Não é todo mundo que quer liderar - e tá tudo bem
The Hollywood Reporter

Não é todo mundo que quer liderar - e tá tudo bem

Já faz algum tempo que tenho lido matérias (aqui, aqui e aqui) sobre jovens da Geração Z que declaram abertamente que não pretendem ser chefes de nada nem ninguém. Mas, em meio a tantos comentários assombrados com tal situação, me permito ir na contramão e achar isso plenamente normal e legal - por vários e diferentes motivos.

Primeiro porque, me apegando às matérias dos links acima, a principal razão colocada por estes jovens adultos é mais do que justificável: um equilíbrio maior entre vida pessoal e profissional. Afinal de contas, as gerações anteriores (eu incluso!) aprenderam que o trabalho vem sempre em primeiro lugar; logo, deve-se sacrificar família, amigos e relacionamento para “se dar bem na vida”.

No entanto, isso para mim é só o topo do iceberg: o buraco é bem mais embaixo e muito mais antigo do que podemos explorar somente na superfície.

Para mim, a razão maior de termos tantas pessoas avessas ou com medo dos cargos de chefia é o fato de terem tido experiência ruins com suas próprias lideranças durante a carreira. E aí, se você teve sempre um chefe fraco, abusivo, preguiçoso ou injusto, por quê vai querer ser um “deles"? 

A verdade é que poucas empresas preparam suas lideranças. As pessoas simplesmente vão crescendo dentro de suas especialidades e um belo dia recebem uma "promoção": salário maior e a responsabilidade de cuidar de outras pessoas. Quem vai dizer não, não é mesmo?

E é justamente porque nossos avós, nossos pais e nós mesmos não pudemos ou tivemos coragem de falar “não” que a figura do chefe passou a ser mal vista. Quando você não tem noção do que fazer, o mais fácil de fato é usar a rigidez para controlar; se der certo, mérito seu e se der errado, falha da equipe.

Outro ponto importante é a aptidão e/ou o desejo. Como coloquei acima, é claro que é possível (e necessário) preparar profissionais para liderar; no entanto, para alguns isso é totalmente natural - enquanto que, para outros, é praticamente uma auto agressão.

Quantas vezes você já não se deparou com o perfil da pessoa que tem um desempenho incrível exercendo a sua função individual, mas que, ao ser colocada em grupo ou alçada a um cargo de chefia, simplesmente se perde e perde toda a sua confiança? Eu já tive chefes incríveis que não eram tecnicamente brilhantes e muitos chefes geniais que eram líderes muito falhos.

Em 2016, exemplifiquei isso no artigo: "Neymar: o Diretor de Arte que nunca será Diretor de Criação” - que, modéstia a parte, dentre as toneladas de erros que cometi tentando fazer previsões na minha vida, essa parece mais atual do que nunca. Mas, aproveitando o paralelo, o fato é que nem todo craque nasceu para ser capitão e vice-versa.

Romário era craque, Dunga capitão. Pelé era craque, Carlos Alberto capitão. Mesmo quando temos craques-capitães como Messi e Cristiano Ronaldo, fica claro que o primeiro lidera muito mais pelo exemplo do que pela retórica, enquanto que o segundo tem o dom da motivação mas também tem seus arroubos de estrelismo e egocentrismo durante o processo.

Quando comecei em agências de publicidade, me lembro que era comum a figura do “assistente de arte de 40 e poucos anos”: o sujeito que tratava imagens de forma perfeita e que acertava layouts com maestria, mas que não era chefe. Era uma espécie de especialista, um assistente sênior por assim dizer (se é que isso faz sentido).

A impressão que tenho é que, hoje, todos temos que aparecer, brilhar e liderar cada vez mais cedo. E se é verdade que isso traz benefícios como a não perpetuação de antigas e predatórias lideranças por décadas, também é realidade que produz líderes crus e despreparados para trabalhar dentro de equipes.

É importantíssimo também se ter em mente que não dá para ter tudo. Quando alguém se especializa em liderar, naturalmente vai ficando enferrujado no “fazer”, ao passo que quando mais faz menos tempo tem para exercitar o “liderar”.  É loucura pensar que alguém consegue ter total controle do seu time grupal e individualmente (conversando, tutorando e dando feedbacks) e ainda por cima produzir em qualidade e quantidade. Lembre-se: “tudo não terás”.

Peço perdão porque essa prosa já se alongou demais, mas fecho o texto oferecendo um pitaco que ninguém pediu: não é a Geração X que não quer ser chefe, mas sim todas as pessoas de todas as gerações do mercado de trabalho que estão percebendo isso com mais clareza.

Nem todo mundo quer ser chefe, embora todo mundo queira ser reconhecido pelo que faz bem. E adivinha? Tá tudo bem.

Boa!!! Um jogo de xadrez sempre foi e será composto por peças diversas. Cada uma com o seu papel.

Gabriela Castro

UX/UI Lead Designer • NTT DATA BRASIL

7 m

Bravo! É exatamente isso e sobre isso. Deu até um certo alívio aqui. 😅

Lucas Miguel Mateos

Diretor de Arte na EstrelaBet

7 m

Reflexão importantíssima!! Conversava com alguns amigos dias atrás sobre isso.

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