Pensar e mudar a educação exige mais que críticas superficiais

Pensar e mudar a educação exige mais que críticas superficiais

Todos questionamos a qualidade da educação pública oferecida em grande parte do país. Muitos buscam culpados pela baixa qualidade e responsabilizam professores pelo problema. Geralmente, representantes de institutos e de organizações não governamentais declaram que a falta de formação continuada dos professores é a grande mazela da educação pública e até de muitas escolas particulares do país.

Uma visão limitada sobre o que ocorre em relação à educação brasileira, que tem escolas sem coletas de esgotos, sem infraestrutura básica, educadores mal remunerados, só para citar exemplos mais comuns. Os problemas educacionais do país passam também pela desvalorização da educação formal, pelo viés utilitarista e mercadológico da educação, pela falta de compromisso das famílias quanto ao desenvolvimento das crianças, falta de investimentos públicos, inclusive na formação de educadores.

A questão da formação dos professores é apenas uma entre tantas outras frentes que precisam ser abordadas de forma conjunta para que resulte em mudanças significativas lá na ponta, na aprendizagem dos estudantes. Aliás, se restringirmos a análise só a essa formação do educador, já encontramos problemas.

O setor privado, principalmente os que fazem uso de sistemas de ensino, consegue oferecer aos seus educadores formação contínua ou, ao menos, formações complementares, tanto a respeito de novas abordagens e metodologias educacionais, quanto em relação ao uso de novas tecnologias.

As empresas que investem em sistemas de ensino pensam todas as etapas do processo educacional, desde a concepção pedagógica e didática dos materiais, até a formação dos educadores para trabalhar com esses materiais. E, mesmo que, em muitos casos, essa formação esteja vinculada aos materiais dessa ou daquela empresa, há ganhos para educadores, que se mantém atualizados.  

A formação proporcionada pelas empresas educacionais mostra como extrair o melhor do sistema de ensino, mas garante também que o professor amplie os seus conhecimentos a partir das novas pesquisas e práticas educacionais, se atualizem, participem de eventos que promovem a reflexão sobre o processo de ensinar e aprender hoje, diante da realidade vivenciada pela sociedade atual.

Essa mesma estrutura é adotada no setor público, em municípios que garantem a formação contínua de seus educadores. O exemplo mais divulgado é o de Sobral, no Ceará. Mas já chegou a existir em alguns estados, a exemplo de São Paulo, entre os anos 2007 a 2010. Cursos eram ofertados aos educadores em diferentes instituições de ensino superior.

Os cursos de atualização eram desenvolvidos pelas instituições especificamente para essa formação dos professores, que podiam se inscrever e eram realizadas inclusive aos sábados. Eram propostas abrangentes, incluíam diversas áreas do saber e não só matemática e português. Eu, na época em sala de aula, fiz cursos ligados à história da Arte, à história e geografia, entre outros.

Os professores gostavam, aprendiam, se atualizavam. E, junto a essa formação complementar, havia os cursos de formação contínua oferecidos nas diretorias de ensino, focados na parte didático-pedagógica, que discutiam as práticas escolares dentro e fora das salas de aula. Esses em horário de trabalho. O educador era convocado para se atualizar.

Tudo isso se perdeu ao longo do tempo, por conta da falta de projeto educacional que fuja de propostas políticas, por falta de visão da educação como propulsora de uma sociedade mais justa e, é claro, capaz de promover mais riquezas. Quem aprende filosofia, história, matemática, física, artes, teatro, dança, música, química, informática e outras áreas do saber, se torna também melhor profissional, aprende a tomar melhores decisões, está mais qualificado.

De contínua mesmo, só as perdas. Inclusive as mais recentes, com cortes na área da educação em diferentes níveis. Não está sobrando dinheiro, faltam investimentos em propostas que enxerguem a educação como fundamental para o desenvolvimento do país e de sua população. E isso não significa criar sistemas públicos e privados que ofertem só educação “bancária”, para formar mão de obra. Aliás, mão de obra que não aprende a pensar e a refletir sobre a própria realidade não saberá tomar decisões e certamente não promoverá inovações.

Por isso é urgente repensar as políticas educacionais e, é claro, a maneira como se enxerga o buraco no qual a educação brasileira se encontra. Não é culpa de professores, o desastre é resultado de diferentes fatores e decisões equivocadas de políticos, setor empresarial, famílias, sociedade.

Colocar a culpa em alguém é sempre mais fácil que assumir a parcela de responsabilidade. Dizer que é possível fazer cortes em educação porque está sobrando verba é anunciar a total falta de compreensão do que é o processo educacional e atestar o desinteresse em investir nessa área. E não adiante retomar o velho discurso de que há desvios e desperdício, pois voltamos aos atores iniciais: órgãos fiscalizadores, governos, pais, enfim, à sociedade que nada faz para coibir esse processo de degradação. Ao votar em quem não vê educação como prioridade, você também é responsável.

Por isso, antes de qualquer manifestação a respeito da educação no país, é preciso compreender que há diversos fatores que influenciam os péssimos resultados, inclusive a mania de querer trazer para cá o que deu certo em país com características, legislações e condições bem diversas das encontradas no Brasil. Ir para eventos que dizem pensar a educação do Brasil em instituições de outros países também não é o caminho. E educação brasileira tem que ser pensada aqui, por educadores, por pesquisadores e pela sociedade daqui.

O olhar externo pode ser útil, se feito aqui, a partir da nossa realidade, considerando a visão de quem está na linha de frente, os professores. Ouvir gente famosa de instituições do exterior que geralmente perpetua estereótipos sobre a nossa realidade não vai trazer nenhum benefício nas práticas educacionais brasileiras, quando muito, promoverá mais distorções ainda.

Um dos melhores caminhos para realmente melhorarmos a educação brasileira passa por todos nós, inclusive pela mídia, que precisa parar de enxergar recursos da educação como gastos e vê-los como investimentos que beneficiarão todo o país. Ofertar cursos de formação de professores, de atualização, é fundamental. Mas esses cursos precisam ser amplos e não só focados em retomar teorias didático-pedagógicas e em português e matemática. Artes, música, filosofia, por exemplo, são fundamentais para que os estudantes a aprendam matemática e português, ao promoverem outras formas de aprendizado, a levá-los a enxergar que o mundo não é só saber fazer contas e escrever.

Se realmente queremos promover mudanças na educação do país, é necessário sair das amarras da educação utilitarista e mercadológica, é preciso fornecer educação integral de verdade, não aquela em que o estudante é mantido na escola, geralmente vendo mais do mesmo. Escola integral precisa oferecer conhecimentos sobre tecnologia, sobre como lidar com a mídia e redes sociais, sobre filosofia, teatro, dança, música, história, artes, educação física que valorize o corpo e sua gestualidade, sobre robótica, programação, entre tantas outras áreas do saber.

E já que sempre culpam professores, que tal oferecer essa mesma formação ampla a eles? É necessário aprender pedagogia, área rica, mas é preciso ir além, ofertar mais aos educadores, quem sabe nos moldes do que havia nos antigos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam). Hoje, aquela estrutura, que já ofertava aulas de teatro, dança, música, entre outras fora da grade curricular básica, seria bem mais rica, com ensino de robótica, programação e assim por diante. E isso iria se refletir nas escolas de tempo integral e nas demais.

Entretanto, continuaremos a ler, escutar, ver críticas à educação focadas apenas em culpar professores e na falta de formação desses profissionais, a mesma velha visão limitada que em nada contribui para promover mudanças e avanços na estrutura educacional do país. Tem gente representando áreas educacionais sem qualquer experiência em sala de aula e que vive a culpar professores.


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