O que te faz feliz?
Nestes tempos de afastamento social, pandemia e tantas turbulências políticas que nos afligem, tenho buscado meios de tirar o foco dos problemas e das más notícias e me aproximar de boas energias, ideias e ações que possam contribuir para reverter essa onda de negatividade que cerca o mundo. Uma das coisas que tem sido um alento diante deste nefasto cenário, é a leitura. E com a leitura de um livro que me deparei com dois conceitos que tem estado em meus pensamentos e reflexões ultimamente.
Por coincidência ou mero acaso, ouvindo um Podcast que também tem feito parte desses momentos de descompressão, me vi novamente frente aos conceitos de Hedonismo e Eudaimonia. Para algumas correntes filosóficas, trata-se de visões antagônicas sobre a felicidade. Apropriados pela psicologia, são vistos como complementares, e eu como psicóloga, me identifico com esta.
Para a Psicologia, enquanto no Hedonismo a felicidade e bem estar estão relacionados ao prazer trazido pelas conquistas materiais, sucesso, status social, realização de desejos de satisfação mais imediata, na Eudaimonia a felicidade é atribuída ao contentamento com quem você é, está relacionada a auto realização, viver de acordo com sua essência, seus valores.
Dar de cara com esses conceitos nesse momento, me fez pensar que talvez, um dos efeitos do isolamento social que estamos vivendo, quando forçadamente diminuímos o ritmo, tem sido proporcionar a alguns de nós a percepção do desequilíbrio que temos vivido, especialmente, quando consideramos esses dois aspectos da felicidade.
Tenho lido e ouvido muitos depoimentos de pessoas descrevendo esse momento como um reencontro consigo, com os filhos, marido, esposa, pais, amigos. A redescoberta das coisas simples que costumávamos fazer e gostar e que foram se perdendo em meio as responsabilidades impostas para dar conta do que se espera de nós.
Vivemos em uma época em que a competitividade, o reconhecimento social, o consumo excessivo, são incentivados e valorizados massivamente. Somos levados a acreditar que o céu é o limite e todo mundo pode tudo, basta querer. Assim seguimos, perseguindo objetivos sem ter muita consciência do porquê, consumindo o que não precisamos sem pensar nas consequências para nós e para o mundo.
A grande armadilha dos nossos tempos é que estamos sempre buscando o máximo de tudo, o máximo do conforto material, o máximo do reconhecimento social. É como se estivéssemos subindo uma escada e a cada degrau, aparece mais um e mais um, o topo nunca chega. A cada degrau alcançado eu almejo outro, e assim vai. Passamos boa parte da vida buscando satisfazer nossos desejos hedônicos, que são efêmeros, por isso essa sensação de insatisfação constante, de vazio que tentamos preencher. A satisfação e felicidade estão no que vem do exterior.
Temos visto no trabalho um meio para a satisfação desses desejos. Assim, trabalhamos demais, sem qualidade, realizando tarefas e atingindo objetivos que não falam com nossa essência, apenas para suprir necessidades geradas fora de nós. Nos esquecemos da satisfação e alegria que as coisas simples da vida podem nos proporcionar como, chegar em casa após o trabalho e termos tempo para ler um livro, para caminhar sem pressa, para cozinhar comida de verdade, jantar em família, visitar os pais ou um amigo, para buscar o filho na escola...
A ideia aqui não é fazer apologia a renúncia material. Todos nós temos o direito de conquistar bens, não é pecado querer morar em uma casa bonita e confortável, viajar nas férias, se sentir bem usando uma roupa bonita. Usufruir das coisas boas da vida nos dá prazer e o prazer é parte da natureza humana. No entanto, isso por si só, não nos permite viver com alegria e felicidade.
Nos trabalhos com os clientes que vem em busca de repensar carreira, outplacement e até mesmo na orientação vocacional, são recorrentes questões que me levam a perceber o quanto estamos confusos e desconectados com nossa essência, na verdade, acho que muitos de nós negamos quem somos para dar conta das exigências externas.
Alguns exemplos: “já que perdi o emprego, tenho pensado se realmente quero ter aquela vida novamente. Trabalhar 12 horas por dia, não ter tempo para mim, ver pouco minha esposa, não cuidar da saúde, mas como manter o meu padrão de vida?
“Voltei da licença maternidade e fui demitida. Por que me tornei mãe não posso continuar a ser a profissional que sempre fui?”
“Meus pais querem que eu siga uma carreira com a qual não me identifico, não gosto. Dizem que é a profissão do futuro, que não vai faltar emprego. Mas eu não quero isso, quero ajudar pessoas.”
“Os jovens de hoje, só querem fazer o que gostam, não pensam que tem que construir um futuro, pagar contas e nem sempre fazendo o que gostamos é que vamos conseguir dar conta disso.”
Creio que ainda estamos lidando com a nossa felicidade como na visão filosófica da Grécia antiga, onde Eudaimonia e Hedonismo são excludentes. Essa forma dualista como pensamos nossa vida, onde tudo é entendido como “ou isso ou aquilo”, é o que cria em nós a resistência em abrir mão. Como queremos o máximo de tudo, acabamos por ter dificuldade para encontrar o nosso ponto de equilíbrio.
Para que a balança fique equilibrada, precisamos tirar pesos dos pratos até que eles tenham valores semelhantes, para isso temos que escolher o que deixaremos para trás. Fazer escolhas pressupõe renúncias e para renunciar precisamos nos conhecer, saber qual é a nossa essência e ter a coragem de viver de acordo com ela. Reconheço que isso não é fácil para ninguém.
Penso que essa visão equivocada de felicidade pode ser o gerador desse desequilíbrio que tem se instalado em nossas vidas.
Temos observado muitas pessoas que se dizem descontentes, desmotivadas e insatisfeitas com o trabalho. Mesmo entre aquelas que tem bons salários, posições importantes, atuando em empresas reconhecidas e até empreendedores. O número de pessoas sofrendo de doenças relacionadas ao trabalho como Burnout, Transtornos de Ansiedade, entre outros, tem aumentado significativamente. A satisfação com o trabalho está diretamente relacionada a possibilidade de podermos exercer, além de nosso papel profissional, nossos papéis de filho(a), mãe e pai, esposo(a), cidadão e cidadã e todos os outros que nos represente.
É preciso olhar para dentro de nós com sinceridade e resgatar a autoconsciência, os nossos valores e, com carinho e autocompaixão, avaliarmos a forma como estamos vivendo, nossa trajetória, nossos relacionamentos. Olhar o retrovisor e revisitar o nosso ponto de partida, nessa reconexão conosco mesmo.
Perguntas como: De onde eu saí? Onde estou? Onde ainda quero chegar? Por que e para que trabalho? Quem sou eu e quem eu quero ser?
As respostas a essas perguntas, podem nos dar pistas importantes sobre o que tem valor para nós e como chegar o mais próximo possível do ponto de equilíbrio em nossa vida.
Não quer dizer que teremos tudo, mas identificando o que nos traz prazer e o que nos traz felicidade, saberemos identificar também do que podemos abrir mão, o que conversa com a nossa essência e finalmente aceitar e agradecer.
Deixo para quem tiver curiosidade e interesse o nome do livro e o link para o Podcast que me inspiraram a compartilhar com vocês as minhas reflexões.
Trimembração Social – Sociedade Orgânica – transcendendo direita e esquerda, Wesley Aragão de Moraes
Psicóloga - Aconselhadora Biográfica - Terapeuta EFT, EMDR e Brainspotting
4 aQue reflexão importante vc propôs, Andréa! Obrigada!
Doutor em Direito / Palestrante / Especialista em Marcas e Patentes / Escritor
4 aANDREA - Parabens. Texto profundo, maravilhoso, espetacular !!!