Stakeholders, autismo e trabalho
Na vida escolar sempre tive stakeholders pessoas que davam suporte para que eu (sobre)vivesse naquele ambiente que por alguns momentos era hostil, e em outros momentos assassinava meu pensamento criativo e me fazia querer bater de frente ou fugir.
O mais louco disso tudo é que meu grupo de apoio na escola era uma base tão forte que fazia invejar até os considerados mais comuns numa taxa de "neurodiversidade" rsrs (sabemos que isso não existe, mas me refiro aqueles que se consideram "normais").
Esse suporte foi essencial pra mim, só assim os anos na escola principalmente no ensino fundamental puderam ser melhores e mais possíveis. Minha vida familiar era um tanto conturbada e estar no espectro, não ajudava muito. Eu me lembro de certos conflitos internos, que por vezes se externavam e hoje consigo compreender um pouco as razões.
Mas voltando a falar de stakeholders e espaços cotidianos na minha vida como TEA, o mais fácil era enquanto aluna eu estava sempre na mesma sala, mesma turma. Eu me lembro, o transtorno que foi pra mim e ninguém compreendia isso, quando me trocaram de turma em Março (!) eu surtei. Essa não foi a única vez que surtei. Foi só uma delas pra citar de exemplo. E quando as regras não faziam sentido, haja explicação, haja paciência pra lidar comigo. Ou quando a burocracia superava a inteligência, já era gatilho pra eu criticar, a sociedade adulta mais velha que eu, e hierarquicamente mais forte, não conseguia superar isso comigo. Eu menina preta periférica no espectro autista, virei ameaça. Entretanto, meus stakeholders entravam nesse circo, sempre ao meu favor, e por ora limpando minha visão embaçada pela raiva do sistema.
Na parte prática, meus suportes na escola eram de maneira mais efetiva de ajuda pra mim do que qualquer um que se intitula educador (sou muitíssimo grata, foram fundamentais a minha formação, mas educar não é só formar, é desenvolver) talvez por terem a mesma idade que eu, e seja mais fácil para pessoas de mesma hierarquia, que não tem relações de poder entre elas, desenvolver alteridade nos relacionamentos e arriscar suas opiniões em prol do outro.
Hoje na vida profissional enquanto autista adulta tenho stakeholders, o suporte, entretanto num contexto profissional isso se apresenta desafiador para ambas as partes (me sinto dando um tiro no pé falando disso, porque odeio expor fraquezas, me sinto Aquiles revelando para troianos sobre seu calcanhar) Porque digo isso? Conforme a idade cronológica de um ser humano aumenta se espera mais atribuições e que seu desempenho na atuação delas (de maneira autônoma!) seja cada vez maior. É estranho pra sociedade quando você não atinge esses parâmetros que sabe sei lá quem inventou. (Eu prefiro modelo aldeia cooperativa) Abaixo pontuo alguns fatores que tornam a vida profissional de um autista adulto, complexa. Fiz um apanhado das minhas vivências em diversos espaços profissionais nos últimos 5 anos como embasamento empírico.
- Primeiro fator: Altas demandas de trabalho sufocam até as pessoas mais inclusivas, até porque ainda estamos em construção de rotinas inclusivas.
- Segundo Fator: Não atendo aos estereótipos traçados para uma pessoa autista. Ou seja, não pareço autista. Logo, não preciso de ajuda como os demais. (Eu me sinto fuzilando meu pé, escrevendo isso, ainda mais porque meus colegas de trabalho vão ler).
- Terceiro fator: é que eu tenho uma função que deu match total comigo, e tenho a liberdade de expor meus hiperfocos no trabalho, outro lado, é muito doido o fato de não ter um espaço fixo de trabalho, como muitos tem. Isso me deixa ansiosa. Já perdi objetos, fico com dificuldade em organizar meu tempo, enfim, isso traz em uma série de implicações. (Tá escutando? É o barulho da metralhadora enquanto eu escrevo)
- Quarto Fator: A unidade que eu trabalho desde o deslocamento (que é no trem do Rio de Janeiro) até ela em si, possui uma demanda hardcore sensorial, social e de comunicação não assertiva. Chamo o meu trajeto, de ambiente hostil.
Quinto Fator: Algo que para muitos autistas é extenuante são as relações sociais e comunicação implícita. Sabe, quando você tem que pegar a nuance da conversa, no ar... Isso ocorre em todo lugar. Mas eu não domino isso. As coisas precisam estar bem explicadas. E pela alta demanda social, não eu não sou antissocial. Eu só gosto de praticabilidade. E fico toda vez com um delay pra captar o que ocorre. É tudo muito intenso.
E agora vamos ao tiro mortal: Minha produtividade cai. Fato. Morri. Pelo menos estou com a respiração presa de pânico até eu receber um feedback sobre o texto.