Jonas e a Baleia: mito da imortalidade
A vida costuma nos mandar avisos: às vezes um leve roçar na pele, outras vezes um tapa mais consistente e de outras ainda, nos derruba no chão com um soco ou nos dá uma rasteira. Tenho muito medo de não estar atenta a esses avisos, porque, geralmente, eles vão ficando mais fortes à medida em que não nos conscientizamos daquilo que precisa ser transformado e revisto. Tenho acompanhado pessoas passando por situações traumáticas e limite, muitas delas próximas da morte física, sem que qualquer consideração ou conscientização seja feita. Não há perguntas e, portanto, não há respostas. Se volta àquela vidinha que se levava antes, sem qualquer modificação.
É aterrador pensar nisso…
Há alguns anos sofri “desproporcionalmente” por conta de um financiamento imobiliário que me obrigou a ir morar, temporariamente (três meses), em uma quitinete horrível, na Rua Dr. Quirino, aqui em Campinas. Minhas coisas todas amontoadas naquele espaço sem luz, sem ventilação e úmido. O banheiro tinha vazamento, o chuveiro não esquentava e o apartamento, literalmente, fedia. Entrei em crise e depressão. Chorava à toa e me deixei mergulhar em um mar de desesperança e pessimismo. Meu mundinho concreto e real estava ameaçado e não tinha escoras espirituais para me segurar (fé).
Quando digo ‘desproporcional’, me refiro ao fato de que o processo de financiamento, embora lento, por conta do aparecimento de um homônimo na transação, estava devidamente encaminhado e com toda a perspectiva das coisas terminarem bem. Não teria problemas com multas e nem com despesas extras. Estava tudo devidamente equacionado. Minhas contas estavam pagas, estava empregada, trabalhando e com boa saúde. Em suma: havia problemas, mas sem uma gravidade que provocasse os sentimentos e as reações emocionais e físicas como aquelas. As horas, dias e semanas passavam mais lentamente do que eu gostaria…
Então, um dia, na análise (psicoterapia), ‘chorando’ os meus dramas diários, minha analista virou e me saiu com essa: “Carol, eu espero que a vida não tenha que lhe mandar uma situação mais grave para que você possa perceber que as coisas que estão acontecendo são apenas obstáculos comuns e normais da vida. Coisas que são gerenciáveis e administráveis. De verdade, nada de grave está acontecendo…”.
Me calei. Refleti e percebi o quanto suas palavras tinham sabedoria. Foi como se um ‘tijolo’ tivesse caído na minha cabeça. Me senti como uma pessoa em crise histérica que leva um tapa na cara.
Retomei o controle da situação e exercitei a paciência, a aceitação e a passividade – não do ponto de vista negativo, de quem não toma providências, mas de quem as tomou e agora aguarda a contrapartida. Encontrei uma nesga de fé, me agarrei à ela e passei a acreditar que o universo me responderia. E ele respondeu prontamente.
As coisas ocorreram como o previsto e na data calculada me mudei para o novo apartamento.
Sabe, com a maturidade e a tomada de consciência percebo que tudo tem um porquê e uma mensagem encerrada. Costumo dizer que hoje até a extração de um dente pode trazer oportunidade de reflexões e possibilidades de transcendência. Mas não para todo mundo. Acredito que a vida nos envie conflitos sobre temas que precisam de revisão e crescimento. Alguns recebem um aviso, depois um grito e, se continuam sem reagir, levam um coice da vida. Ai, que medo!
Vejo situações e experiências tão incríveis que me pergunto se é possível alguém passar por elas sem ser transformado. Lembro do mito de Jonas e a baleia.
Jean Yves Leloup, em seu livro ‘Caminhos da Realização’, analisa como a história contada no Antigo Testamento da Bíblia pode nos ensinar sobre os medos e resistências, com os quais nos deparamos na busca de nosso sonho.
No mito, Deus dá uma ordem a Jonas, mas ele o desobedece e toma um barco para o lado oposto ao que deveria ir. Sobrevém uma forte tempestade. O capitão decide então procurar Jonas, que havia descido para o porão, e é encontrado deitado, dormindo um sono profundo. Jonas confessa ter desobedecido a Deus e pede que lhe joguem ao mar. A tempestade então cessa. Ao ser lançado nas águas, é engolido por uma baleia, dentro da qual passa três dias, até se arrepender e pedir a Deus que lhe desse uma segunda chance. Assim, ele é expelido da baleia e finalmente segue para o seu destino.
“Portanto Jonas, num primeiro momento, é o arquétipo do homem deitado, adormecido, do homem que não quer se levantar e não quer cumprir missão alguma. É o arquétipo do homem que foge, que foge da sua identidade, que foge da sua palavra interior, que foge dessa presença do Self no interior do Eu. Essa fuga de sua voz interior vai provocar um certo número de problemas no exterior dele mesmo”. Continua Leloup: “Há momentos que não podemos mais nos mentir, nos contarmos estórias. Nós somos obrigados a ser autênticos, não podemos mais fugir. O arquétipo de Jonas é também um convite para que mergulhemos na profundeza de nosso inconsciente, para passarmos através destas sombras, para mergulharmos na nossa própria experiência da morte, aceitarmos que nosso ser é mortal, para descobrirmos, em nós, o que não morre”.