Oportunidade ou necessidade?
Glamourização do empreendedorismo em tempos de crise esconde desafios e pode provocar frustração e prejuízo financeiro
Reportagem: Lucas Coelho / Edição: Elizeu Silva
Maria, 33 anos, desempregada e sem dinheiro até para as despesas básicas, decidiu começar a fazer bolos caseiros para vender. Maria se tornou empreendedora e em pouco tempo o faturamento da sua empresa ultrapassou a casa do milhão e ela se tornou case de sucesso repetido exaustivamente pela mídia. Seria bom se a vida fosse fácil assim, né? Para infelicidade da maioria das pessoas, não é.
Em época de alta taxa de desemprego (12,5 milhões de brasileiros estão procurando emprego, segundo o IBGE), uma das pautas mais recorrentes na TV são as histórias de pessoas que encontram formas de driblar a crise financeira trabalhando por conta própria — sempre com bons resultados, claro.
Inspirada por esses relatos, Renata Costa, 39 anos, formada em Publicidade e Propaganda, após longo período de desemprego decidiu vender roupas e acessórios pela internet e presencialmente. “Comecei vendendo para algumas amigas, logo depois para amigas de amigas, e dessa forma nasceu a “Bonequinhas Brincos & Cia”, conta.
Embora consiga faturar o necessário para as despesas básicas, Renata diz que sobreviver de um negócio próprio não é fácil e que preferia voltar a trabalhar na sua área de formação e com direitos trabalhistas assegurados. “É muito desgastante. Tenho que acordar de madrugada para buscar roupas nas lojas de fábrica. Às vezes está chovendo, é difícil, mas tenho que ir. Não tenho capital para fazer estoque, por isso sempre tenho que ir às compras”. Ela destaca que sua renda depende totalmente das vendas. “Não tem feriado, sábado, nem domingo, se a pessoa quer comprar eu tenho que parar tudo e correr para atendê-la”. Apesar das dificuldades, Renata se diz grata por conseguir pagar as contas com este trabalho. “Não sobra dinheiro para nada, mas pelo menos não tenho dívidas”.
A história de Renata ilustra a realidade de milhares de brasileiros. O fenômeno do empreendedorismo por necessidade tende a crescer na proporção da crise econômica, do desemprego e da precarização das condições de trabalho. Na grande mídia, o debate sobre as causas da crise e os caminhos para superá-la dá lugar a pautas superficiais sobre empreendedorismo, como se sucesso e fracasso dependessem da vontade individual dos telespectadores. Trata-se de uma narrativa equivocada, uma vez que, assim como Renata, a maioria dos “novos empreendedores” se lança em empreendimentos por absoluta falta de alternativa.
Para o economista e professor universitário Willian Retamiro, a economia brasileira está vivendo um processo de “uberização”, condição em que os trabalhadores prestam serviço a grandes corporações sem vínculo empregatício, com ganho mínimo e arcando com todas as despesas da atividade profissional.
“A maioria dos novos ‘empreendedores’ são pessoas que acabam de ser demitidas, pegam o FGTS e o investem em algum negócio, porém sem qualquer orientação. Muitos não têm vocação para gerenciar negócios, nem informações sobre taxas de juros para empreendedor, capital de giro, ponto de equilíbrio, risco, concorrência, entre outros conhecimentos fundamentais. Não por acaso, a taxa de falência de empresas recém-criadas é altíssima”, lamenta.
O economista vê a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, como um marco da precarização dos direitos dos trabalhadores e início de um processo recessivo. “Ela foi feita para reduzir os custos operacionais das empresas. Como a redução se dá com o corte de direitos dos trabalhadores, ocorre então uma queda na renda que provoca a diminuição do consumo de produtos e serviços. Com o consumo em baixa, a situação da economia tende a piorar, pois muitos trabalhadores perdem o emprego e é aí que surgem os ‘empreendedores por necessidade’”, explica.
A auxiliar de enfermagem Luciana, 35 anos, decidiu vender bolo de pote depois de um longo tempo sem conseguir emprego. “Vi na TV uma matéria que falava sobre empreendedores e contava a história de uma moça que começou a fazer bolo de pote e com o dinheiro pagou a faculdade e comprou um carro. Achei que era uma oportunidade e fiz igual”. Focada no lucro que podia obter, Luciana nunca parou para pensar nas dificuldades. “Eu não era boleira e perdi muito ingrediente até chegar num padrão de qualidade para poder vender. Me apertei muito para comprar materiais, embalagens e o carrinho para transportar os bolos”.
Assim como Renata, Luciana também se deparou com dificuldades inesperadas. “Tinha dia que eu saía com o carrinho lotado de bolos e não conseguia vender nada. Ia a pé para o centro, por falta de dinheiro para a condução, e voltava para casa do mesmo jeito”. A margem de lucro muito pequena e o aumento da concorrência, fizeram Luciana diminuir a produção. “Agora só faço bolos por encomenda. A concorrência aumentou muito. Várias vezes cheguei em locais onde costumavam comprar de mim e os clientes já haviam comprado de outra pessoa”. No momento, o que ela mais quer é encontrar um emprego de auxiliar de enfermagem para ter horário certo de trabalho e garantia do salário no fim do mês. “Tenho uma filha e não posso parar. Tenho que continuar, apesar das dificuldades, mas assim que conseguir um emprego eu paro de fazer bolos”.
Para pesquisador da área da Comunicação Social e doutor em Administração, Paulo Izumi, a mídia tende a tratar a questão do empreendedorismo de forma simples, quando na verdade trata-se de um assunto complexo. “A mídia tende a vender sonhos. A TV sempre vai preferir contar a história de quem conseguiu se dar bem, de quem obteve sucesso, porque isso faz com que os telespectadores queiram acompanhar a história”.
Izumi diz que é muito importante distinguir o ‘empreendedorismo por oportunidade’ do ‘empreendedorismo por necessidade’. “No primeiro caso, o empreendedor só investe recursos depois de estudar as facilidades e os riscos relacionados ao seu projeto. Antes de tirar o projeto do papel ele constrói uma rede de contatos e procura identificar em qual modelo de mercado o seu produto se encaixa melhor. Na maioria dos casos ele não depende de imediato do empreendimento para sobreviver”.
Já o empreendedor por necessidade, segundo Izumi, precisa de uma solução rápida porque não tem outras fontes de renda. “Eles não estudam o mercado e na maioria das vezes não têm aptidão para administrar negócios. Geralmente constituem empresas de um único funcionário, o próprio dono, e acabam quebrando, pois essa pessoa pode ter sido um ótimo funcionário no antigo emprego, mas não há qualquer garantia de que se torne um bom empresário”.
Ainda segundo Izumi, a chance do empreendedor por necessidade desistir do negócio na primeira crise, ou quando consegue um novo emprego, é muito alta. “Eles acabam contribuindo para a alta taxa de mortalidade de empresas no Brasil. Uma das diferenças entre esses dois perfis é que o empreendedor por oportunidade tende a acreditar mais em seu negócio e dificilmente desiste. Diante das dificuldades, ele persiste e vai atrás de alguma solução para seu empreendimento engrenar”. O especialista não considera demérito a desistência do empreendedor por necessidade, pois são pessoas buscando apenas uma fonte de renda para sobreviver.
Por fim, Paulo Izumi alerta: “Empreender pode ser, sim, uma boa alternativa para quem busca driblar a crise. Muita gente alcança sucesso profissional e financeiro a partir de empreendimentos, mas é preciso ter cautela ao abordar o assunto, pois mostrar apenas histórias de sucesso, sem falar das dificuldades, pode levar pessoas a tomarem decisões precipitadas, sem o devido planejamento, resultando em frustração e prejuízo financeiro”.
Jornalista Diplomado com Pós-Graduação em Marketing Digital
4 aParticularmente, Eu prefiro ser empregado do que empreendedor...
Engenharia de Software no Itaú
4 aSensacional professor!
Professor | Ph.D. | Consultor de negócios e inovação | Facilitador em Service Design | Mentor em Marketing Estratégico e Empreendedorismo - PMEs
4 aO artigo trata com a devida seriedade os desafios do empreendedorismo! Parabéns!