Licença, Paternidade
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Licença, Paternidade

É munido de muita pompa, ironia (e uma edição da Gramática) que venho propor solenemente a troca do nome “Licença Paternidade” por “Licença, Paternidade”. É coisa pequena, eu sei, mas como bom redator de origem também sei muito bem toda a diferença que uma vírgula pode fazer no contexto de uma frase.

Para tal, parto de dois cenários: o legal e o cultural.

Partindo do primeiro, meu principal argumento para tal é a honestidade. Afinal, a Constituição Brasileira de 1988 determina que pais tenham cinco dias corridos (!) ao lado de seus filhos após o nascimento dos mesmos. Isso significa que, se o seu filho nasce em uma quarta-feira, segunda você já está de volta ao batente. Dentro deste cenário, sejamos honestos, é absolutamente impossível fazer uma diferença relevante junto a sua companheira ou companheiro - que dirá ao recém nascido - em um período tão curto.

Ademais, a mesma Constituição demanda que a mãe tenha 120 dias ao lado de sua cria (podendo ser estendida em mais 60) antes de voltar ao trabalho, deixando bastante claro que cuidar de criança é coisa de mulher. Mais do que isso até: é obrigação - e aqui pouco importa sua condição física, mental ou mesmo a dinâmica financeira da casa.

Alguns irão argumentar, com razão, que existe o adendo da Empresa Cidadã - o que pode garantir aos pais ao menos 15 dias a mais. Pois eu garanto que nem 6% destas pessoas (a mesma proporção de dias de licença para os pais perante as mães) sabem que este remendo vem acompanhado de penduricalhos jurídicos como a empresa em questão ter lucro real declarado para poder conceder tal benefício.

Outros dirão que algumas companhias (quase todas globais) vão além e oferecem licença de 4 ou até 6 meses para os pais. A Suécia é a recordista, com 68 semanas, enquanto que Dinamarca, Coréia do Sul e Japão conferem até 1 ano do benefício. Mas, convenhamos, estas são poucas, pouquíssimas, raras. E o motivo para tal é óbvio: se o Governo não concorda em repartir os honorários deste investimento, quantas são as empresas que conseguem cobrir tudo sem desequilibrar a balança?

E é aqui que entra ele, o fator cultural.

Por óbvio que tudo isso contribui diretamente para a ideia impetrada em nós de que pais “ajudam a cuidar da criança”. O que é errado, mas também é cômodo para a grande maioria dos homens que pensam exatamente assim. E sabe quem pensa assim? Quem faz as leis. Provavelmente os mesmos que defendem que sempre foi assim e que pensam que estar presentes no final de semana já é ajuda até demais.

Para além de disso, um relatório do Instituto Promundo mostrou que quase 70% dos pais sequer pega a licença paternidade - uma realidade que se repete mesmo em empresas que conferem 20 dias estendidos. Ou seja: total descaso e desinteresse.

E aqui existem mais dois pontos cruciais para a presença paterna nos primeiros meses de vida de um recém nascido: o primeiro é emocional e o segundo racional. O emocional tange a construção do laço emocional entre pai e bebê, uma vez que, até então, a criança só conhece e reconhece a mãe como um ponto seguro que a resguardou por muitas semanas; já o racional diz respeito às dezenas de micro decisões diárias que se deve tomar e que não podem nem devem ficar somente com a mãe.

Onde o bebê irá dormir: em um berço no seu próprio quarto, em um moisés ao lado da cama, na própria cama dos pais? O banho é todo dia, dia sim-dia não, de manhã e de noite? A amamentação será única e exclusivamente no peito, com complemento de fórmula, só com a fórmula, bombeando, com sonda, mamadeira? E a chupeta, pega ou não pega? Cortamos o freio da língua? Sai pra passear ou espera todas as vacinas? Deixa os avós beijarem ou exige máscara? É mais ou menos por aí - e ainda tem muito mais.

Fora que, quando se volta ao trabalho, é normal escutar perguntas do tipo “descansou bastante?”, “como foram as férias?”, “voltou cheio de energia?” e outras questões descabidas de sentido e de graça. Se você de fato se dedica a ser pai e mãe, são as planilhas e reuniões que podem parecer verdadeiras férias remuneradas.

O fato é que, não quero bancar o Fiuk no BBB, mas muito embora eu tenha total consciência do meu privilégio profissional, minhas férias se acabaram hoje - e eu e minha esposa já estamos aflitos com nova rotina. Como será? Não sabemos, nem tem como saber.

Meu apelo aqui é com todos os homens e donos/donas de negócios envolvidos no mercado de trabalho brasileiros, sejam pais ou não: nós precisamos falar, lutar e pressionar sobre estar oficialmente presente na vida dos nossos filhos. Se é um abaixo assinado para que se reveja a lei federal ou uma movimentação informal, eu não sei - mas algo precisa ser feito.

Caso contrário, seguiremos reforçando a ideia de que a “Licença Paternidade” é, em bem da verdade, um “dá licença, paternidade”.

YURI BOJARCZUK

Head of Sales | Administrator | Engineer | Cybersecurity | Threat Intelligence | Open Source Intelligence | OSINT | Sailor

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