Sua mente foi hackeada pela Engenharia?

Sua mente foi hackeada pela Engenharia?


Na era digital em que vivemos, onde a inovação e a tecnologia avançam a passos largos, a mente humana ainda é o principal motor por trás das grandes descobertas e soluções. Mas você já parou para pensar em como suas próprias crenças e experiências podem influenciar a forma como você enxerga e toma decisões no campo da engenharia e o impacto disso na sua carreira?


Neste artigo, vamos explorar como esse fenômeno pode afetar profissionais de engenharia de diferentes níveis de experiência e, o mais importante, como você pode identificar e mitigar seu impacto para alcançar resultados mais objetivos e inovadores, abordando a importância de reconhecer e mitigar esse viés, oferecendo uma visão realista e simplificada sobre o tema, sob o olhar de alguém que esteve 20 anos atuando neste mercado.


A percepção seletiva, um viés cognitivo sutil e poderoso, pode estar "hackeando" sua mente, moldando suas escolhas e limitando seu potencial de crescimento e evolução em sua carreira no mercado da engenharia.


Para começar, precisamos conceituar viés cognitivo, que é uma tendência sistemática do ser humano de pensar de determinada maneira, que acaba desviando-o da racionalidade e do julgamento objetivo. Esses vieses são atalhos mentais que o cérebro utiliza como artifício para processar informações rapidamente e economizar a energia do pensar, mas que podem levar a erros de julgamento e decisão inadequadas. Já a percepção seletiva é um fenômeno onde as pessoas tendem a priorizar e lembrar somente de informações que confirmam aquilo que acreditam e ignorar ou esquecer informações que as contradizem.


Suas decisões e ações são pautadas em informações e dados recortados de um todo, selecionados de acordo com suas crenças e experiências. Todo e qualquer profissional acumula ao longo de sua carreira um conjunto de vivências que moldam sua visão de mundo e são determinantes na formação da sua percepção seletiva, ou seja, definem como ele observa, pensa, decide e age.


O assunto pode parecer complexo ou até chato, mas serve para que você perceba o quanto ele pode estar presente e afetar significativamente sua carreira e seus resultados mo mercado da Engenharia, onde essa tendência pode ter impactos gigantescos no desenvolvimento de projetos, na inovação e na dinâmica de equipes, e na sua permanência em um emprego, por exemplo.



Impactos na Engenharia


Esse fenômeno do viés cognitivo da percepção seletiva pode, por exemplo, afetar profundamente a forma como profissionais da engenharia interpretam dados, tomam decisões e colaboram em projetos. Isso por que eles estão sob influência das suas crenças e experiências pessoais. Essas crenças podem ser formadas por experiências de trabalho anteriores, por exemplo, onde profissionais de engenharia que tiveram sucesso utilizando uma determinada abordagem ou tecnologia podem estar inclinados a continuar usando-a, mesmo quando outras soluções podem ser mais eficazes, rápidas, baratas e seguras.


A formação acadêmica e os cursos de especialização pelos quais um profissional de engenharia opta cursar também influenciam diretamente as preferências e as percepções que ele tem sobre quais métodos e ferramentas são mais adequadas para viabilizar seu trabalho. Assim como, quando ele decide atuar em empresas de determinada área, onde certas culturas organizacionais também podem reforçar alguns modos de pensar e operar, levando os profissionais de engenharia a adotar práticas que estejam em alinhamento com os valores e normas da organização, que podem estar certos ou errados, que podem ser éticos ou antiéticos, que podem ser legais ou ilegais.



Exemplos de Percepção Seletiva na Engenharia


Um exemplo interessante é sobre escolher tecnologias e ferramentas de trabalho. Um profissional de engenharia que teve sucesso com uma tecnologia específica pode continuar a escolhê-la para novos projetos, mesmo quando alternativas mais atuais, rápidas, eficazes e até mais baratas estão disponíveis. Essa preferência pode ser reforçada pela percepção seletiva, onde o profissional lembra apenas do sucesso que teve no passado e minimiza ou esquece os desafios enfrentados com o uso da tecnologia atual.


Outro exemplo a ser observado é da interpretação de dados. Na análise de dados de projetos, profissionais de engenharia podem focar nos resultados que confirmam suas hipóteses iniciais, ignorando dados que sugerem conclusões diferentes. Isso não poderá levar a decisões de projeto baseadas em informações parciais ou enviesadas.


E quando acontece durante discussões em equipe? Onde um profissional de engenharia pode dar mais peso às opiniões e sugestões que alinham com sua própria visão, desconsiderando ou minimizando ideias que divergem. Isso não vai limitar a inovação e a diversidade de soluções propostas?


Para ilustrar, trago casos reais de mentoradas que tive a oportunidade de acompanhar durante algum tempo, que retratam claramente o viés cognitivo da percepção seletiva. Lembrando que sempre utilizo nomes fictícios para não expor minhas clientes.


Maria é uma engenheira civil, na época em que foi minha mentorada ela era recém-formada e seu objetivo era ingressar no mercado de trabalho. Enquanto cursava sua graduação, ela se destacou em um projeto que utilizava um software específico de modelagem estrutural. Esse software, que era amplamente utilizado na universidade, foi muito elogiado por seus professores e colegas em sala de aula e, portanto, ela definiu como sendo a melhor ferramenta de trabalho disponível no mercado.


Onde entra a percepção seletiva? Durante a mentoria ela conseguiu conquistar uma vaga e, ao iniciar seu primeiro emprego em uma empresa de construção, Maria foi designada para trabalhar em um projeto que sua principal atribuição era modelagem estrutural. A empresa ofereceu várias opções de software para essa tarefa, incluindo alguns mais avançados e específicos para o tipo de projeto que ela estava desenvolvendo. No entanto, Maria insistia em usar o software que aprendeu na universidade, argumentando que ela se sentia mais confortável e familiarizada com ele. Até aqui, sem problemas.


Qual o impacto dessa decisão na carreira da Maria? A insistência de Maria em usar um software com o qual ela estava confortável, mas que poderia não ser o mais adequado para o projeto, resultou em processos menos eficientes e em conflitos frequentes com a equipe e o cliente final. Sua percepção seletiva impediu que ela visualizasse os benefícios dos outros softwares e explorasse soluções potencialmente mais eficazes, limitando a eficiência no projeto. Sua postura gerou um desconforto tão grande entre os envolvidos que ela acabou sendo desligada da empresa. A percepção seletiva foi determinante na forma como a Maria observou, pensou, decidiu e agiu.


Um outro caso que me remete ao viés cognitivo da percepção seletiva é da Helena, uma engenheira mecânica com mais de 30 anos de experiência no setor de equipamentos agrícolas e era muito reconhecida por sua expertise nesse campo. Nós nos conectamos em um evento sobre futuro das carreiras na Engenharia onde ela buscava se atualizar para se recolocar no mercado.


Onde entra a percepção seletiva? Quando comecei a acompanhar Helena, ela me relatou sobre sua última experiência profissional. Com o avanço das tecnologias de equipamentos agrícolas, a empresa em que ela atuava decidiu investir em pesquisa e desenvolvimento de motores elétricos. Ela, no entanto, era cética em relação a essa mudança e acreditava firmemente na superioridade dos motores de combustão. Frequentemente desconsiderava dados e pesquisas que mostravam os benefícios dos motores elétricos, como a eficiência energética e a redução de emissões. Isso levou ela a recusar assumir a gerência do setor de P&D da empresa, inclusive.


Qual o impacto dessa decisão na carreira da Helena? A resistência dela em assumir o setor de P&D, aceitar e explorar tecnologias de motores elétricos causava frustração entre seus colegas mais jovens, a equipe de P&D e até na diretoria, exatamente por que ela era uma referência dentro da empresa. Sua percepção seletiva, influenciada por décadas de sucesso com motores de combustão, impedia que ela se adaptasse às novas tendências do mercado, impedindo sua contribuição de forma efetiva para a inovação na empresa. Ela acabou sendo taxada de desatualizada e, com 20 anos de empresa, foi demitida. Percebeu como a percepção seletiva foi determinante na forma como a Helena observou, pensou, decidiu e agiu?


Esses exemplos mostram como a percepção seletiva pode afetar engenheiros e engenheiras em diferentes estágios de suas carreiras. Para os recém-formados, priorizar as falas e ensinamentos dos seus professores pode limitar a exploração de novas soluções. Para os seniores, a confiança em conhecimentos e experiências anteriores pode dificultar a adaptação a novas tecnologias e tendências do mercado. 



Técnicas para Mitigar a Percepção Seletiva


Para garantir que suas decisões sejam tomadas de maneira objetiva e baseada em dados, é crucial trabalhar com a mitigação. Abaixo sugiro algumas técnicas práticas para ajudar engenheiros e engenheiras a reconhecer e superar esse viés.


1. Desenvolver suas soft skills

Investir em treinamentos focados em desenvolvimento de soft skills como pensamento crítico, análise de dados e resolução de problemas ajudará você a questionar suas próprias suposições e a considerar diferentes perspectivas antes de tomar decisões. Usar exercícios de análise de cenários para avaliar diferentes possibilidades e consequências de uma decisão também pode ajudar a destacar a importância de considerar todas as informações disponíveis, não apenas aquelas que confirmam suas crenças existentes.


2. Uso de Dados Objetivos e Ferramentas Analíticas

Priorizar a análise baseada em dados dados objetivos e ferramentas analíticas para apoiar sua tomada de decisões. Ferramentas como software de análise de dados e inteligência artificial podem ajudar a fornecer uma visão imparcial e baseada em evidências. Também vale implementar práticas de verificação cruzada de dados, onde as informações são avaliadas por múltiplas fontes e perspectivas. Isso ajudará a garantir que as decisões sejam baseadas em uma análise completa e precisa.


3. Adotar uma Comunicação Profissional Estratégica

Aprender técnicas de comunicação eficazes, como escuta ativa e argumentação baseada em dados. Isso ajuda a garantir que as discussões sejam construtivas e focadas em encontrar as melhores soluções, em vez de simplesmente confirmar crenças pré-existentes.


Concluindo, a percepção seletiva é um fenômeno intrigante que pode influenciar significativamente a forma como tomamos decisões. Reconhecer e mitigar esses vieses nos permite ser mais seguros e assertivos em nosso trabalho. Vale lembrar que as técnicas que sugeri acima foram testadas e fazem parte da minha metodologia de aceleração de carreira para engenheiras.


Finalizo pedindo sua opinião.

Você já havia tido contato com essa temática antes?

Você já notou a percepção seletiva influenciando suas decisões?

Quais estratégias você usa para garantir que suas escolhas sejam bem fundamentadas e equilibradas?


Podemos nos tornar profissionais ainda mais conscientes, construindo carreiras sustentáveis no mercado da Engenharia. Compartilhe suas experiências nos comentários abaixo.

Carolina Livi

Engenheira Civil, Dr.ª | Perícias de Engenharia

7 m

Muito interessante esse artigo, Neusa. Incentivou várias reflexões internas. Uma delas é um certo orgulho egóico que carrego quando digo "meu pensamento sistemático foi forjado pela engenharia e, em especial, no laboratório de pesquisa de materiais de construção". Se, por um lado, eu melhorei muito as habilidades metodológicas, raciocínio lógico, uma análise orientada à dados; por outro lado fiquei muito tempo presa à minha área de especialização e isso teve suas consequências. E para fechar, agradeço a oportunidade de refletir sobre o tema, pois isso contribui para melhorar padrões de pensamento e encontrar caminhos mais sustentáveis para nossa saúde mental.

Ariane Gomes da Silva

Profissional / Professora de TI - Senai / PR

7 m

Muito bom! Faz a gente parar e refletir!

Mariza Pacheco

Engenheira Civil, Gerente e Coordenadora de obras e projetos de edificações residenciais, publicas, mistas e industriais

7 m

Excelente artigo Neusa. Eu começar a observar minhas decisões e pensamentos de como cheguei nelas rsrs.

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