O intérprete é estrela?
Só se fizer parte de uma constelação com diversos outros astros. A Interpretação de Conferências pode até exalar glamour, mas o que deve predominar é o espírito de equipe e a mentalidade de servir em diferentes circunstâncias.
O intérprete é a ponta do iceberg. Há diversas equipes atuando em um congresso, por exemplo, a da empresa contratante, a do hotel, a de recepcionistas, a de técnicos de som, a de garçons... Existe todo um mecanismo, do qual a interpretação simultânea é só uma engrenagem. Importante, mas só uma das peças. Sem o concurso das outras equipes, o Intérprete não teria como exercer seu trabalho na maior parte dos eventos.
O problema do estrelismo é que o foco recai na pessoa errada. O intérprete deve enfocar o sucesso do evento. Esse é o elo que reúne toda a cadeia de prestadores de serviço. Quem nos contrata tem outros problemas para resolver, principalmente os do cliente. Se formos dar trabalho extra, o contratante (empresa, intérprete coordenador ou intérprete chefe) pode acabar chegando à conclusão de que mais atrapalhamos do que ajudamos. Nosso trabalho é resolver os problemas do cliente, em parceria com o contratante. Nessa abordagem, não há espaço para estrelismo.
Querer ser bem tratado e ser reconhecido pelo serviço que oferece é anseio válido. O limite do saudável é quando esse desejo se sobrepõe a todo o resto. O nosso trabalho é servir, e isso é uma questão de perspectiva. É aí que podem ser necessários alguns ajustes.
Trabalhar com idiomas em eventos internacionais confere algum glamour aos intérpretes. Isso acontece independentemente da pessoa do profissional. Talvez esse comportamento social seja herança psicossociológica de um país que costuma cultuar o que vem de fora. Sejam lá quais forem os motivos, no final das contas, é preciso ter em conta que o Intérprete é um operário. Intelectual, mas operário. Afinal, continua falando sem parar, quando quase todo o mundo já se calou. Se retirarmos o prestígio dado aos idiomas, veremos que metade do glamour vai embora.
É normal que o valor do intérprete cresça sob a sombra de autoridades ou personalidades importantes interpretadas. Usar isso para marketing pessoal é prática comum. Confundir isso com valor pessoal é distorcer os fatos. Se intérpretes experientes estão propensos a isso, os iniciantes mais ainda.
Alguns novatos começam e são catapultados a um meio social que desconheciam. Seu senso de autoimportância muda. Guardadas as devidas proporções, a situação é parecida com a do jogador de futebol que, de repente, deixa a sua comunidade e é alçado à condição de personalidade pública internacional. Se não tiver os pés no chão, o sucesso sobe à cabeça.
Vários são os exemplos de estrelismo. Ewandro Magalhães, em “Sua Majestade, o Intérprete”, menciona o intérprete Alberto Roberto, no capítulo Pavões, Papagaios e Piratas. Esse espécime da fauna da Interpretação quer se diferenciar da voz do colega, a fim de não ser confundido em caso de erro do concabino. Nega ajuda a colegas em apuros. Minimiza percursos formativos diferentes. Despreza colegas que não fazem parte dos mesmos grupos. Enfim, demonstra parco espírito de equipe. A cabine é uma só, e ambos os intérpretes estão no mesmo barco. Ajudar e ser ajudado cria um clima de confiança e de cumplicidade profissional que deixa as coisas mais leves, conduzindo à maior possibilidade de sucesso do evento.
Na base de tudo isso, encontramos a mentalidade de servir. Evidentemente, há hierarquia nas prioridades. Contratante, cliente final, concabino, a profissão como um todo... Cada um desses elementos pode ganhar maior ou menor relevo em situações específicas. De qualquer modo, os alicerces de tudo estão no compromisso pessoal de ajudar. Para além de rótulos político-econômicos, o exercício de uma profissão é um modo de contribuir à sociedade. Os intérpretes construímos pontes. Servimos à comunicação entre pessoas físicas e jurídicas de línguas e de culturas diferentes. Somos artífices da paz e do entendimento mútuo.
Agora, vejamos: o exercício de profissão tão bonita e estimulante combina mais com o estrelismo ou com a mentalidade de servir? Sejamos uma estrela a mais, cuja resplandecência não ofusca, e sim reforça o brilho de toda a constelação.
Global Language Strategist | ex-UN | TED Author | Innovate through language and persuasion
4 aBoas reflexões sobre uma faceta importante da interpretação. Obrigado pela menção, Otto Mendonça. É muito importante esse trabalho de conscientização que você vem fazendo.
Owner at Órion Tradução e Interpretação
4 aIsso mesmo, Otto. Nenhum intérprete faz sozinho uma conferência internacional. É um trabalho a muitas mãos, típico da indústria de eventos, como você destacou.
Trabalhando a mais de 8 anos para diminuir barreiras linguísticas no par inglês de/para português, sou o tradutor e intérprete de conferências ideal para o seu projeto. Como posso te ajudar?
4 aQuem sabe as estrelas da interpretação poderiam ser mais parecidas com algumas estrelas da música que fazem parcerias com músicos iniciantes
🗣 Intérprete trilíngue com + de 10.000 horas de experiência 👩🏻💻RSI, OPI e VRI 🚀 Comunidade Galera da Adrenalina 🎓UnB e USAL
4 aGostei muito dessa analogia! Concordo com o pensamento e fico feliz quando vejo outras pessoas mais humanitárias 😍