O Lírio Branco e o limite dos pseudo motivadores
Asterix – O Lírio Branco é o 40º álbum da série de aventuras de Asterix e foi o primeiro a ser totalmente concebido, escrito e desenhado sem os grandes autores René Goscinny (texto) e Albert Uderzo (desenhos), já falecidos. A primeira e histórica edição data de 1959!
No lugar de Jean-Yves Ferri, responsável por 5 álbuns e escolhido por Uderzo para substituí-lo, entrou Fabrice Caro, que assina como Fabcaro. Impossível encontrar outro escritor dotado da capacidade inventiva febril de Goscinny, mas Fabcaro cumpriu sua missão com maestria e consistência.
Na estória, Júlio César, diante de diversos casos de soldados desmotivados deserdando seus postos, aceita o aconselhamento do Médico-Chefe de seu Exército, que consiste em empregar uma abordagem psicológica que ele batiza de “Lírio Branco”, basicamente uma forma de colocar na cabeça dos legionários uma política de Pensamento Positivo, algo na linha que os pseudocoachs adotam atualmente. Apesar de estranhar, César aprova um projeto no qual o pseudocoach precisa provar a eficácia de seu método e aplicá-lo na aldeia de irredutíveis gauleses, que tanto Júlio Cesar pretende conquistar. Assim, o misto de médico e psicólogo passa a usar seu palavreado repleto de floreios e de frases de efeito educadas e politicamente corretas para mudar a forma de pensar, tanto dos legionários em seus acampamentos, como dos habitantes da aldeia.
Panoramix comenta como é possível nossos amigos seguirem tão rapidamente os conselhos do visitante romano. Asterix opina inicialmente que ele é aparentemente inofensivo, pois parece falar sem dizer nada! No entanto, Panoramix se preocupa sobre a possível influência dele na Aldeia. Asterix replica opinando que não há nada a temer, pois o romano formula belas frases porém sem maiores consequências, já que nossos amigos certamente têm personalidade suficiente para não seguir como tolos o que ele fala! Em seguida, aparece Veteranix, o senhor velhinho saltitante e todo animado com as palavras que acabou de ouvir do romano coach de palavras macias!
Assim, Asterix percebe que as palavras macias do charlatão romano, embora aparentemente inofensivas, baixam a guarda das pessoas e as torna mais frágeis e vulneráveis ao ataque dos inimigos, no caso, os romanos. Os habitantes da Aldeia perderam o senso crítico e o espírito de resistência! E nem a poção mágica consegue resolver sozinha o problema. O que precisa neste caso é um choque de realidade, opina o druida Panoramix! Qualquer semelhança com situações do quotidiano não e mera coincidência!
De certa forma, O Íris Branco revela-se como o anti-A Cizânia, com a diferença principal, se comparado ao 15º álbum da série, que o personagem dissimulado da vez Tulius Detritus tinha o dom de semear a discórdia instantaneamente e promover o conflito! Aqui, o coach charlatão e sua estratégia de amolecer corações e de basicamente baixar o senso e espírito crítico de todos ao seu redor envolve um processo bem mais lento, que exige diversas visitas dele à aldeia gaulesa. Ele aborda vários personagens e finalmente Naftalina, a esposa do chefe Abracurcix, que acaba sendo levada voluntariamente para Lutécia, como era chamada Paris lá pelo anos 50 Antes de Cristo, onde seria raptada e oferecida a Júlio Cesar como moeda de troca!
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Claro que o único que não cai no “papo mole” do romano picareta é Asterix, que começa a perceber que tem algo de errado na presença dele ali e logo avisa o druida Panoramix que, uma vez descoberto o plano, consegue preparar sua poção mágica a tempo e proteger a aldeia de mais esta ameaça.
Trata-se de um texto um tanto verborrágico porém muito divertido, especialmente quando Asterix usa o remédio do romano contra ele mesmo, acompanhado como sempre de seu amigo inseparável Obelix, que passa a aventura toda sem entender nada que acontece ao seu redor.
Como o texto ainda não havia sido lançado no Brasil quando da redação deste artigo, ele foi redigido com base na leitura do original em francês.
Asterix – O Lírio Branco (Astérix – L’Iris Blanc – França, 26 de outubro de 2023), editora Hachette.
Daniel Alberto Bernard, 57, é fã incondicional das Aventuras de Asterix. Economista e Mestre em Administração pela FEA-USP, assessorou cerca de 440 redes de franchising e negócios em rede ao longo dos últimos 32 anos e criou uma metodologia denominada Teste Aldeia Gaulesa™ para avaliação de perfil comportamental (estilo de liderança e comportamento em grupos) utilizada na seleção de franqueados, na montagem de equipes de alta performance e em processos de sucessão empresarial. Também orienta franqueados na escolha da melhor oportunidade de negócios.