Precisamos resgatar a criança que existe em nós! Precisamos não matar a criança que existe neles!
Neste último final de semana, em meu processo de formação espiritual, deparei-me com a frase: “Precisamos resgatar nossa criança, fomos perdendo isto durante a vida e hoje é o que nos falta, a ingenuidade, a curiosidade, o sorriso solto, genuíno e gratuito”.
E ai fiquei pensando que há aqui um paradoxo fundamental, para o qual é imprescindível reflexão para que possamos avaliar se não passou da hora de mudar o que estamos fazendo com nossas crianças. Estas que ainda são crianças de fato, na idade cronológica.
Hoje, cada vez mais, cresce o número de escolas focadas em formar grandes competidores.
Também cresce felizmente, não na mesma proporção, escolas focadas em deixar a criança ser criança, mas não creio que a procura por estas últimas seja tão grande.
Conversando sobre o assunto em aula, uma colega de turma desabafou.... “ mas este é o sistema, precisamos preparar nossos filhos e netos, para este mundo competitivo...”.
Será mesmo?
Será que é para isto que devemos preparar nossos filhos. Para competir, custe o que custar. O que vale é a quantidade de dinheiro que ele conseguirá acumular no banco, os bens que irá adquirir durante a vida, quantas vezes trocará de carro, quantos carros terá, quantas viagens ao exterior e assim sucessivamente.
Aqui não há um olhar para o cidadão que formamos, para o homem e mulher de bem que deixamos para o mundo, para quanto tudo isto o ou a fará feliz de fato.
Tantos movimentos discutindo a escolha pela “simplicidade”, “menos é mais”, “só é possível ser feliz conhecendo-se e identificando o que realmente lhe trará felicidade” e por ai vai, mas a maioria dos pais está na contra-mão, procurando a melhor e mais cara escola bilingue, cheia de atividades, que desenvolverá as capacidades do grande competidor.
Não é uma crítica ou um julgamento! É ainda uma constatação, estes mesmos pais, quando são encaminhados para programas de desenvolvimento de liderança em suas organizações, passam por estes questionamentos:
- Tudo isto vale a pena?
- E minha qualidade de vida?
- Quanto usufruo, com minha família de todos os bens que acumulei?
- Quanto tempo viverei?
- Como estes bens serão utilizados quando eu não estiver mais aqui?
- Como serei lembrado quando não estiver mais aqui?
- Serei lembrado?
Ainda há um tanto de empresas e executivos (as) sendo levados a trabalhar suas questões de valores, virtudes, espiritualidade, liderança holística, resgate da criança interior....
Precisamos parar de matar a criança que temos dentro de casa, precisamos parar de privar a infância da criança.
Os jovens no Brasil, depois de um ensino médio medíocre, seja particular ou público, medíocre de conteúdo, nem estou entrando no mérito da qualidade, medíocre porque a criança tem que decorar uma infinidade de coisas que jamais utilizará na vida, inclusive profissional, principalmente dependendo da área em que for atuar, mas se ela não se SUBMETER a todo este absurdo de conteúdo não terá uma oportunidade de correr na maratona cruel dos vestibulares.
Jovens estudando 8, 12, 15 horas por dia, para o vestibular, tentando DECORAR a maior quantidade possível deste conteúdo medíocre para prestar horas desumanas de provas, porque se não for assim ele não está adequado a esta sociedade.
E como é solitária a posição de quem não está adequado. De quem tem coragem como minha linda filha de admitir que não vê sentido em tudo isto. E ser questionada, em público, por uma coordenadora pedagógica cheia de boas intenções, completamente focada no “objetivo” de sua escola em formar “prestadores de vestibular”.
E não importa se este jovem, na minha opinião uma criança ainda, de 16, 17, 18 anos, não sabe ao certo o que vai fazer. Ele ou ela tem que se enquadrar e ai vale qualquer curso. Claro se for Engenharia, Direito, Medicina, tanto melhor. Ainda vivemos nesta era em que o que vale é o status do curso, afinal em nossos círculos de amigos é preciso ter o que contar.
Sim... é uma crítica ácida e talvez cruel, mas não se compara a crueldade a que submetemos nossos jovens.
Será que apoiar estas criaturas a descobrirem “fazendo”, “pesquisando”, “experimentando” sua vocação não será um investimento melhor e então o curso virá naturalmente, me parece que o caminho deveria ser o contrário.
Tenho atendido jovens tão perdidos com estas questões, e tão ávidos de atender as expectativas de Pais, Avós, Sociedade, jovens tão infelizes, desanimados, cansados tão cedo.
O caminho desta reflexão ainda é muito solitário, é uma luta contra o “status quo” e é preciso acreditar que “não é porque tudo mundo faz deste jeito, que este é o melhor caminho”. Não se trata de certo ou errado, mas quem sabe aceitar o convite a observação de se desta forma estamos gerando felicidade e se teremos condições de lá na frente falar para estas crianças resgatarem a criança que ajudamos a matar dentro delas.