Saúde Corporativa. Uma retrospectiva dos últimos dez anos.
Por Luiz Coelho

Saúde Corporativa. Uma retrospectiva dos últimos dez anos.

O tema da gestão da saúde corporativa foi introduzido de forma mais incisiva no mercado nos últimos dez anos e neste período, muitas teorias, conceitos e modelos foram colocados à prova. Mas, de fato, quais resultados coletamos disso?

Com o objetivo de provocar uma reflexão sobre o tema e quais foram os caminhos percorridos até aqui e de forma a podermos, ao final, refletir sobre o que ainda pode e necessita ser corrigido, inicio com uma breve analogia quanto à atuação dos players que foram formando-se em seu entorno e como suas relações foram construindo-se até então.

Quem eram os players de dez anos atrás e como suas relações se desenvolveram com o tema

No início da década de 2010, quando o segmento de saúde ocupacional atravessava mais uma de suas transições, saindo de um modelo reativo basicamente limitado às regras e normativas cartoriais do Ministério do Trabalho, e caminhava para um modelo mais prospectivo, iniciando as provocações quanto à gestão integral da saúde do trabalhador, as operadoras de planos de saúde, pouco entendiam sua relação com o tema.

Na época em que tive a oportunidade de ministrar cursos em instituições representativas destas operadoras, ao apresentar o tema aos seus gestores e dirigentes, ele soava estranho. Já nessa época eu os alertava quanto a uma lacuna existente e que esta abriria espaço e mercado para novos entrantes, as então administradoras de benefícios, que ali fariam negócios e se estabeleceriam. Isso, de fato aconteceu. Nesse mesmo tempo, o tema começou a ser discutido com mais ênfase nos principais fóruns e congressos de instituições voltados à área de gestão de pessoas, saúde e recursos humanos. Buscava-se uma alternativa para o enfrentamento do aumento dos custos com o plano de saúde em folha de pagamento e para a melhoria da qualidade de vida dos colaboradores, reduzindo seus reflexos ocupacionais e previdenciários. Várias instituições e associações levantaram essa bandeira e se fixaram no mercado, ancoradas pelo tema, até os dias de hoje.

O que se propôs a ser feito - e porque não aconteceu, como deveria.

A proposta inicial estava centrada na integração das áreas assistenciais e ocupacionais no entorno do indivíduo - colaborador - e a palavra-chave era gestão integral da saúde.

Com o passar do tempo, vários ensaios e conceitos de saúde corporativa foram sendo desenvolvidos quanto a esta integralidade, mas que de fato, em sua maioria, apenas geraram resultados fragmentados de acordo com o interesse de cada um dos players e um conceito mais amplo, até então, não se evidenciou. Previu-se um modelo integrado, no entorno do trabalhador, mas seus players, com competências - e interesses - distintos, não se integraram, da forma como deveriam.

Chegamos em 2022 e esta ainda é a maior vulnerabilidade e impeditivo à implantação de um conceito de saúde corporativa mais amplo, pois ainda sofremos com esses conflitos. Comparo este desafio, que necessita ser vencido, com aquele que vivemos em relação aos modelos de remuneração praticados na área da saúde que ainda, em 2022 mantêm um sistema baseado no autofágico fee-for-service, dificultando a implantação de novos modelos.

Certamente, existem outras questões que ainda emperram esta implantação como a dificuldade da integração dos dados assistenciais e ocupacionais e o pouco conhecimento, necessário para a transformação desses dados em informações relevantes para toda a cadeia produtiva do tema, de forma a determinar intervenções integrais, preditivas e resolutivas junto aos grupos populacionais. Intervenções erradas, no tempo e forma errados e em populações erradas, geram ineficiência, desperdícios e aumento de custos e riscos para o setor da saúde.  

Mesmo com a presença desses desafios, conceitos - diferentes - foram sendo desenvolvidos e implantados. Pessoalmente, tive a oportunidade de conhecer modelos que geraram trabalho, muita empolgação, formação de comitês e equipes interdisciplinares e horas de projetos, mas que, ao final, não decolaram e/ou não comprovaram resultados devido a essa não integração e a esses conflitos de interesses.

Conhecendo os interesses fragmentados de cada player e o reposicionamento do papel das operadoras.

Ainda em tempo de uma profunda revisão nos modelos que estão sendo praticados, destaco a necessidade da implantação de um conceito mais amplo e a urgente mudança quanto à participação das operadoras, não mais como simples coadjuvantes como vem acontecendo, mas sim como protagonistas. Isso as interessa e muito, não só quanto aos seus indicadores financeiros e de sinistralidade de seus contratos empresariais, que significam sua maior fonte de renda, mas também pela sustentabilidade do seu negócio, gerando valor ao seu serviço.

Para que isso aconteça é necessário criar formas de diálogos, diferentes e abertos com as empresas contratantes e administradoras – eu falei que elas viriam – e redesenhar um cenário ganha-ganha para todas os envolvidos. É possível. Basta entender e atender os interesses de cada parte, de forma isenta e contributiva, deixando os interesses fragmentados de lado. É fato que ainda em 2022 as operadoras, em sua maioria, conhecem muito pouco desse tema, fruto de sua participação como coadjuvante até então. Elas precisam entrar mais no jogo e se apropriar desse conhecimento.

Para que fique mais didático, vou abordar, de forma resumida, quais são esses interesses fragmentados em relação a esses players, sendo as empresas contratantes ou corporações, as operadoras de planos de saúde, as administradoras de benefícios e os trabalhadores e seus grupos familiares - não poderíamos deixá-los de fora - nessa ordem.

Empresa Contratante ou Corporação – Ainda, em sua grande maioria, não optaram pela integração da gestão de suas áreas ocupacionais e de saúde assistencial, o que seria fundamental para a aplicação de um conceito mais amplo no entorno dos seus colaboradores. Além desse fato, o negócio da empresa contratante não é esse - saúde - e os departamentos de gestão de pessoas, possuem profissionais com inúmeras qualificações e competências, mas que, quando o tema precisa ser discutido, falta conhecimento específico em gestão de saúde, lacuna trabalhada comercialmente pelas administradoras de benefícios. Soma-se a isso a falta de um posicionamento maior pela alta administração, pois quando orientados a investir em saúde corporativa, ainda entendem que essa conta - financeira - não pertence à empresa, transferindo essa responsabilidade para as operadoras e/ou administradoras de benefícios.

Operadoras de Planos de Saúde – O maior interesse das operadoras, quanto ao tema, esteve sempre ligado ao resultado financeiro dos seus contratos empresariais. Essas operadoras vêm sofrendo com o estrangulamento da capacidade de pagamento por parte de seus contratantes e pelos inúmeros ofensores relacionados ao seu sinistro que se aqui fosse relacioná-los não teria como fazê-lo de forma resumida. Mas fato é que, elas ainda não estão fazendo o dever de casa quanto à gestão da saúde corporativa. Como consequência disso, ainda praticam um modelo centrado na doença, garantindo o atendimento quando os desfechos episódicos ocorrem. Com raras exceções, fora disso, só existe muito discurso de marketing. Com isso, continuam em 2022 atuando de forma letárgica ao processo e ficam observando os movimentos da saúde corporativa à distância, agindo de forma reativa quando acionadas pelas administradoras e contratantes. E com isso, de forma antagônica ao seu interesse, perdem dinheiro e não geram valor ao seu negócio.

Os motivos mais alegados por seus gestores e dirigentes para essa letargia estão, entre outros, associados à falta de um estudo mais embasado quanto ao ROI desses programas e à constante migração de beneficiários entre as operadoras. Apoiam-se ainda no fato de que a cultura em nosso país quanto a manutenção de um plano suplementar de saúde pela população não é preventiva, pois preocupam-se em buscar essa alternativa apenas quando já está com um estado de adoecimento desfavorável e de alto risco instalado. O que não deixa de ser um fato.

Nos últimos cinco anos, têm sido provocadas pelos seus grandes contratantes e pelas administradoras de benefícios a atuarem de forma mais proativa, ofertando entregas ou apoio nos programas de saúde corporativa mas, de fato, estas entregas estão ocorrendo de uma forma muito tímida, se limitando-se a programas de relacionamento empresariais, acompanhamento de sinistralidade, estudo dos maiores utilizadores em relação aos custos e isso, embora faça parte de um modelo de gestão de saúde corporativa, está longe de atender as demandas existentes. Podemos contar nos dedos as operadoras que possuem um setor estruturado com um modelo válido sendo aplicado junto com os demais players, de forma integrada e com resultados publicados.

Administradoras de Benefícios – Oriundas em sua grande parte das corretoras de planos de saúde, se viram, a partir de 2005, obrigadas a ampliar seus serviços para oferecer um apoio mais técnico entre seus clientes corporativos e as operadoras de planos de saúde, deixando de atuar apenas na intermediação comercial dessa relação. Muitas evoluíram em termos de entrega, criaram áreas técnicas de saúde, contrataram profissionais da área assistencial e redesenharam seus portfólios, até comercializando serviços de gestão e cobrando por eles diretamente das corporações. Mantendo o foco quanto ao tema, não questiono a licitude de participação destas, mas sim uma revisão no seu papel em relação à isenção no processo, uma vez que grande parte destas administradoras tem ainda em seu DNA na vocação da corretagem, que traz um resultado financeiro muito grande para seu negócio. Sendo assim, como saber, de fato, se a participação no desenho de um modelo de gestão da saúde corporativa em dado momento, está voltado para o lado contributivo do negócio ou para a geração de uma nova e substancial renda com uma indicação junto à contratante a para uma troca de operadora? Percebo ainda em 2022 a postura de algumas administradoras quando abordam o mercado das empresas contratantes, com um discurso ainda muito mais focado em fiscalizar os serviços das operadoras em relação a sua prestação de serviços que em “desenvolver junto” um modelo efetivo de gestão corporativa e racionalizar custos.

Por outro lado, quando não temos a presença dessa vocação comercial, temos a dificuldade da integração dos dados quando estas necessitam que as operadoras os forneçam para realizar seus propostos trabalhos de gestão de saúde. Não podemos menosprezar isso, pois esses dados são imprescindíveis para sua agregação e transformação em informações relevantes para as intervenções integrais e preditivas quanto à saúde de um grupo populacional. Ainda, quando conseguem esses dados das operadoras, não possuem, na maioria, tecnologias integradoras para integrar os mesmos com os dados ocupacionais e, a partir daí, aplicarem as intervenções de forma integral no entorno dos grupos populacionais.

Os trabalhadores e seus grupos familiares – O cuidado centrado no indivíduo já vem sendo adotado como uma boa prática pelo segmento da saúde, seja pública ou privada e é importante que, dentro dos programas de saúde corporativa, os grupos familiares sejam alcançados. Não podemos deixá-los de fora pois estão diretamente ligados ao colaborador, gerando reflexos em sua atividade laboral onde são afetados de forma psicossocial e comportamental por eles. Precisam ser alcançados, pois fazem parte do entorno do trabalhador. Medidas de intervenções e de mudança de estilo de vida, por exemplo, precisam chegar a estes grupos. Trata-se de continuidade do que se começa na empresa. De forma simplista, o que adianta uma política de alimentação saudável no refeitório da empresa se ao chegar em casa o trabalhador encontra uma alimentação desequilibrada? Cai por terra todo o investimento feito. Soma-se a essa dificuldade também o receio do colaborador quanto ao seu engajamento nos programas, que se nega, muitas vezes, a fornecer informações reais sobre sua percepção de saúde e estilo de vida, quando solicitados por seu contratante, com medo de medidas retaliativas e/ou perda de benefícios na empresa. Como desdobramento disso, acessam o sistema de saúde de forma errada entrando, em sua maioria, pelos atendimentos de urgência e emergência com casos de adoecimento crônicos, mas já agudizados ou ainda sem necessidade. Isso contribui para a baixa eficiência em termos de prevenção e encarece o financiamento da saúde. Essa falta de conhecimento e de coordenação em seu acesso volta ao mesmo como reflexo da cobrança de um valor maior em sua contribuição mensal quanto ao plano de saúde, mas ele não tem essa informação de forma clara.   

Todos estão perdendo

Da forma como está, todos acabam perdendo com esses interesses fragmentados. A operadora perde, pois é quem paga pela elevação da sinistralidade do contrato; o colaborador e seu grupo familiar, devido à baixa qualidade de vida; a empresa contratante em função dos elevados reajustes anuais de seus contratos, com a elevação dos custos ocupacionais e previdenciários como os advindos dos atestados e seus desdobramentos como o da hora não trabalhada ou de sua reposição e, ainda, com o presenteísmo que é de difícil aferição. Perde também o governo, que paga pelo seu afastamento seja ele temporário ou não.

E como então implantarmos um conceito mais amplo e efetivo na gestão da saúde corporativa?

“A saída para a melhoria dos sistemas de saúde está na gestão integral das informações produzidas em torno dos indivíduos” Porter 2007

Longe de qualquer tentativa de correção à genialidade de Porter, relembrando a frase do mesmo em sua espetacular publicação “Repensando a Saúde”, de 2007, penso que o que faltou, para sua efetiva aplicabilidade ao nosso mercado, foi a integração dos players que fariam a gestão integral das informações no entorno do trabalhador.

Este é o ponto nevrálgico do modelo que ainda não conseguiu ser atingido. Cada player envolvido na cadeia produtiva da saúde corporativa precisa se reposicionar de forma contributiva e não concorrente. Uma quebra de paradigma ainda necessária.

Uma vez atingido esse desafio, precisamos juntos, definir um conceito a ser validado e evidenciado para que, a partir disso, possamos nos direcionar a um modelo de fato efetivo. Tenho defendido como conceito para essa implantação o

Conjunto de ações sistêmicas que serão tomadas no entorno do colaborador visando à melhoria de sua qualidade de vida e de sua produtividade, a racionalização dos recursos de saúde e a redução dos impactos financeiros, jurídicos, ocupacionais e previdenciários para as empresas”.

Para isso necessitamos de conhecimentos diferentes. E, se todos os players são necessários, ótimo, mas necessitam deixar a condição individualizada que tem e partir rumo à integração destes conhecimentos.

Resumindo, as operadoras de planos de saúde, como dito acima, precisam criar competências internas para entrar de vez no jogo da saúde corporativa e apoiar seus clientes. As administradoras necessitam deixar o discurso contra as operadoras e entender que não estão ali para auditar as ações das operadoras e ficarem questionando as formas de atendimento que estas dão aos grupos populacionais de seus clientes. As empresas contratantes precisam de fato entender que tem um valor – financeiro - a ser colocado no jogo da saúde corporativa e que este não é aquele que se paga à operadora pelas mensalidades. E, por fim, os colaboradores precisam se engajar nos modelos de atenção provocados pelos demais players.

O que temos pela frente em relação à saúde corporativa.

Além das reflexões acima, que nos fazem entender o caminho percorrido até aqui, quanto ao tema é importante ficarmos atentos também ao que está acontecendo, agora em 2022, e ao que vem pela frente.  De forma resumida, cito abaixo três movimentos dos quais entendo ser de relevância nesse sentido.

Temos um mercado comprador - empresas - se reposicionando mundialmente em torno de um modelo mais factível em termos do financiamento da assistência, voltando a comprar direto do fornecedor de serviços, eliminando as operadoras e buscando novas alternativas diretas para continuar viabilizando saúde a seus grupos populacionais. Esse movimento já começou e vem tomando corpo cada vez mais, já tendo, inclusive, sendo iniciado no Brasil.

A implantação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que coloca sob revisão o futuro das regras para o compartilhamento dos dados sensíveis, que vai exigir muito estudo quanto à integração de dados da assistência à saúde, fato que vinha sendo quebrado já com muita dificuldade em nosso país após as primeiras ações de introdução do RES Registro Eletrônico de Saúde (RES), há mais de dez anos.

O impacto - positivo - do aceleramento da introdução da tecnologia devido a pandemia colocando em prática novas formas de acesso aos serviços de saúde. Como prestadores de serviços, principalmente aqueles responsáveis pelo acesso ao sistema de saúde, na atenção primária ou em seus consultórios, por exemplo, irão continuar a oferecer seus serviços? Não da mesma forma. Certamente, estes prestadores serão direcionados a buscar uma aproximação maior com o segmento corporativo e de forma mais proativa dando mais corpo às estratégias já iniciadas, embora que timidamente, das inside clinics ou dos ambulatórios internos e tudo isso com apoio da tecnologia como a exemplo da telemedicina. Caminho sem volta.

Questão de Sustentabilidade

Encerro por aqui deixando minhas provocações no intuito de que estas possam promover ou ajudar na revisão das estratégias de reposicionamento dos players do segmento e que, assim, melhore os resultados para a área da saúde corporativa em nosso país, garantindo a continuidade do financiamento da maior parte do sistema de saúde suplementar brasileiro.

Até a próxima. Obrigado.

José NAZAreno Maciel Junior

Atuario | Economia | Saude | Riscos | Dados | Conhecimento | Comportamento | Mentor | Futurismo | Inovacao | Entusiasta

2 a

Parabéns Luiz! Um texto amplo e realista! No meio disso tudo, no âmbito quantitativo, tem uma matéria que é pouco compreendida ainda por vários, que é o cálculo do percentual do reajuste. Gerando diversas perícias atuariais nas varas judiciais Brasil afora. Neste circuito temos os atuários que calculam, mas não negociam e em muitos casos ficam em situações muito delicadas. Além disso, e na minha visão até mais importante, são os aspectos qualitativos que você abordou muito bem, o fututo dessas relações é bastante desafiadora se não tiverem o envolvimento direto de todos com foco nos colaboradores e na gestão da saúde deles. Temos um caminho longo pela frente, isso se não for mais regulamentado em tempos vindouros.

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