O preço da disponibilidade
Outro dia vi aqui uma enquete perguntando se somos reféns da tecnologia... Sem whatsapp, e-mail, google e internet sobreviveríamos e teríamos contato com as pessoas da mesma maneira? Naturalmente o resultado foi um sonoro SIM. Afinal, qualquer um sabe que, da mesma forma que a tecnologia veio para ajudar, como quase tudo na vida nos acostumamos com o que é bom e raramente vivemos de outra forma.
Também não foi a toa que a pandemia gerou um colapso emocional entre as pessoas e a tecnologia. Afinal:
A mesma tecnologia que nos permitiu continuar trabalhando no home office - por muito mais horas do que no escritório - gerou um esgotamento de rotina e de excesso de informação.
Também não são poucos os estudos que abordam os novos desafios que essa relação - homem x tecnologia - tem gerado. Desde os efeitos caóticos dos alertas de mensageria e redes sociais nos celulares até novas doenças como a #nomofobia.
Mas tem outro ponto que se torna a cada dia um desafio mais complexo para muitos profissionais: os novos conceitos de disponibilidade.
Se, por um lado, a tecnologia quebrou as barreiras geográficas e nos permitiu estar em diversos lugares ao mesmo tempo ou até atender mais de um cliente ao mesmo tempo, por outro ela gerou uma expectativa de imediatismo quase surreal nas pessoas. Cinco minutos se tornaram um prazo quase inaceitável para uma resposta de whatsaspp. E se você, assim como eu, costumava ser o tipo de pessoa que não dormia sem ter um e-mail não lido e respondido (mesmo que fosse posicionando o prazo para solução da questão), então transferiu para o mundo da mensageria o TOC de não conseguir virar um período sem solucionar todas as novas mensagens. Ou ainda pior: sem conseguir partir para outra tarefa sabendo que tem alguém na fila de resposta.
O primeiro ponto para resolver este conflito começa dentro de nós: o autocontrole. Entender que essa obsessão faz mal e que não te torna um profissional mais qualificado ou desejado é o primeiro passo para tranquilizar sua mente e coração aflitos. Junto com essa prática de convencimento diário, vem o duro treinamento para mudar o hábito. É quase como uma abstinência, mas você vai superar a difícil curva de aprendizagem dos dependentes e mudar sua rotina se realmente estiver engajado com isso.
O segundo passo é fazer com que as pessoas que se acostumaram com sua sempre ágil resposta compreendam que a demora não significa mudança na qualidade do seu atendimento. Ao contrário! Ele certamente se tornará melhor a partir do momento em que você consegue focar uma tarefa por vez e entregar soluções mais completas do que respostas como "já vi sua solicitação e consigo te entregar isso em dois dias, ok?" (correndo o risco de atrasar em função de sua obsessão de continuar priorizando responder mensagens do que focar nas entregas).
Mas a era que colocou o imediatismo como uma característica quase natural do ser humano via mensageria reserva desafios maiores do que simplesmente seguir e promover uma mudança de hábito que, por si só, já não é fácil...
O WhatsApp e seus similares se tornaram a ferramenta mais utilizada de todos os tempos não apenas pela facilidade de comunicação proporcionada, mas também por ser um "jeitinho" de burlar caminhos e agilizar as solicitações (quem nunca mandou um whatsapp ao invés de um e-mail ou chamado por saber que aquilo poderia agilizar o processo que atire a primeira pedra). Mas para o grupo do TOC tecnológico em recuperação esse pode ser um gigantesco pesadelo...
Como profissional liberal e empreendedora, o WhatsApp é hoje uma das minhas principais ferramentas de comunicação, obviamente. Seja para falar com clientes, fornecedores ou novos contatos, a maior parte do fluxo de comunicação está lá. É inegável. Mas exatamente como um alcóolatra que diz que um gole não vai fazer mal, eu tive uma baita recaída ao acreditar no conto "ah, dormir com todas as mensagens lidas vai ser tranquilo". Mas não, não é! Porque assim como a comunicação mudou de canal, as solicitações também. E se a mensagem é mais uma fonte de informação, a solicitação muitas vezes ainda é tão complexa quanto antes ou gera longas e intermináveis discussões, sobretudo se do outro lado tiver alguém sem objetividade. Quando se viu, já era o foco do trabalho em andamento...
Mas o pior monstrinho de todos neste cenário é que, geralmente, o TOC irremediável de quem está numa ponta alimenta a ANSIEDADE de quem está do outro lado. Logo, o meu interlocutor se acostuma com minha taxa de resposta imediatista e não aceita demoras. Cinco minutos a mais se tornam uma frustração gigantesca para ele e minam a qualidade de nossa relação. E corrigir isso se torna um desafio ainda mais complicado do que simplesmente me esforçar para controlar o meu TOC.
Vê como é complexo?
Estamos criando uma geração de ciclos destrutivos sem perceber.
A mudança, no entanto, não é apenas necessária para otimizar os fluxos de trabalho e a tônica dos relacionamentos profissionais, mas é essencial para um negócio extremamente importante chamado: qualidade de vida.
Você já parou pra controlar quantas notificações pingam no seu celular todos os dias? E já tentou relacionar esse índice com o seu índice de estresse? Tenha essa curiosidade um dia. Os celulares hoje tem no painel de configuração um controle que permite acompanhar o número de notificações e quais foram os aplicativos que geraram essa demanda.
Cuidar agora de retomar alguns limites básicos é um passo importante para que possamos continuar usufruindo a parte boa da tecnologia sem nos tornarmos reféns dela. Toda a flexibilidade e conveniência que o home office e a era do cloud computing trouxeram abre espaço para moldarmos a rotina à nossa própria maneira, seja trabalhando a noite e curtindo o dia ou ainda viajar trabalhando ao mesmo tempo, como exemplos. Mas colocar começo, meio e fim nas atividades, assim como no ciclo de respostas rápidas, são passos fundamentais para estruturar uma base saudável para sua mente e sua posição como profissional.
Você também sofre com isso? Compartilha nos comentários com a gente que alternativas tem encontrado para lidar com este desafio!