Quando Lídia Helena deixou-me

Em 1977 eu estava na faculdade e tinha 21 anos, jovem e com a cabeça nas nuvens, filho de uma família desestabilizada, eu me apaixonei loucamente por Lídia Helena, que tinha, então, 18 anos e era linda, ateia e má.

Hoje, quase 45 anos depois, eu me lembrei dela e de quando ela me disse adeus, como resultado eu escrevi o que segue:

"Era sábado e estava chovendo. Eu estava realmente irrequieto preso em casa, sem poder sair na rua. Meu pai passou mais uma noite fora de casa, no jogo de cartas, provavelmente, e ainda não chegou, com aquela cara de criança que fez algo de errado, como toda vez que ele fazia isto. Mas o que mais me afetava era o trauma que ele deixava na família e ele estava com o carro, o único carro de casa; sem acesso a ele eu não tinha coragem de ir até a casa dela, por mais que eu a amasse, pois certamente ela quereria ir a algum lugar e, sem carro, isto seria impossível; mas, pelo sim pelo não, eu telefonei para ela, mas foi a mãe dela quem atendeu:

– Há, a Lídia Helena, espera que eu vou chamá-la.

Passou alguns minutos, que me pareceram horas, e ela falou comigo no telefone.

– Vamos para São Paulo, assistir a uma peça de teatro?

Eu disse, acreditando que ela diria sim e torcendo para que meu pai chegasse a tempo.

– Hoje não, estou indisposta.

Ela me disse.

Foi uma tromba d’água que desabou sobre o meu ansioso coração, quase o afogando. Não consegui dormir naquela noite, só pensando nela, que estava indo embora para longe de mim. Eu tinha aguardado ansiosamente a semana inteira por um sim. Mas um colega disse-me, no dia seguinte, que a viu em São Paulo na noite anterior e, o pior para mim, acompanhada por um cara; pronto, foi o suficiente para que meu mundo colapsa-se. O dia já estava ruim, ela não quis sair comigo e meu pai não entrava em casa, só ficava no quintal e ficou pior ainda, foi um resto de domingo torturante.

Mas na segunda cedo, eu estava no portão e ela, no carro de um outro que o estava dirigindo, parou em frente à minha casa, desceu, veio em direção a mim, parou olhando-me nos olhos e me disse para não a procurar mais, foi o desfecho final e intranquilo de uma paixão tremenda; que vontade de chorar que eu senti, o punhal do adeus dela penetrou fundo no meu coração, que a amava monstruosamente. Foi difícil para mim não a ver mais, justo eu que estava dominado pela imagem dela desde que a conheci, tanto é que eu perdi um ano de faculdade porque eu só pensava nela, a minha vida era ela, mas ela se foi com outro, acabou.

Mas eu sobrevivi, a punhalada no meu peito, desferido por ela, não foi fatal e a profunda ferida que ela deixou cicatrizou com o tempo, ela adorava constranger-me, sentar-se à mesa distante de mim, quando comigo fazia questão de ir no carro de outros, mas eu tenho saudade de Lídia Helena."


Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de PAULO ROBERTO VARUZZA, EPUSP, FSPUSP

  • Uma alternativa

    Uma alternativa

    Eu sou um dos incontáveis engenheiros cujo destino é ser expulso do mercado de trabalho pela idade, não sou um dos…

    2 comentários
  • O sistema, o desemprego e a fome

    O sistema, o desemprego e a fome

    Nós estamos presenciando, neste começo de 2021, brutais ameaças à sociedade, que são o desemprego e a fome, fomentadas…

    2 comentários
  • Descaso com a vida

    Descaso com a vida

    Já estamos na casa dos 3.000 mortos diários pela Covid, o sistema paulista de saúde está superlotado, como estava há um…

  • Diploma

    Diploma

    Meu diploma está simplesmente escondido no guarda-roupa, dentro do canudo no qual ele dormia antes de mo ser obrigado…

  • Efeito Estufa? Mudanças Climáticas? Mentira ou verdade?

    Efeito Estufa? Mudanças Climáticas? Mentira ou verdade?

    Eu assisti recentemente a uma entrevista de um professor da USP, concedida ao jornalista, se eu não me engano de nome…

    1 comentário
  • A IGREJA CATÓLICA E A CARNE DE CRISTO

    A IGREJA CATÓLICA E A CARNE DE CRISTO

    Ontem aconteceu algo inusitado para nós, que frequentamos a Igreja Nsa Sra do Rosário de Pompéia, na Av Pompéia, São…

    1 comentário
  • Ética e família

    Ética e família

    Era no final da década de 1970, eu estava na faculdade, o movimento estudantil estava "na toda", como eu fui testemunha…

  • TEMPOS ATUAIS

    TEMPOS ATUAIS

    Eu não sou e nem pretendo ser um analista político, mas eu vivo no dia-a-dia no Brasil, fazendo usualmente compras no…

    1 comentário
  • O Lulismo e a esquerda

    O Lulismo e a esquerda

    A nossa sociedade está solidamente embasada em três pilares fundamentais, que são: 1 – A Ética Judaico-Cristã…

    3 comentários
  • COLEGUISMO E SOLIDARIEDADE II

    COLEGUISMO E SOLIDARIEDADE II

    Nos tempos de crise como a que estamos vivendo, onde o desemprego é crescente e a visão do futuro é turvada pela névoa…

    3 comentários

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos