números, estatísticas e informações.

A cada dia que passa acreditamos mais nas informações recebidas por sistemas, estamos nos tornando dependente dessas informações, e quando um gerente é argumentado por um número ou KPI, para ele é muito fácil e seguro falar: Foi o sistema que gerou!

O problema é saber até que ponto podemos acreditar nos sistemas! Eles são excelentes para processar e calcular uma grande massa de dados, mas não possuem discernimento para identificar dados e conceitos errados. São como uma fábrica de salsicha, se entra carne boa irá sair salsicha boa, se entra carne ruim irá sair salsicha ruim, mas você sempre terá salsicha para comer.

Uma informação errada poderá gerar mais prejuízo que a sua falta, temos que ter cuidado com os instrumentos que usamos para a nossa navegação no mundo dos negócios. Uma informação errada é como um velocímetro defeituoso, você poderá estar dirigindo numa velocidade acima da permitida, arriscando a sua segurança, imaginando que está numa velocidade segura, não prestando atenção nos outros sinais que indicam o perigo.

Os gerentes de pós-venda devem ter muito cuidado com as informações que trabalham, geram e interpretam, pois podem estar influenciando, erradamente, sua estratégia de negócio.

“Não são bem as coisas que não sabemos que nos causam problemas. São as coisas que sabemos que não são assim.” Artemus Ward

Nesse artigo iremos mostrar alguns erros comuns na geração e criação dos dados e informações. Esse é um assunto extenso e irei apenas demonstrar alguns exemplos, acredito que esse tema possa preencher um livro (quem sabe eu escreva no futuro).

Primeiro iremos falar entre a diferença entre precisão e acurácia, é muito comum confundir o significado dessas duas palavras e serem usadas como sinônimos.

A precisão irá medir a variabilidade(1) entre os valores obtidos, de uma série de medições realizadas, apresentando dessa maneira uma pequena dispersão entre os resultados.

A acurácia irá medir a exatidão e rigor da sua informação, ou seja, quanto essa informação é verdadeira.

De forma geral, a acurácia depende da calibração e ajuste do equipamento, para evitar os erros sistemáticos, e a precisão depende do nível de interferência e de ruído(2) que afetam a medida.

Na prática, se o seu DMS (Dealer Management System), informa que a sua produtividade é de 94,32%, essa informação é muito precisa (centesimal), mas pode não ser verdadeira, pois o seu sistema não tem acurácia, talvez os dados processados (tempos errados) ou a fórmula do cálculo não estão corretos (e você está comendo salsicha ruim!).

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Para concertar ou melhorar a sua acurácia é necessário que o gerente conheça e verifique todos os dados que são utilizadas para gerar os KPIs, verificar se as coletas dos dados e a sua formulação estão corretas.

No exemplo da produtividade, para aumentar a acurácia dos nossos resultados deveríamos verificar:

  • A fórmula de produtividade no DMS está correta (Horas vendidas / Horas disponíveis)? Cada montadora utiliza nomenclaturas diferentes para seus índices de performance, por esse motivo é necessário a verificação das fórmulas utilizadas pelo seu DMS.
  • O Consultor está usando a Tabela de Tempo Padrão para vender o serviço? Se os seus Consultores não utilizam corretamente a Tabela de Tempo Padrão, a hora vendida poderá ser diferente da necessária para realização do serviço, podendo influenciar o índice de produtividade, bem como outros índices de performance.
  • As Horas Disponíveis são reais? Na maioria dos DMSs não existe uma integração do sistema com o ponto do produtivo, existe uma parametrização manual desse tempo, ou seja, se o seu produtivo saiu mais cedo ou fez hora extra e não foi alterado manualmente no sistema, sua hora disponível será igual a um produtivo que trabalhou no horário correto.
  • O DMS utiliza quais Ordens de Serviço para coletar os dados (abertas, fechadas ou fechadas com emissão de nota fiscal)? Como é um índice de performance, o DMS deverá usar todas as Ordem de Serviço no período para seu cálculo, caso não esteja utilizando, o valor apresentado será diferente do real.

Esse é apenas um exemplo de alguns fatores que podem estar prejudicando a acurácia dos seus resultados, a acurácia de cada item irá fornecer a acurácia final, pequenos erros somados poderão apresentar grandes divergências no final. Quando se trabalha com pequenos números (1 produtivo, 1 dia) o erro pode ser insignificante, mas para grandes números (total da oficina, anos) esse erro pode ser a diferença entre permanecer no negócio ou não.

Outro erro comum é o erro da análise dos índices, são gerados vários índices no pós-venda, sendo uma prática comum comparar os índices por período, equipes ou funcionários.

Podemos citar como principais erros de interpretação e análise:

  • Quando se compara índices financeiros entre períodos diferentes, os valores anteriores são trazidos para o valor presente? É comum se comparar crescimento do faturamento entre períodos, para mostrar o crescimento da sua área, mas essa análise pode estar errada se os valores passados não forem trazidos para o valor presente. Nosso dinheiro sofre com inflação e a diminuição do poder de compra, o Real de hoje tem o poder de compra bem menor do que a 5 anos atrás.
  • Os índices são comparados na mesma base? Se você fala para o seu diretor que em 2019 você vendeu 14.784 horas, que é muito mais do que as 13.242 horas vendidas em 2018, ele pode ficar feliz e até dar uma bonificação, mas o número de produtivos em 2018 é igual a 2019? Os dias úteis foram iguais? Esse tipo de informação deverá ser acompanhado de outras variáveis para se ter uma conclusão entre períodos. Outros índices possuem o mesmo problema, tais como faturamento (faturamento / passagem ou faturamento / horas vendidas), horas vendidas (horas vendidas / produtivo ou horas vendidas / passagem), peças (peças / passagem ou peças / horas vendidas), etc.
  • Os valores são mostrados somente como médias de resultados? Analisar uma variável somente pela média pode ser uma armadilha; outros parâmetros estatísticos devem ser analisados em conjunto, tais como: mediana, desvio padrão, quartis, etc... Se a variável possui muita dispersão, utilizar apenas a média para realizar inferências(3) pode ser desastroso. É necessário o estudo das distribuições dos principais índices para conhecer seu cenário probabilístico.
  • A coleta dos dados para cada índice está correta? Índices de performance devem considerar todas as Ordens de Serviço (OS) do período, índices financeiros somente as Ordens de Serviço com faturamento! Se você calcular o valor de mão de obra médio (faturamento / horas vendidas) utilizando todas as OS, o valor será menor do que o verdadeiro, pois existem horas que já foram vendidas e não faturadas.
  • Todos os recursos matemáticos são utilizados? Para gerar a sugestão de compra de peças o sistema utiliza todas as fórmulas ou alguns parâmetros são introduzidos manualmente? É comum sistemas que não calculam estoque de segurança, ponto de pedido ou lote econômico: o usuário deverá introduzir esses valores manualmente! E são valores dinâmicos e que alteram sensivelmente o tamanho do seu estoque e o índice do primeiro atendimento.

Conheço um caso onde uma montadora definiu faixas de premiação para as notas de CSI dos concessionários: a montadora utilizou a média do CSI do concessionário para saber em qual faixa ele pertencia, em função da faixa o concessionário ganhava um número de pontos.

O erro da montadora foi não considerar os limites das notas para garantir o grau de confiabilidade, ou seja, uma nota não é só uma média, possui também um intervalo, um erro padrão! Por exemplo: 8,4 mais ou menos 0,3, com um grau de confiabilidade de 95%, o concessionário pode possuir uma nota no intervalo 8,1 a 8,7.

Como a montadora não lembrou dos intervalos, e foi definindo faixas de pontuação onde o concessionário poderia estar em mais de uma faixa. Felizmente, para a montadora, nenhum concessionário percebeu o erro.

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Existe um livro clássico chamado “Como mentir em estatística” escrito por Darrell Huff, lançado nos Estados Unidos em 1954 e que atualmente foi relançado (inclusive no Brasil), que demonstra vários erros na interpretação das informações estatísticas e como são usadas para beneficiar ou prejudicar um resultado.



Dominar os conceitos básicos da estatística atualmente é imprescindível para qualquer gestor que não quer ser enganado!

“O pensamento estatístico um dia será tão necessário para a cidadania eficiente quanto a capacidade de ler e escrever” H. G. Wells

Quando analiso os atuais DMS’s a disposição no mercado, fico espantado com a falta de empenho para melhoria da acurácia das informações geradas, seja em serviços ou peças, e grande parte dessa culpa são dos usuários que preferem aceitar as informações do que realmente compreendê-las, validá-las e corrigi-las!

E parte da culpa são das próprias empresas que constroem e colocam a disposição os DMS’s! Não se atentam que hoje em dia, com o poder matemático de cálculo que possuem em seus servidores, não precisam mais usar métodos simplificados ou simplistas, que eram utilizados quando se faziam esses cálculos a mão. A velocidade da disponibilidade da informação era importante para o gestor, e como se demorava muito tempo em fazer os cálculos e ainda levando em conta varianças, desvios padrões e que o resultado era um número com uma faixa de dispersão, o que fazer com isso então? E ainda havia o problema se o gestor ou titular da concessionária iria compreender que aquele número não era absoluto e se iria então confiar nele.

Se você acha que estou exagerando, verifique as equipes de trabalho das empresas que produzem os softwares dos DMS’s! Vai encontrar grandes equipes de programadores em diversas linguagens, especialistas em bancos de dados, diagramadores de resultados em diversos tipos de gráficos e planilhas, e... cadê os estatísticos e matemáticos? Não há!! E nas montadoras o problema é o mesmo, ou você já conheceu o matemático ou estatístico que suporta a análise de dados das equipes de Pós-Vendas?

Estamos mais preocupados em obter mais dados do que entender e melhorar o que já possuímos! E na maior velocidade possível! Estamos atolados num mar de lama de dados e informações sem saber a trilha segura que podemos seguir! Está na hora de parar e rever tudo que realmente utilizamos para atribuir valor, e desta forma tentar melhora nossa precisão e acurácia nas decisões gerenciais.

Notas:

  1. Variabilidade: Em estatística, dispersão (também chamada de variabilidade ou espalhamento) mostra o quão esticada ou espremida uma distribuição (teórica ou que define uma amostra) é. Exemplos comuns de medidas de dispersão estatística são a variância, o desvio padrão e a amplitude interquartil.
  2. Ruído: é um fenômeno que indica uma mistura de dados que não seguem nenhuma lei precisa em relação a amplitude e frequência, distribuídas ao acaso. 
  3. Inferência estatística: consiste em fazer afirmações probabilísticas sobre as características do modelo probabilístico, que se supõe representar uma população, a partir dos dados de uma amostra aleatória (probabilística) desta mesma população.

02/03/2020

JORBSON MOREIRA DA SILVA

Gestor de Pós Vendas /Especialista em Piloto Automático Agrícola/Consultor Técnico em Mecanização/Instrutor de Treinamentos/Especialista em Manutenção de Máquinas Agrícolas.

1 a

Que artigo fantástico

Wellington Salomao

Industria Automotiva | Vendas e Marketing | Pós Vendas | Aftermarket | Negócios | CX | Trade Marketing | B2B | Gerente Regional | Supervisor | Consultor

5 a

Artigo muito profissional. Abordagem fundamental de acurácia em termos tecnicos e científicos

Carlos Momisso

Administrador pós-graduado, proprietário da CM

5 a

Excelente!

Rafael Castriani Lucas

Consultoria | Pós Venda | Exportação | Analista na Honda

5 a

Interessante para pensar 🤔 parabéns pelo artigo!!

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