Quem você era em março de 2020?
Foto: Helena Lopes

Quem você era em março de 2020?

O dia 17 de março de 2020 foi minha estreia no home office. Eu lembro que escolhi a mesa de vidro da sala para fazer de escritório. Ela não é das maiores. Tive que abrir mão do mouse, por exemplo, porque não posso ficar sem meu caderno de anotações (~old is cool). Playlist preparada, to-do list engatilhada, cheiro de café pela casa. Deu certo.

Ao longo dos três meses seguintes, fui me aperfeiçoando. Passei da sala para a varanda (em uma mesa mais espaçosa e com vista para o horizonte, que ajuda a descansar a visão e a mente), criei um mural de post-its com lembretes na parede ao meu lado e, às sextas, o ritual de “desmontar o escritório”, para dar um sinal claro que era hora de dar um tempo no trabalho.

Em junho, voltei para o presencial em definitivo.

Agora, em março, tive um déjà vú ao decretarem o lockdown. Arrumei novamente a varanda para o trabalho, mas confesso que não foi tão fácil quanto antes. Parece que, de dezembro para cá, abaixamos a guarda, com uma falsa impressão de que tudo tinha passado.

Apesar de nada nunca ter voltado ao “normal”, fica claro que alguns aprendizados da pandemia foram deixados para trás muito rapidamente e agora voltam com toda força para nos lembrar que, por mais saudosistas que sejamos, nada será como antes. Aliás, nós também mudamos.

Passamos da hora de tornar esses aprendizados em processos e cultura em nossas vidas e empresas. Separei cinco exemplos para compartilhar com você e já deixo o convite: fique à vontade para complementar essa lista nos comentários, com base na sua experiência.

  1. Precisamos olhar além da produtividade.

No processo de migração para o home office, vejo que a primeira preocupação é: como vamos medir se a produtividade continua alta? E é claro que isso é importante. Aí temos um cardápio grande de ferramentas: trello, asana, slack e até a boa e velha planilha funciona.

Mas descobrimos que precisamos ampliar nosso olhar e entender contextos, porque eles influenciam diretamente na produtividade. Pontos como: qual é a estrutura que o colaborador tem para trabalhar em casa? Com quem ele mora? E, principalmente, como ele está se sentindo e lidando com isso tudo?

Pais que passam o dia com um olho no zoom e outro nos filhos. Jovens que moram sozinhos e ficaram extremamente isolados, com tendência à depressão. Colaboradores sem cadeiras, mesas e conexão a internet adequados.

Mais que apontar o dedo para as tarefas não finalizadas, é preciso desenvolver um olhar de empatia para ver como é possível ajudar e orientar para que, cada um, dentro do seu contexto, possa se manter saudável e, assim, produtivo.

E esse olhar não pode acabar junto com a pandemia. Descobrimos que não existe uma fórmula mágica que funciona para todos. Seja no escritório ou não, aprendemos a identificar gatilhos e comportamentos que levam à procrastinação, à baixa produtividade, à insatisfação. É insumo suficiente para criarmos políticas de gestão melhores, mais humanas e consistentes. 

2. Ainda há resistência para o home office. E isso precisa ser superado.

Muitos especialistas dão o home office como tendência consolidada e, sim, inúmeras empresas aceleraram nesse sentido e já até abriram mão dos seus espaços físicos. Mas nessa “segunda onda”, várias outras ainda foram pegas de surpresa na migração para o trabalho remoto. Seja por falta de integração de sistemas, recursos de tecnologia ou mesmo por cultura da companhia. E aí vem o ponto: até quando?

Se depois dessa pandemia mundial, ainda não aprendemos que, no mínimo, o trabalho remoto é um plano de contingência que precisa estar entre os processos da empresa, algo se perdeu.

E se o ponto é cultural, precisamos ir ainda mais fundo na reflexão: no que estamos errando para o home office não dar certo em uma empresa? Não à toa, consultorias e escolas vêm oferecendo cada vez mais opções de cursos e mentorias sobre gestão de times remotos, produtividade à distância e treinamentos sobre ferramentas de gestão de tarefas.

O caminho de como fazer já existe e a comprovação de que funciona também. Cabe a nós virar esse jogo.

3. Grande parte das reuniões - on e offline - poderiam ser um e-mail.

Virou meme, todo mundo concorda, mas continua a acontecer. Se antes, as agendas estavam abarrotadas de reuniões nas mais diversas salas das empresas e também em viagens de necessidade duvidosa, agora estão espalhadas pelo zoom, meet e teams. Mas calma: tem um método para começarmos a mudar isso. 

Antes de marcar uma reunião, crie uma pauta: quais pontos precisam ser discutidos? Quais definições são importantes e urgentes? Há muitos pontos de discussão? Quem realmente precisa fazer parte dela? Se, ao terminar, você não sentir que essa pauta tem consistência, transforme em um e-mail e siga a vida. Do contrário, agende, mas com horário certo para começar e terminar.

4. A jornada para o cliente ficou mais fácil - e ninguém quer abrir mão disso.

Você já deve ter lido que a pandemia foi uma bela sacudida tecnológica. A transformação digital, que estava tímida, ganhou uma velocidade incrível. As empresas tiveram que investir em ferramentas, do zoom ao chatbot, e em diversidade de canais para conseguir atender o cliente com a mesma agilidade e uma experiência de qualidade, seja qual fosse o cenário. E quando eu falo “cliente”, leia também colaboradores, fornecedores, parceiros.

Tivemos que ser rápidos em simplificar a comunicação e os processos. Se antes era preciso ligar para o SAC para fazer algumas solicitações, hoje com o preenchimento de um formulário e sistemas integrados, é possível diminuir a fila de pendências e resolver questões simples sem desgaste.

E o cliente (nem ninguém) quer retroceder nesse sentido. A jornada agora é fortalecer e expandir cada vez mais essas possibilidades.

5. Desapegue do presencial.

Tivemos que nos reinventar no susto. Cursos, feiras, conferências, shows, confraternizações, reuniões… tudo isso ganhou uma versão online. E sim, eu concordo que em vários desses casos o olho no olho é muito melhor. Nada substitui a energia de uma boa aglomeração em um festival de música. Ou o networking de um grande evento presencial.

E tudo isso certamente voltará (amém!).

Mas abrimos um mundo de possibilidades no online que vem para agregar demais. Um palestrante que está em outro país não precisa abrir mão de participar de um evento pela impossibilidade de estar no palco. Reuniões importantes podem ser híbridas (com participações presenciais e remotas) e assim trazer um grande saving financeiro. Conteúdos online podem ser a saída para repor a aula de quem precisou faltar.

Fato é que o “novo” normal já ficou velho. E esse lockown veio para reforçar que precisamos pegar nossos aprendizados pela mão e não soltar mais. Nada será como antes, mas abrimos caminhos para que seja muito melhor. Mais rápido, mais fácil, com mais opções que se adéquam a realidade de cada um. Seja no modo de trabalhar, de estudar ou de se relacionar com o mundo ao nosso redor.




Ana Paula Passos Ferreira

Foreign Trade | Procurement | Internacionalista |Suprimentos | Comércio Exterior | Importação e Exportação

3 a

Em Março de 2020 eu acabava de voltar de uma empresa no Paraguai beneficiada pela Lei de Maquila. Novos conhecimentos no Comex, muitos planos de melhoria, internacionalização, Lean, muita coisa boa no horizonte, depois de 02 meses trabalhando de forma híbrida, o que eu achei ótimo, pedi meu desligamento por não me adequar à cultura da empresa. Desde então continuo desemoregada, mas a lição que fica é que só se fala em Empatia, pouco se aplica por todos os pontos do seu texto.

Tatiana Araújo

Produção Audiovisual | Produção Executiva | Produção de Eventos | Gerenciamento de Projetos Audiovisuais

3 a

Desapegar do presencial tem sido um desafio viu! Saudades do olho no olho. Adorei o texto!

Caio Derosso

Consulting for Football Clubs

3 a

Excelente artigo com um final muito reflexivo: Fato é que o “novo” normal já ficou velho Essa frase tem impacto para mim, porque muitas pessoas aparentam querer que o esse novo normal seja apenas uma vaga lembrança e que a vida retome ao que era em 2019.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos